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Annie Leonard – A revolução do consumo e da felicidade

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De onde vem o papel que você segura neste momento? O quão sustentável é a camiseta supostamente ecologicamente correta que acaba de comprar? A mulher que respondeu a essas e a centenas de outras perguntas sobre produção de bens de consumo se tornou uma celebridade. A ambientalista americana Annie Leonard ficou mundialmente famosa pelo vídeo “A história das coisas”, exibido milhões de vezes no YouTube. O curta ganhou uma versão em livro – o homônimo “A história das coisas” (Editora Zahar). Em ambos, Annie defende não só a sustentabilidade, mas a felicidade.

O Globo – Qual a sua inspiração para fazer o vídeo e escrever “A história das coisas”?

Annie Leonard – Quando era estudante universitária em Nova York, me impressionava muito com as monumentais pilhas de lixo depositadas nas ruas todos os dias. Um dia resolvi abrir os sacos para ver o que as pessoas jogavam fora. Fiquei chocada ao descobrir que havia muito material reutilizável, especialmente papel e metal. Então resolvi ir ao depósito de lixo da cidade. Havia montanhas de móveis, roupas, livros, comida. Isso despertou minha curiosidade sobre a função das coisas em nossas vidas. De onde elas vem, para onde vão e como administrar melhor sua produção e uso. Depois de formada, trabalhei para ONGs ambientais e viajei pelo mundo.Vi os impactos ambiental, social e de saúde ocultos das coisas que usamos e jogamos fora. Fiquei frustrada que o custo real de todos os bens que consumimos não é explicitado nas propagandas que nos encorajam a comprar coisas para nos assegurar felicidade, sucesso e segurança. Eu queria promover uma discussão mais honesta sobre padrões de produção e consumo.

O Globo – Como surgiu a ideia do filme e do livro?

Annie – Comecei fazendo um cartoon para descrever os sistemas de ação e consumo. E deu certo! Depois criamos um vídeo de 20 minutos e o postamos em dezembro de 2007. Para minha surpresa, foi um sucesso. Já foi exibido mais de 15 milhões de vezes, acessado em praticamente todos os países do mundo. O livro “A história das coisas” foi continuação desse trabalho.

O Globo – Você viajou por mais 40 países para pesquisar como as coisas são produzidas e descartadas. O que descobriu? O que viu de mais significativo?

Annie – A lição mais importante que aprendi é que há muitos meios de criar um mundo melhor. Soluções economicamente viáveis já existem, energia renovável à produção limpa e resíduos zero. Precisamos fazer uma nova revolução industrial que transforme nossos sistemas de produção e consumo drasticamente, reduza o gasto de energia e água, elimine substâncias tóxicas, tornem os produtos mais duráveis. Precisamos investir mais em ação, saúde e meio ambiente, e não no acúmulo de coisas. Há muitos problemas ambientais para resolver, do caos climático ao colapso dos recursos pesqueiros. Seria fácil ficar deprimido se não tivéssemos tantas boas alternativas já disponíveis. Felizmente, podemos começar a construir um futuro agora. Em cada país que visito vejo pessoas – de professores a pais, empresários e até mesmo políticos – que trabalham para um futuro melhor. Isso me dá uma grande esperança.

O Globo – Você já esteve no Brasil?

Annie – Ainda não, mas espero conhecer o Brasil. É um dos países onde mais gente assistiu ao meu filme. Recebemos milhares de e-mails de brasileiros, de pessoas que concordam com a mensagem de “A história das coisas” e trabalham para um ambiente mais saudável, sustentável e justo.

O Globo – Como podemos tornar nossa vida mais sustentável e feliz?

Annie – Pensando por nós mesmos. Estabelecendo nossa própria medição de satisfação. Não deixando comerciais instilarem um senso de inadequação que nos faça achar necessárias coisas das quais realmente não precisamos. Conhecendo melhor nossos valores e visão de uma vida feliz, e os pondo em prática.

O Globo – Como mudanças pessoais podem fazer diferença?

Annie – Escolhas responsáveis, como consumir o necessário, cuidar do lixo e usar menos carro, nos fazem não só nos sentirmos melhor quanto inspiram outras pessoas a fazer o mesmo, a levar uma vida ambientalmente responsável. É claro, o impacto ambiental das indústrias é maior, mas nosso grande potencial de mudança é a chance de pressionar por novos padrões de produção e consumo. É preciso mudar a mentalidade das pessoas sobre o lixo e o desperdício, fazê-las associar isso a sua vida pessoal.

O Globo – Qual a melhor forma de educar as pessoas sobre meio ambiente?

Annie – Nossa economia, nossa saúde, nossas vidas dependem de termos um ambiente saudável, mas a educação ambiental por muitos anos tem sido segregada como uma área de estudo opcional. Precisamos mudar isso. A consciência de nosso papel no meio ambiente deve permear todas as áreas de educação, inclusive as profissionais, como medicina ou negócios. Afinal, não existirão negócios, hospitais e produtos num planeta morto.

O Globo – Como podemos conciliar nossa necessidade de coisas como computadores, geladeiras etc. com o impacto ambiental que causam?

Annie – Eu não estou dizendo que devemos nos desapegar de tudo. O que eu digo é que os bens de consumo precisam ser saudáveis e seguros para o planeta, para quem os produz e para nós mesmos. Por exemplo, hoje os telefones celulares têm metais tóxicos. E também não duram nada. Somos estimulados a comprar sempre modelos novos, em campanhas publicitárias milionárias, que estigmatizam os aparelhos mais antigos. O ideal é que os aparelhos durassem mais, pudessem ser atualizados e utilizassem tecnologias que facilitassem a reciclagem. Hoje, nos EUA, o tempo de vida útil médio de um celular é de apenas um ano. Se considerarmos a quantidade de energia e os materiais necessários para produzir um celular, uma vida útil tão curta é uma verdadeira tragédia. Eu não sou contra ter coisas. Eu apenas defendo um consumo mais responsável. Defendo que as coisas sejam mais duráveis e possam ser recicladas.

O Globo – O que você faz para reduzir seu consumo, reutilizar produtos e proteger os recursos naturais?

Annie – Eu compro menos coisas novas. Em parte porque eu levo muito a sério a responsabilidade ecológica e também porque eu não quero a minha casa entulhada de coisas. Há aparelhos, como impressoras, por exemplo, que podem ser compartilhados com amigos. Poderíamos compartilhar mais certos aparelhos e mesmo carros. DVDs, livros, tudo isso pode ser compartilhado e trocado entre amigos.

O Globo – A publicidade tem um grande impacto em nossa vida. Como podemos lidar melhor com isso?

Annie – Eu tenho recebido muitos e-mails do Brasil que expressam exatamente preocupação com isso. Muitos anúncios fomentam uma sensação de ansiedade ou inadequação se você não tem um determinado produto. Todos os dias ouvimos que nosso cabelo e nosso corpo poderiam melhorar com esse ou aquele produto; que não temos um bom carro ou celular. Temos mais coisas do que qualquer geração antes da nossa e nem por isso somos mais felizes. Na verdade, somos mais infelizes do que as gerações que nos antecederam. Por isso, é prioritário limitar a publicidade para crianças, só estimula uma sensação permanente de insatisfação. Também deveria haver leis mais rígidas em relação à honestidade da informação que é veiculada. Precisamos encorajar o pensamento crítico sobre a publicidade. Ter coisas demais não aumenta nossa qualidade de vida.

O Globo – Como podemos passar de uma cultura acostumada a jogar coisas fora a outra de lixo zero, que valorize produtos não-tóxicos?

Annie – Não existe uma receita mágica. A solução está em várias frentes simultâneas. Numa delas podemos recompensar cidades e indústrias que reduzam o lixo e implementem taxas para grandes poluidores. Na frente tecnológica é importante desenvolver produtos com menos uso de materiais, que sejam mais duráveis e facilitem a reciclagem. Na frente cultural, estimular valores que não sejam baseados no consumo excessivo, investir em centros comunitários que compartilhem cultura. Na frente econômica, é preciso parar de favorecer indústrias poluidoras e incentivar a sustentabilidade. Há muitas estratégias e desafios. Mas muitos problemas ecológicos não são realmente difíceis de resolver. Já existem boas tecnologias e informação para fazer as coisas mudarem. A falta de ação é indesculpável.

O Globo – O materialismo realmente nos faz infelizes?

Annie – A despeito de todas as que pregam que consumir mais coisas nos torna mais felizes, um crescente número de pesquisas tem mostrado o contrário. Uma orientação de vida altamente materialista só aumenta a insegurança e a ansiedade. Eu não estou dizendo que comprar um produto novo nunca nos faz felizes. Mas à medida que consumimos mais, a satisfação vai diminuindo. Nosso primeiro ou segundo casaco certamente tiveram um impacto maior do que o 12 ou 13. Além disso, também nos preocupamos com os gastos. Obviamente, todas essas considerações só valem para quem pode consumir. Claro que pessoas que lutam para comprar comida a cada dia ficam muito felizes quando podem comprar alguma coisa. Mas quando falo de consumismo, estou me referindo a quem já tem o suficiente.

O Globo – Nossa sociedade está mesmo passando por um momento de mudança de paradigma? Como a economia global pode se adaptar?

Annie – Há ainda milhões e milhões de pessoas no mundo que vivem na pobreza, que vão dormir com fome e que precisam de bens materiais básicos de saúde e educação. Para essas pessoas, é importante, essencial. Mas também há milhões de pessoas que têm mais do que realmente precisam. Essas pessoas associam status, felicidade e segurança à quantidade de bens que possuem. Felizmente, eu percebo que muita gente começa a pensar de forma diferente. Muitas pessoas começam a se sentir sufocadas no meio de um oceano de coisas. Nossas casas estão cheias. Nossas garagens estão lotadas. Passamos nosso tempo livre comprando, arrumando as muitas coisas que compramos. Temos mais coisas, porém, menos amigos do que as gerações anteriores. Estamos nos tornando socialmente isolados e solitários. Por isso, muita gente começa a perceber que as coisas mais importantes na nossa vida não são coisas materiais. Temos um excesso de coisas e um déficit do que realmente importa: tempo para lazer, para vida em comunidade, senso de significado em nossas vidas. Pessoas de todos os países ricos do mundo começam a reconsiderar suas prioridades, aprender a como viver melhor com menos, e a construir redes de compartilhamento de coisas. Você facilita o acesso a uma série de produtos que precisa apenas por parte do tempo, como cortadores de grama, copiadoras, e não precisa mais ser consumido pelo excesso. Já vemos mudanças na economia em busca de um novo modelo. Negócios baseados em aluguel de carros, DVDs e mesmo vestidos caros começam a florescer em toda parte. Para esse tipo de negócio, que são uma forma de inovação, há muitas oportunidades. E é um caminho de sucesso que não está baseado na destruição dos recursos do planeta. Eu sei que existe um longo caminho para uma economia global sustentável. Há desafios. Mas esses desafios não são nada se comparados com o desastre que nos espera se tentarmos continuar com o modelo atual indefinidamente. A questão não é se a economia irá se adaptar. Mas como ela fará isso. Simplesmente não podemos manter para sempre nosso ritmo de consumo atual. Vamos mudar por vontade própria e estratégia ou devido a um desastre. Eu prefiro que mudemos por estratégia e acho que já começamos!

Fonte – Ana Lucia Azevedo, Agência O Globo de de 10 de janeiro de 2012

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