Por Ellen Nemitz · ECO - 18 de dezembro de 2024 - Câmara ressuscitou “jabutis” da…
Aguapé, a ‘praga verde’ brasileira que é promessa de solução para rios poluídos e produção de combustíveis
Seria a trama perfeita para um filme de ficção científica: planta que habita rio cercado de florestas impenetráveis em país longínquo é levada por explorador para adornar lagos em seu país. No entanto, a planta exótica era na verdade um ser alienígena que agora ameaça a vida no mundo civilizado.
Seria a trama perfeita para um filme de ficção científica: planta que habita rio cercado de florestas impenetráveis em país longínquo é levada por explorador para adornar lagos em seu país. No entanto, a planta exótica era na verdade um ser alienígena que agora ameaça a vida no mundo civilizado.
Bem, na vida real, plantas podem sim causar estragos quando inseridas em habitats diferentes dos seus. O aguapé da Amazônia, apelidado de “praga verde”, é uma delas. Mas cientistas ouvidos pela BBC News Brasil disseram que, no caso do aguapé, a trama pode ter final feliz. Essa planta pode ser a solução para despoluir rios mundo afora e ainda produzir etanol e materiais plásticos, dizem eles.
“Na Flórida, ela é considerada uma espécie invasiva sem controle. No Brasil, para se ter uma ideia, várias represas de São Paulo estão tendo problemas de navegação e geração de energia, turbinas estão sendo paradas, especialmente no rio Tietê“, disse Alcides Lopes Leão, pesquisador da Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
“É a planta que cresce mais rapidamente de todo o mundo. Por causa das mudanças climáticas, ela pode se tornar um problema global, pode vir parar aqui no nosso quintal (no Reino Unido). Não deveríamos lutar contra ela, mas achar formas de conviver com ela e torná-la útil”, disse Parvez Haris, professor da Escola de Ciências Aliadas da Saúde na Universidade Montfort, na Inglaterra.
Poderes despoluentes
A Eichhornia crassipes, ou aguapé, é uma bonita planta aquática flutuante, com grandes folhas redondas. Quando floresce, produz flores azul-arroxeadas.
Natural da bacia amazônica, até recentemente era vendida como planta ornamental em lojas de jardinagem europeias, mas foi banida no continente por seu potencial nocivo ao meio ambiente.
Sabe-se há muito tempo de sua capacidade de retirar toxinas da água. No entanto, tentativas anteriores de utilização da planta para despoluir rios tiveram resultados desastrosos: experimentos fugiram do controle de cientistas, e a planta passou a se proliferar de forma desenfreada nos locais onde foram feitos os estudos. O resultado disso foram rios entupidos, onde não se pode pescar, cheios de moscas e impossíveis de navegar.
Décadas mais tarde, uma parceria entre pesquisadores britânicos e brasileiros pode, finalmente, vir a reverter o impacto negativo do aguapé – e colocá-lo a serviço da humanidade.
Estudo Britânico: biorremediação
Recentemente, a revista científica Nature publicou um artigo detalhando os excelentes resultados de um experimento com o aguapé feito em um trecho do rio Nant-y-Fendrod, em Swansea, no País de Gales, no Reino Unido.
Durante 240 anos, entre 1720 e 1960, a região foi um centro mundial na produção de cobre. Uma grande quantidade de dejetos resultantes da atividade – 7 toneladas de material tóxico – foi abandonada no Vale de Swansea e acabou indo parar no rio, explicou Haris, coautor do estudo.
“Isso teve impacto na ecologia do rio, peixes e vegetação da área foram afetados.” Entre as substâncias presentes na água estão zinco, níquel e cádmio. “Desde 1961, as autoridades locais tentam remover os dejetos, mas a água continua contaminada”, disse o cientista.
Sob orientação de Haris, o estudante de PhD Jonathan Jones, que trabalha para o órgão ambiental Natural Resources Wales, propôs fazer um experimento usando biorremediação para despoluir o rio.
Biorremediação é o processo no qual se empregam organismos vivos (micro-organismos ou plantas, geralmente) para recuperar áreas poluídas. Nesse caso, o “remédio” usado seria o aguapé brasileiro.
Contando com recursos e tecnologias de ponta, os cientistas conseguiram acertar onde, no passado, seus colegas falharam. Para impedir a contaminação do ambiente pela espécie elienígena, a planta ficou contida em gaiolas e tanques. Instrumentos de medição de última geração foram usados para avaliar a composição da água.
Experimento em três estágios
O experimento foi feito em três estágios. O primeiro, no laboratório, usou água sintética onde havia sido adicionado o metal tóxico zinco em concentração de 4,5 miligramas por litro. Após sete horas na água, o aguapé removeu 50% do zinco. Após três semanas, a planta absorveu 90% do metal.
No segundo estágio, a equipe repetiu o experimento em laboratório, porém usando água retirada do rio Nant-y-Fendrod, contendo não só zinco, mas também outros metais.
Após sete horas, entre 20% e 30% do zinco havia sido removido. Após três semanas, quase 100% da substância havia sido removida (na água do rio a concentração do metal era cerca de 2 miligramas por litro).
O terceiro estágio foi feito no próprio rio. Aqui, foram utilizados dois métodos. “Colocamos a planta dentro de gaiolas na água e permitimos que a água fluísse para dentro das jaulas. A água entrava e saía.”
Aqui, após apenas alguns segundos de contato com a planta, foram removidos 10% do zinco e 15% do cádmio presentes no rio. “Isso demonstra remoção quase instantânea” do metal tóxico, ressaltou o pesquisador Jonathan Jones à BBC News Brasil.
No experimento final, a equipe usou uma técnica que permite o monitoramento ainda mais preciso do comportamento do aguapé na natureza. “A água foi transferida do rio, por meio de canos, para tanques contendo aguapés. Nòs monitorávamos a água antes de entrar no tanque e depois, ao sair. Essa técnica tem potencial para uso na vida real, fora do laboratório”, disse Parvez Haris.
Em segundos de exposição ao aguapé dentro do tanque, cerca de 4% do zinco e 5% do cádmio haviam sido removidos da água. O mesmo ocorreu com vários outros metais, entre eles, manganês, arsênico e chumbo.
A equipe explica, no entanto, que essa fase do experimento – embora tenha acontecido no verão britânico – foi feita sob temperatura ambiente muito baixa, o que afetou o desempenho do aguapé (longe das condições em seu habitat natural, os trópicos).
Eles ressaltam que esse, obviamente, não seria o caso no Brasil, onde a quantidade de poluentes removida deverá ser maior.
Além disso, explicam, quando aplicada na natureza, a técnica envolveria o represamento temporário da água para dar tempo ao aguapé de agir.
Um estudo diferente dos anteriores
Segundo Haris, o experimento britânico foi único em alguns aspectos. Primeiro, porque o potencial despoluidor do aguapé nunca havia sido testado em países de clima frio, disse.
Segundo, por investigar com máxima precisão o comportamento do aguapé em vários ambientes e situações, do laboratório ao rio.
“Este estudo, de pequena escala, visou demonstrar um conceito, de que a ideia funciona. Feito isso, você pode repetí-la em grande escala”, disse Haris. E é aqui que entram em cena pesquisadores brasileiros.
Parvez Haris está buscando formar uma parceria com pesquisadores do Brasil para testar a técnica em grande escala em rios do país.
“No Brasil, essa planta é considerada um grande problema. Várias usinas de energia (hidrelétrica) em rios brasileiros tiveram de ser fechadas por causa dela”, disse o cientista. “Estou em discussões com um pesquisador de São Paulo.”
Parceria entre Reino Unido e Brasil
“Estamos nos namorando”, disse o pesquisador em questão, Alcides Lopes Leão, da Unesp. “Ele caminhou de um lado, e eu, de outro, estamos fechando os caminhos.”
Como parte da parceria, explicou Leão, o experimento de Haris seria replicado em larga escala no Brasil.
Primeira fase
“Ele fará a biorremediação, ou seja, usará a planta para remediar poluição. Após esse processo, é preciso dar um uso a essa planta. Eu e a minha colega Ivana Cesarino, aqui da Unesp, entraríamos nessa fase do projeto.”
Segundo os pesquisadores, cerca de 80% dos metais tóxicos absorvidos pelo aguapé ficam armazenados na raiz da planta. E agora? O que fazer com o aguapé contaminado?
“Queimar não pode, porque você vai liberar aquele material tóxico de volta na atmosfera”, diz Leão.
Segunda fase
O plano dos paulistas é o seguinte: a equipe da Unesp receberia o aguapé contaminado. Sob os cuidados de Ivana Cesarino, a planta sofreria um processo de fermentação.
“A fermentação vai produzir o álcool, o etanol 2G, de segunda geração”, disse Leão. Desse processo, sobraria o bagaço do aguapé.
Quem pega o bastão agora é o próprio Leão.
Terceira fase
“Esse bagaço restante eu uso para gerar produtos plásticos, como o conduit, que você usa por exemplo para encapar fio que vai dentro das paredes. Ou seja, vamos imobilizar os metais tóxicos dentro desse material, que não tem contato com a espécie humana.”
A ideia é evitar a contaminação do meio ambiente com essas toxinas. “Assim fecha-se o ciclo”, concluiu o pesquisador.
Futuros clientes
Da represa de Americana, atualmente tomada por aguapés, até o rio Tietê, poluído por níquel, cromo e vários outros metais pesados, não faltam oportunidades para experimentos com a nova técnica no Brasil, disse Alcides Leão.
“Estamos buscando financiamento para uma proposta conjunta”, disse.
Uma vez feito o experimento, o próximo passo seria oferecer a técnica a empresas brasileiras. “A própria Sabesp poderia ser um cliente”, disse Leão.
Este Post tem 0 Comentários