Por Jean Silva* - Jornal da USP - 1 de novembro de 2024 - Tucuruvi,…
Ao deixar CTNBio, especialista expõe esquemas na liberação de transgênicos
Ativistas protestam contra liberação de novos transgênicos em uma das reuniões da CTNBio realizadas em 2015
Entre as críticas do ex-integrante ao órgão nacional de biossegurança, estão desrespeito às leis e ao interesse público e defesa intransigente das demandas da indústria de transgênicos e agrotóxicos
Desrespeito à Declaração Universal dos Direitos Humanos, à Constituição Federal, aos direitos dos consumidores, a tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário e até mesmo a normas internas durante processos de liberação de transgênicos no Brasil, além de conflitos de interesses. Essas são as principais críticas à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) feitas pelo especialista em agricultura familiar Antônio Andrioli.
Na tarde de do dia cinco de outubro, quando chegou ao final o seu terceiro mandato consecutivo como representante titular do setor, ele leu uma carta de quatro páginas em que faz uma série de reflexões sobre o modelo de atuação do órgão criado para assessorar o governo federal na decisão de questões relacionadas ao um tema tão complexo – os organismos geneticamente modificados (OGM) – e que acabou se tornando um “balcão de negócios”.
O especialista destacou que a liberação de transgênicos no país é uma realidade distante da imaginação da sociedade, e que não há avaliação responsável sobre os riscos relacionados a esses eventos.
Ele também critica o que chama de “irresponsabilidade organizada” de cientistas “acríticos”, que desprezam a opinião da ampla maioria da sociedade, que, diante das dúvidas que têm, geralmente se posiciona contra essas biotecnologias.
Ilegitimidade
Andrioli chama a atenção para a falta de legitimidade dos integrantes da CTNBio para tomar decisões graves, como liberar transgênicos na ausência de pesquisas conclusivas sobre a segurança à saúde e ao meio ambiente.
Conflito de interesses
Em entrevista à RBA, Andrioli afirmou que durante os seis anos em que foi integrantes da CTNBio constatou a falta de ambiente para discussão científica. “No âmbito da comissão não há espaço para a divergência e as críticas, que não são bem vindas”. De acordo com ele, o “resultado das votações” é pré-definido com a escolha cuidadosa e tendenciosa dos membros com perfil favorável às liberações de transgênicos no meio ambiente.
Além disso, segundo ele, há uma “pressa desnecessária” em encaminhar os processos para votação, reduzindo assim o tempo para os debates sobre impactos e riscos. “Apesar de eventuais, essas discussões não influenciam e nem alteram o resultado das votações.”
“Em seis anos de participação nessa comissão, nunca fui designado relator de processo de liberação comercial. Mas supondo que prevalecesse a lógica do sorteio, não seria provável tanta falta de sorte da minha parte”, disse.
Ele destacou ter relatado processos de liberação comercial somente quando recorreu a um recurso regimental – o pedido de vistas – e assim conseguiu participar do debate. Porém, havia pouco tempo para a leitura dos pareceres e faltava disposição dos demais membros para os argumentos divergentes.
Doutor em Ciências Econômicas e Sociais pela Universidade de Osnabrück, na Alemanha, e pós-doutorado pela Universidade Johannes Kepler, de Linz, na Áustria, Antônio Andrioli é professor do mestrado em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), campus Laranjeiras do Sul (PR), na qual é vice-reitor. Nomeado para o primeiro mandato em 3 de novembro de 2011, ele conta que sempre se sentiu rejeitado na CTNBio. Conforme acredita, uma das razões seria o fato de estar entre os organizadores do livro Transgênicos: as sementes do mal.
“Um dos membros chegou a dizer que eu estaria sendo financiado pelo Greenpeace e pelo príncipe Charles, por ter atuado durante sete anos na Europa antes de ingressar na CTNBio”, lembra.
Em 2009, ele denunciou o governo brasileiro à Comissão de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, por causa do assassinato de um sem-terra no parque Nacional do Iguaçu. Andrioli também ficou conhecido por ter participado do documentário alemão Verdade Comprada: a transgenia no campo magnético do dinheiro. Dirigido pelo cineasta alemão Bertram Verhaag, a obra conta a história da perseguição a cientistas que pesquisam transgênicos.
Ameaças
“Fui ameaçado, agredido, tive meu currículo vasculhado várias vezes e cheguei a receber correspondência oficial do CNPq exigindo que eu provasse a existência dos mais de 50 artigos que publiquei em alemão, conforme meu currículo Lattes. Consegui atender ao prazo apertado por meio de contatos contatos com revistas e instituições na Alemanha e na Áustria e à disponibilidade eletrônica da maioria dos artigos.”
Voto contrário à liberação de biotecnologias justamente pela falta de pesquisas que demonstrem a segurança à saúde e meio ambiente, como os mosquitos transgênicos da Oxitec, entre outros, Andrioli relata também manobras dentro da comissão para impedi-lo de participar das votações. Em 2013, no início do segundo mandato, estavam em análise plantas tolerantes ao herbicida 2,4-D da Dow Agroscience. O grupo contrário a essas possíveis liberações, do qual ele fazia parte, levou o caso ao Ministério Público Federal (MPF).
Em represália, ele teve seu nome colocado fora da pauta de votação da soja resistente ao herbicida 2,4-D e ao herbicida glufosinato de amônio, que fazia parte do pacote. Andrioli era o único que podia pedir vistas do processo, uma vez que outros integrantes, José Maria Ferraz e Leonardo Melgarejo, eram relatores. “Atrasaram minha nomeação para facilitar o andamento do processo. Isso causou o maior alvoroço, porque não aceitei a condição de ser apenas convidado e passei a usar a palavra que me foi retirada”, conta.
Indicado pelo então Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Andrioli só conseguiu viajar a Brasília porque o gabinete da pasta providenciou as passagens aéreas – o que foi negado pela secretaria executiva da CTNBio, que alegava que o mandato havia expirado. “A estratégia não deu certo. Saí da reunião e fui direto procurar o ministro do MDA, que colocou como condição para restabelecimento do entendimento com o então Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) a retirada daquela matéria da pauta. Com isso, foi possível obter mais tempo para o debate sobre o processo de liberação, que só aconteceu anos mais tarde”, disse.
Presidida pelo agrônomo Edivaldo Domingues Velini, a CTNBio vem sendo questionada por procuradores da Câmara de Meio Ambiente do Ministério Público Federal (MPF), que querem mais objetividade, transparência e conduta ética da comissão, para que interesses públicos e particulares dos integrantes não tragam prejuízo à sociedade brasileira. Na reunião desta quinta-feira, foram anunciadas mudanças nas regras relativas à aprovação de transgênicos. O direito de abstenção foi abolido, ficando os integrantes obrigados a manifestar seus votos favoráveis ou contrários.
Em resposta ao pedido de entrevista para esclarecer esses e outros pontos com o presidente do órgão, a assessoria de imprensa da CTNBio foi lacônica: se limitou a informar que Andrioli teve seu mandato encerrado, procedimento que ocorreu de forma democrática, inclusive com tempo necessário para pronunciamento deste no âmbito da comissão. E que as mudanças no seu regimento interno devem ser propostas pela própria comissão e aprovadas pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações.
“O processo de revisão do regimento encontra-se em andamento há dois anos, com o atendimento de todos os requisitos legais e garantia de participação democrática dos membros. Ele será encerrado quando for possível construir consenso sobre várias questões. Como trata-se de uma norma extensa e complexa, que deve atender aos regramentos legais vigentes no país, a revisão está sendo feita com o devido cuidado e ampla transparência”.
Fonte – Cida de Oliveira, RBA de 06 de outubro de 2017
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