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Agrotóxicos: um caso de Saúde Pública

Segundo Tarcísio Pinheiro, 75% dos trabalhadores rurais usam agrotóxicos nas propriedades. Para ele, o uso disseminado dessas substâncias vai elevar o índice de doenças crônicas

“Hoje, existem mais de 400 princípios ativos de agrotóxicos utilizados isoladamente e combinados com outras substâncias, o que potencializa o efeito”, assinala Tarcísio Pinheiro, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Essas substâncias químicas, explica o pesquisador, são responsáveis por doenças crônicas e agudas, que nem sempre são diagnosticadas com precisão, o que retarda o atendimento e o combate aos agrotóxicos. “Com relação às doenças crônicas, temos um grande problema, pois é difícil caracterizá-las. É mais fácil identificar os efeitos agudos, uma vez que os trabalhadores conseguem informar de forma mais precisa os sintomas”, aponta.

Pinheiro estuda a saúde de trabalhadores rurais em Minas Gerais e relata que é muito comum a utilização de coquetéis de agrotóxicos variáveis, o que, segundo ele, dificulta “correlacionar essas exposições com alguns efeitos crônicos”. Em casos graves, a intoxicação pode levar à morte. “Temos situações onde o agricultor tem uma exposição maciça, extensa, grave e às vezes fatal, em minutos ou horas.” E enfatiza: “Esses óbitos acontecem devido a alterações neurológicas, cardiovasculares e pulmonares”.

Em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, Pinheiro alerta ainda para um problema grave de intoxicação. “Nos prontos-socorros das grandes cidades brasileiras, nos setores de toxicologia, intoxicações por agrotóxicos são a terceira grande causa de atendimentos, perdendo apenas para medicamentos e picadas por animais peçonhentos”.

Pinheiro concluiu o doutorado em Saúde Coletiva, pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com a tese intitulada A vigilância em saúde do trabalhador no Sistema Único de Saúde: A vigilância do conflito e o conflito da vigilância. Atualmente, é professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais são os principais riscos à exposição de pesticidas?

Tarcísio Pinheiro – Existem riscos para a saúde e para o meio ambiente. Quando pensamos na questão humana, temos uma gama muito ampla de efeitos e impactos agudos e crônicos, que vão aparecer anos após a exposição. Ao mesmo tempo, esses efeitos podem ser localizados – dependendo da forma de exposição –, por exemplo, na pele, nos olhos. Em alguns casos também são sistêmicos, ou seja, se espalham pelo corpo, afetando alguns órgãos. Entretanto, as pessoas reagem de maneiras diferentes. Embora tenhamos um patamar mais generalizado, as reações são individuais e precisam ser observadas.

Com relação às doenças crônicas, temos um grande problema, pois é difícil caracterizá-las. É mais fácil identificar os efeitos agudos, uma vez que os trabalhadores conseguem informar de forma mais precisa os sintomas. Além do mais, é muito comum os trabalhadores rurais utilizarem diversas substâncias, o que chamamos de coquetel de agrotóxicos variáveis. Ao longo dos anos, correlacionar essas exposições com alguns efeitos crônicos se torna uma tarefa extremamente minuciosa, já que os sintomas aparecem anos após a exposição, como o câncer. Essas doenças têm um processo de evolução muito intenso e são de certa forma multideterminados. Isso torna o estabelecimento do nexo causal extremamente difícil, do ponto de vista científico, uma vez que os efeitos não são específicos. Um determinado agrotóxico produz cânceres com diferentes características, ou seja, não há uma especificidade desse tipo de dano.

Toxicidade dos agrotóxicos

Sabemos que, hoje, existem mais de 400 princípios ativos de agrotóxicos utilizados isoladamente e combinados com outras substâncias, o que potencializa o efeito. Além dos princípios ativos, encontramos substâncias chamadas inertes, utilizadas no sentido de alterar as ações e facilitar a absorção. Essas são capazes de provocar danos mais graves. Além disso, os agrotóxicos são classificados do ponto de vista toxicológico numa escala que varia de I a IV, sendo que os de classe toxicológica I são os mais perigosos.

IHU On-Line – Alguns estudos revelam que insetos transmissores de doenças, como malária, leishmaniose e dengue, ficam mais resistentes diante dos agrotóxicos. É possível relacionar os agrotóxicos a casos de epidemias recentes como a da dengue, por exemplo?

Tarcísio Pinheiro – Do ponto de vista de literatura científica, há uma farta evidência de que esse uso de agrotóxicos, ao longo do tempo, foi capaz de gerar um nível enorme de resistência das pragas. Assim, esses insetos tiveram uma capacidade de adaptação e de resistência aos agrotóxicos maior se comparada a outras espécies. Isso gerou um desequilíbrio: algumas pragas foram eliminadas, mas outras apareceram ainda mais resistentes. O que a história tem mostrado é que são usados cada vez mais agrotóxicos, e as pestes estão ainda mais resistentes. Para o trabalhador rural, isso é muito angustiante porque se gasta muito numa intensidade maior e com eficácia menor. Os transgênicos entram no bojo dessa crise, numa certa perda do combate às pragas.

Percebemos que a questão da dengue é complexa do ponto de vista da sua gênese, mas temos observado que os setores da Saúde Pública responsáveis pelo combate, além de causarem problemas aos trabalhadores que aplicam essas substâncias, estão liberando produtos que não tem sido capazes por si só de controlar os vetores. Isso tem feito com que se mude de estratégias do ponto de vista de combate. Há, às vezes, uma substituição de determinados produtos, porque os vetores estão “mais acostumados ou resistentes” àqueles anteriores. É uma luta que tem se travado, difícil e árdua quando se trata do controle. Em Belo Horizonte, controlaram a dengue com dois tipos de pesticidas, mas recentemente a prefeitura precisou mudar o produto utilizado. Isso é uma evidência dessa dificuldade do controle da resistência.

IHU On-Line – A que alterações clínicas, imunológicas e biológicas os trabalhadores expostos aos agrotóxicos estão sujeitos?

Tarcísio Pinheiro – Temos situações onde o agricultor tem uma exposição maciça, extensa, grave e às vezes fatal, em minutos ou horas. Esses óbitos acontecem devido a alterações neurológicas, cardiovasculares e pulmonares. Então, há um mecanismo de concentração nesses órgãos que pode gerar múltipla falência de sistemas, culminando com morte imediata. Por outro lado, existem situações mais leves e banais que por vezes passam desaparecidas, principalmente nas intoxicações leves. Nesses casos, os sintomas são dor de cabeça, transtorno gastrointestinal, um mal-estar geral, ou seja, algum quadro bastante inespecífico que o trabalhador tem dificuldade de perceber, e o profissional de saúde, de fazer uma relação.

O aparelho neurológico psiquiátrico é afetado com frequência e os efeitos são bastante evidentes. Mas alguns efeitos são mais difíceis de serem diagnosticados como alteração reprodutiva, infertilidade, aborto, má formação congênita, quadros asmáticos, alergias. Ou seja, temos uma variabilidade muito grande do ponto de vista da apresentação clínica. Um aspecto que tem chamado muita atenção hoje é o quanto esses produtos afetam o sistema imunológico do ponto de vista negativo. Isso significa abrir uma porta de entrada no nosso organismo para uma série de infecções.

IHU On-Line – Em que sentido a saúde dos trabalhadores rurais está sofrendo alterações nos decorrer dos anos?

Tarcísio Pinheiro – O que nos preocupa, do ponto de vista do trabalho rural, é o uso bastante disseminado de agrotóxicos. Trabalhos apontam uma presença acentuada de agrotóxicos em processos de trabalhos rurais, o que quer dizer que temos, do ponto de vista humano, um grande número de pessoas expostas. Aproximadamente, 20% da população vive no meio rural. Se formos fazer um exercício de projeção imaginando dados que relatam a presença de agrotóxicos nas propriedades rurais, percebemos que esse número chega a 95%, e que, dentre os trabalhadores rurais, 75% usam o agrotóxico, teremos uma população exposta com um nível de grandeza muito grande, ou seja, cerca de 20 milhões de pessoas infectadas.

O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos no meio rural, e os produtos usados têm uma toxidade reconhecida, mas não se discutem os impactos humanos e ambientais. Ao mesmo tempo, temos uma dificuldade enorme de controle. Alguns trabalhadores utilizam equipamentos individuais, mas eles são muito desconfortáveis, além de terem um custo econômico elevado, fazendo com que os mais desfavorecidos não consigam adquirir essas medidas de proteção.

IHU On-Line – Os agricultores têm consciência dos riscos desses adubos químicos ou de fato já são reféns deles?

Tarcísio Pinheiro – Ao lidar com os agricultores, os vendedores referem-se a esses produtos químicos como remédios ou venenos. Então, não se trata de falta de consciência. Os trabalhadores sabem dos riscos e os sentem na pele. Talvez não tenham conhecimento de detalhes técnicos e clínicos sofisticados. Entretanto, relatam que querem sair desta situação, não só por uma questão de risco de saúde, mas também pela questão econômica. O custo de um agrotóxico de algumas produções é intenso, chegando a 35% do custeio do produto. Então, o trabalhador, de modo geral, tem consciência dessa situação, e tenta buscar novas saídas, mas esbarra numa série de dificuldades.

IHU On-Line – Partindo da perspectiva da Saúde Coletiva, quais são as propostas para tratar intoxicações por agrotóxicos?

Tarcísio Pinheiro – A Saúde Coletiva tem como foco a abordagem de atuar nas causas das doenças. Quando recebemos um caso onde caracterizamos a exposição a agrotóxicos, esse quadro serve como ponto de partida, porque outros trabalhadores estão expostos ou correm o risco de desenvolverem os mesmos sintomas. Isso quer dizer que, além de cuidar do paciente individual, precisamos pensar em medidas do ponto de vista coletivo e de vigilância. Assim, a abordagem é muito mais ampla. A questão dos agrotóxicos não é eminentemente médica, mas diz também respeito aos economistas, sociólogos, engenheiros agrônomos, profissionais da terra, no sentido de buscarmos soluções. Particularmente, penso que, se temos um determinado agente capaz de gerar danos à saúde, precisamos pensar em alternativas de produção sem a utilização desses produtos. Do ponto de vista dos agrotóxicos, mais do que fazer milhares de investimentos para buscar os efeitos e identificarmos os danos, devemos procurar alternativas que significassem o não uso dessas substâncias, ou seja, eliminar o mal pela raiz. A solução definitiva para o problema significa rever a superação do uso do agrotóxico, e acho pouco provável conseguir, com educação e equipamentos de proteção individual, superar esse problema, ainda mais quando pensamos do ponto de vista ambiental. Como vamos preservar os peixes, por exemplo? Vamos prescrever equipamentos de proteção para toda a gama de espécies? Acredito que somos capazes de buscar alternativas. Há uma série de técnicas na agricultura orgânica e na agroecologia para produzir e abastecer mercados, sem riscos. Esse é nosso grande desafio.

IHU On-Line – As doenças e intoxicações causadas pelos agrotóxicos já representam um caso de Saúde Pública no país?

Tarcísio Pinheiro – Sim, apesar de toda a dificuldade que temos do ponto de vista do reconhecimento e da notificação. Os casos de intoxicação por agrotóxicos são tão relevantes que hoje, no país, somos obrigados a notificar o caso de intoxicação por esses produtos químicos. Nos prontos-socorros das grandes cidades brasileiras, nos setores de toxicologia, intoxicações por agrotóxicos são a terceira grande causa de atendimentos, perdendo apenas para medicamentos e picadas por animais peçonhentos. Isso é grave e movimenta aproximadamente 15% do serviço de toxicologia. Então, é uma situação preocupante. Temos uma população exposta de magnitude importante, e isso torna a questão, no meu entender, um grave problema de Saúde Pública que precisa ser tratado. Nos países europeus, o tratamento de intoxicações por agrotóxicos é prioridade do ponto de vista de Saúde Pública. No Brasil, estamos melhorando a notificação e a formação dos profissionais.

Fonte – Tarcísio Pinheiro, IHU Online / EcoDebate de 12 de junho de 2010

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