Por Ellen Nemitz · ECO - 18 de dezembro de 2024 - Câmara ressuscitou “jabutis” da…
Água subterrânea vista do espaço
Uma das áreas de recarga do aquífero Guarani, a lagoa do Saibra, em Ribeirão Preto, estava parcialmente seca em 2014. Edson Silva / Folhapress
Novo satélite deve retomar a coleta de dados sobre aquíferos de todo o mundo
Neste mês de março, o Falcon-9, um foguete com quase 70 metros de altura e 4 de diâmetro deverá fazer mais um voo, partindo de uma base aérea militar da Califórnia, nos Estados Unidos, para levar ao espaço o Gravity Recovery and Climate Experiment Follow-On (Grace-Fo), conjunto de dois satélites idênticos construídos na Alemanha. O Grace-Fo deverá substituir a primeira versão do equipamento, que em 2017, após 15 anos em órbita a 500 quilômetros da superfície, parou de mandar informações sobre a variação do campo gravitacional terrestre (ver Pesquisa FAPESP no 181). Como a força da gravidade depende da massa, que varia de acordo com a quantidade de água acumulada nos rios, na neve, no solo e nos aquíferos, o Grace fornece informações sobre as reservas de água doce superficiais e, como nenhum outro satélite, também as subterrâneas, por causa de seu modo único de funcionamento.
Os dados do Grace, com uma resolução espacial de 300 a 400 km2, têm servido para análises abrangentes, complementando os métodos tradicionais de avaliação da quantidade de água acumulada nas rochas dos aquíferos. A Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) acompanha a situação de 27 aquíferos do país por medidores de nível de água instalados em 380 poços artesianos. “A rede de coleta de informações é muito pequena para monitorar todo o país”, diz a geóloga Maria Antonieta Mourão, hidróloga sênior da empresa. “Com o novo Grace, poderíamos usar os equipamentos dos poços artesianos apenas para calibrar as medições sobre a recarga dos aquíferos.”
A CPRM registrou uma redução de dois a quatro metros no volume nas reservas subterrâneas do noroeste do estado de São Paulo, Triângulo Mineiro e Mato Grosso em 2014, em comparação com 2011, e tem alertado para a intensa exploração dos aquíferos, que pode levar ao esgotamento das reservas. O aquífero Guarani, uma das maiores reservas mundiais subterrâneas de água, com uma área de 1,2 milhão de km2, está sendo explorado por cerca de 4 mil poços artesianos nos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul. O aquífero Alter do Chão, na região Norte, com uma área de quase 500 mil km2, também sofre com a superexploração – estima-se em 15 mil o total de poços em Manaus – e a contaminação por lixões, postos de combustíveis, cemitérios e esgotos, principalmente nas grandes cidades.
Foi por meio do Grace que pesquisadores brasileiros identificaram a redução drástica das reservas de aquíferos brasileiros durante a seca de 2014, que começou em outubro do ano anterior no estado de São Paulo e se estendeu pela região Sudeste até 2015. Entre 2011, um ano chuvoso, e 2015, a seca causou uma redução de cerca de 150 quilômetros cúbicos (km3) de água superficial e subterrânea na região Sudeste. Esse volume equivale à metade da capacidade máxima dos reservatórios das usinas hidrelétricas da bacia do Paraná, a rede de rios que drena uma área próxima a 900 mil km2 e abastece cerca de 60 milhões de pessoas, incluindo os quase 20 milhões de moradores da Grande São Paulo.
A seca de 2014 atingiu mais a região central e nordeste da bacia do Paraná, com uma redução do volume de água maior nos reservatórios de maior porte ou mais próximos das cabeceiras dos rios, observou o engenheiro civil Davi Melo, pesquisador da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP). “Os reservatórios maiores, embora tenham sofrido uma redução de volume de mais de 50% entre 2011 e 2015, compensaram a perda dos menores e reduziram a propagação da seca”, diz. Ele detalhou a análise do impacto da seca de 2014 na bacia do Paraná em um artigo de novembro de 2016 na Hydrology and Earth System Sciences e em seu doutorado, concluído em 2017, sob orientação do engenheiro civil Edson Wendland, professor de hidrologia na EESC-USP.
O Nordeste e a Índia
Também examinada por meio do Grace, a região Nordeste apresentou uma redução do volume de água subterrânea de 49 km3 por ano, um pouco menor que a do Sudeste, de 56 km3 por ano, entre fevereiro de 2012 e janeiro de 2015, de acordo com um estudo publicado na Journal of Hydrometeorology em fevereiro de 2016. Seu autor, o engenheiro civil carioca Augusto Getirana, trabalha na Nasa, a agência espacial norte-americana, desde 2011, e tem usado intensivamente os dados do Grace para examinar as áreas de seca nos Estados Unidos. Os mapas são publicados pelas instituições que colaboram com a Nasa, como o Departamento de Agricultura e o Centro Nacional de Mitigação da Seca da Universidade de Nebraska. “Podemos usar apenas o Grace para ter uma visão geral e quantificar o volume de água de aquíferos de uma região ou combinar com outras fontes de informação, como os modelos hidrológicos, que simulam o fluxo de água na terra ou na atmosfera, e observações de campo, quando precisamos de detalhes”, diz ele.
Em 2007, uma equipe da Universidade do Texas em Austin, Estados Unidos, identificou uma equivalência de 82% entre as medidas de campo e as do satélite de um aquífero de 450 mil km2 na região central do país. Em 2009, uma equipe da Nasa liderada por Matthew Rodell observou uma redução muito maior que a reposição nos aquíferos do noroeste da Índia, região que abriga 114 milhões de pessoas. A retirada de 109 km3 de água de agosto de 2002 a outubro de 2008 para irrigação de arroz era 20% acima do estimado pelo governo e correspondia ao dobro da capacidade do maior reservatório de superfície da Índia.
As possibilidades de uso do Grace constam da programação do simpósio latino-americano de monitoramento de águas subterrâneas marcado para abril de 2018 em Belo Horizonte, quando o novo satélite estiver em operação.
Projeto
Disponibilidade hídrica em eventos extremos: Secas na região da bacia do Rio Paraná (nº 16/23546-7); Modalidade Bolsa de pós-doutorado; Pesquisador responsávelEdson Cezar Wendland (USP); Bolsista Davi de Carvalho Diniz Melo; InvestimentoR$ 196.780,00.
Artigos científicos
MELO, D. C. D. et al. Reservoir storage and hydrologic responses to droughts in the Paraná River basin, south-eastern Brazil. Hydrology and Earth System Sciences. v. 20, n. 11, p. 4673-88. 2016.
GETIRANA, A. Extreme water deficit in Brazil detected from space. Journal of Hydrometeorology. v. 17, 5919-99. 2016.
Fonte – Carlos Fioravanti, FAPESP de março de 2018
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