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Ameaça à Escarpa Devoniana: mais que uma falta de bom senso

Projeto de Lei quer reduzir com APA da Escarpa Devoniana. Foto: Divulgação.Projeto de Lei quer reduzir com APA da Escarpa Devoniana. Foto: Divulgação.

Até meados da década de 1980, a prática tradicional da pecuária extensiva permitiu que a paisagem do Segundo Planalto paranaense não fosse muito comprometida. A bovinocultura representou certo alinhamento de uma atividade econômica convencional com a proteção das áreas de Campos Naturais e dos capões de Floresta com Araucária.

Já nas últimas décadas, por outro lado, a paisagem típica da região de Campos Naturais cedeu espaço para extensas plantações de soja e florestamentos de pinus, gerando uma mudança generalizada no uso da terra com base na significativa agregação de valor proporcionada com as novas culturas. Um gigantesco polo de agroindústria e beneficiamento de madeira surgiu na região.

Por consequência dessa ampla modificação de território, foram reduzidos drasticamente os redutos onde ainda se observam remanescentes da paisagem natural da região. No entanto, em contraponto com uma visão convencional, as poucas áreas naturais que ainda restam não podem ser vistas como espaços improdutivos, ou mesmo como áreas em processo irreversível de consolidação pelas práticas que hoje são dominantes na região.

As últimas áreas naturais dos Campos Naturais do Paraná, em grande parte, se localizam, justamente, onde as condições de relevo e solo dificultam a expansão das culturas agora preponderantes. A Área de Proteção Ambiental (APA) da Escarpa Devoniana, criada em 1992, delimita esse espaço de uso alternativo e abriga, ao mesmo tempo, um relicto exuberante do que já foi a paisagem do segundo planalto do Paraná.

É o governo do Estado quem tem a responsabilidade de garantir um direcionamento coerente e isento para as diferentes frentes que podem impulsionar a nossa economia e, ao mesmo tempo, garantir a qualidade de vida e prosperidade à população paranaense. Essa agenda guarda também a necessidade de proteção de áreas naturais e o incremento de atividades econômicas a partir de negócios que permitam maior valor agregado, como é o caso do turismo. A manutenção das condições de prestação de serviços ambientais, de valor econômico, social, ambiental e estratégicos também devem entrar na equação.

A tentativa assoberbada de extirpar dois terços da APA da Escarpa Devoniana a partir da aprovação de um projeto de lei que tramita na Assembleia Legislativa está sendo conduzida num alinhamento explícito com o atual governo, sabidamente influenciado pela força política e econômica do agronegócio.

Agem sem fundamento técnico, cooptando órgãos ambientais e atuando de maneira contrária aos interesses da sociedade. Somam-se a essa articulação interesses de mineração e de grupos interessados em explorar energia eólica e hidráulica. Um entendimento realmente limitado sobre a verdadeira dotação econômica que possa, verdadeiramente, agregar valor a essa região.

Ao contrário da visão que impõe o avanço de atividades convencionais sobre os últimos remanescentes de campos do Paraná, as áreas naturais são também espaços que geram muitas riquezas e que podem ser muito mais expressivas do que a produção primária, caracterizada pela agricultura, silvicultura e mineração. Basta constatar que os espaços naturais bem conservados representam uma demanda básica para atividades de turismo e, portanto, são “produtoras de natureza” tal qual as outras formas de produção que conhecemos.

As iniciativas de turismo já existentes ao longo de toda área da Escarpa Devoniana representam os primeiros passos de exploração econômica que poderão transformar essa região especial num polo de turismo de natureza tão relevante quanto Gramado, no Rio Grande do Sul, Urubici, em Santa Catarina e Campos do Jordão, em São Paulo, além de tantos outros exemplos que o Paraná também precisa trazer para o seu território. Para que isso possa se tornar realidade, entretanto, o respeito aos limites do uso do solo precisa ser garantido.

A sociedade brasileira clama por novos tempos. Tempos distintos da prática corrente de corromper ou de privilegiar interesses de poucos em detrimento de muitos. É chegada a hora de a Assembleia Legislativa do Paraná dar provas de que não lhe falta bom senso. De que lado ela ficará?

Henrique Simão Pontes é geógrafo, doutorando em geologia e membro do Grupo Universitário de Pesquisas Espeleológicas (GUPE) e Gilson Burigo é graduado em Geologia, doutor em Petrologia e professor associado do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).

Fonte – Henrique Simão Pontes e Gilson Burigo, O Eco de 12 de março de 2017

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