Por Pedro A. Duarte - Agência FAPESP - 12 de novembro de 2024 - Publicado…
Agrotóxicos estão acabando com abelhas no oeste do Pará
Abelhas mortas em Mojuí dos Campos / Fotos: Bob Barbosa/ Brasil de Fato
Venenos aplicados nos monocultivos de soja dizimam colmeias inteiras, afirmam apicultores
“Chegou a bomba atômica em Belterra. Acabou com as abelhas. Se acabar as abelhas sem ferrão, acho que o ser humano também está bem próximo a ser extinto de cima da terra, porque, você sabe, quem faz a polinização são as abelhas sem ferrão.” O tom dramático do meliponicultor João do Mel, que há mais de 30 anos cultiva abelhas no município de Belterra, no oeste do Pará, pode parecer exagerado, mas quando se avalia de perto a situação e ouve-se os demais produtores de mel, percebe-se um perturbador desaparecimento de abelhas.
Belterra, juntamente com toda a área do município de Mojuí dos Campos e uma parte menor do município de Santarém, estão localizadas no que se convencionou se chamar de Planalto Santareno, cuja altitude média está 150 metros acima da planície amazônica, que circunda toda a região.
Foi justamente nesse planalto que, a partir do início dos anos 2000, os monocultivos de soja se instalaram, alterando completamente as relações sociais e econômicas, e também afetando o ambiente e a saúde das populações locais. Desde então, ano a ano, a área plantada pelo agronegócio vem aumentando consideravelmente. Até antes da chegada da soja, predominava no Planalto Santareno a agricultura familiar e o agroextrativismo, e nesse contexto a produção de abelhas se desenvolvia.
Marcus Bezerra, apicultor, e que agora está trabalhando como vigilante em Belterra, contabiliza prejuízos na sua produção. “A gente chegou a ter até 30 e poucas caixas de abelhas, com produção de mais ou menos, de 30 a 35 litros (de mel) por caixa. Mas aí quando começou o desmatamento e as plantações de soja, por mais que a gente aumente a quantidade de colmeias, a produção começou a diminuir, diminuir, diminuir. Chega na época da plantação de soja, principalmente, você vai numa colmeia, você vê embaixo está cheio de abelha morta”.
Engenheiro agrônomo, com doutorado em Ciências Biológicas na área de Botânica, professor da UFPA, e especialista em apicultura (criação de abelhas europeias, italianas ou africanizadas) e em meliponicultura (criação de abelhas nativas e sem ferrão), Plácido Magalhães explica: “E aí quando se dá um processo desse de desmatamento, e implantação de uma monocultura, como é o caso da soja, aí o impacto ele é realmente mais significativo, porque vem todo um pacote junto, e dentre eles, tem a questão dos agrotóxicos. As abelhas são muito sensíveis aos inseticidas principalmente pela capacidade dele de eliminar mesmo as populações de abelhas. E as abelhas, uma vez em contato com esses inseticidas, com esses produtos, ou elas morrem em campo mesmo, o que se chama de “efeito letal”, ou ainda, tem os “efeitos sub-letais”, que é aquele que desorganiza completamente a forma como ela convive, e aí causa danos internamente na colônia.”
Diante dessa situação, os produtores de mel da região de Belterra procuraram o Ministério Público do Estado do Pará, para que providências fossem tomadas. Ione Nakamura, promotora de Justiça agrária, conta como essa demanda foi recebida. “É um impacto que nós temos observado da atividade com uso intensivo de agrotóxicos aqui na região que tem causado sérios impactos aos produtores de mel, às pessoas que trabalham com as abelhas, e em especialmente ao meio ambiente. Porque a abelha é um animal muito sensível à alterações ambientais e ele é um bioindicador por conta disso, ou seja, em locais em que o meio ambiente está equilibrado as abelhas costumam-se desenvolver bem na região.”
Edinamar dos Santos, mais conhecido como Mazinho, é apicultor e meliponicultor na área rural de Mojuí dos Campos. “Antes não tinha mortandade, ninguém conseguia ver uma abelha morta, via alguma quando chegou o tempo dela morrer, mas não por causa do agrotóxico, que não tinha. Eu já pensei muito em desistir, porque cada ano vai ficando mais fraco, e a gente não tem outra área boa pra botar, a gente não tem pra onde ir.”
Mazinho, ainda consegue, em escala muito menor que há dez anos, produzir e vender mel. Como ele mesmo reconhece, “hoje ninguém pode nem dizer que o mel é orgânico, porque nós estamos no meio do agrotóxico mesmo, do veneno, podemos dizer. Não tem mais como tirar um mel 100% orgânico, porque [as abelhas] já chegam contaminadas da flor.”
“Eu tive uma perda, nesses últimos três anos, dumas 50, 60 colméias de abelhas”, conta Geancarlo Gouveia, da Associação de Meliponicultores do Município de Belterra. “A mortalidade de abelhas cresceu muito. Às vezes a gente chega até a ver caixas que tu chegas lá e o enxame está todo morto. A única justificativa que a gente tem aqui pra isso acontecer foi o uso de veneno, o agrotóxico.”
João do Mel, por exemplo, lembra que há 20 anos, quando o agronegócio não havia chegado, as abelhas sem ferrão estavam 100% na nossa região. “Uma (abelha) canudo, que é scaptotrigona, produzia numa faixa de seis, sete quilos. Hoje não está produzindo meio quilo. Eu tinha numa faixa de 1.500 caixas, eu não tenho agora 200 caixas. Essa que é a realidade, esse é o impacto, eu chamo o “impacto monstruoso”.
O Fórum de Combate aos Impactos Causados pelos Agrotóxicos realizou em junho de 2018 um evento especialmente voltado para discutir a mortandade de abelhas na região. Túlio Novaes, promotor de Justiça de defesa do consumidor, conta que diante da grande mortandade de abelhas a conexão com o uso de agrotóxicos foi quase imediato. “Tomamos a iniciativa de fazermos um grande encontro para não só dividirmos as informações técnicas ligadas à produção do mel, mas principalmente para abordar esse problema que está realmente se instalando aqui na região, e que ameaça não só a indústria local, artesanal de produção do mel, mas ameaça também a própria questão do equilíbrio ambiental, que em grande parte depende não só das abelhas mas de outros insetos polinizadores”.
No momento, na condição de promotores de justiça do Ministério Público do Estado do Pará e objetivando planejar os próximos passos, Túlio Novaes e Ione Nakamura estão juntando e avaliando estudos técnicos realizados na região, e também ouvindo os produtores de mel. Túlio ressalta ainda que dos apicultores com quem que conversaram, “praticamente todos tem a mesma reclamação, o agrotóxico realmente está dizimando as colmeias”.
Fonte – Bob Barbosa, edição Daniela Stefano, Brasil de Fato de 06 de Agosto de 2018
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