Por Ellen Nemitz · ECO - 18 de dezembro de 2024 - Câmara ressuscitou “jabutis” da…
Apicultor, o sentinela do meio ambiente
Uma das profissões mais polivalentes do mundo é a do apicultor, senão, vejamos: numa assembleia de apicultores certamente encontraremos, independentemente do sexo, professores, religiosos, militares, engenheiros, veterinários, biólogos, médicos, dentistas, filósofos, estudantes, comerciantes, industriais, artistas, economistas, cientistas, neófitos, etc. – a lista estende-se -, além dos puramente apicultores e meliponicultores. Todos certamente seduzidos pelas belezas da natureza e apaixonados pelo meio ambiente, daí a razão de serem apicultores e meliponicultores: todos arrebatados de admiração e amor pelas abelhas.
Quanto aos interesses e objetivos de cada um, podemos dizer que são tão diversos quanto surpreendentes. Para além do encantamento de criar abelhas, vivenciado por todos, há aqueles que promovem e vivem do comércio dos extraordinários produtos das abelhas (mel, cera, geleia real, própolis, veneno, rainhas, enxames), há também quem as estuda e publica conhecimentos sobre sua biologia, comportamento, etc., há ainda quem se dedica a usar as colmeias como material didático ímpar na sensibilização e aproximação do ser humano de sua própria natureza, mobilizando as pessoas para o bem comum, observando as abelhas como modelo ou exemplo de organização social bem sucedida; e entre muitos outros amantes e criadores das abelhas, há aqueles que simplesmente se dedicam ao cuidado das abelhas como um passatempo, forma de relaxamento, desestresse ou possibilidade de reconexão com a mãe natureza.
A observação e descrição do comportamento das abelhas já conferiu o maior e mais importante prêmio almejado por um cientista, o Prêmio Nobel. Referimo-nos ao Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia atribuído em 1973 ao cientista austríaco Karl von Frisch, por 50 anos de estudos dedicados a desvendar a linguagem das abelhas, ou seja, à dança das abelhas como forma de comunicação.
O amor ou dedicação dos homens às abelhas é milenar. Há referências na literatura e nas artes, bem como em documentação histórica, artefatos e até joias, expostos em importantes museus do mundo, que comprovam a relação harmoniosa entre homens e abelhas desde as mais antigas civilizações. Estudos de hieróglifos da civilização egípcias e também de elementos da civilização grega clássica, entre 500 e 300 AEC, comprovam o reconhecimento das abelhas como um símbolo de bem-estar, saúde e riqueza. A arquitetura europeia também é reveladora do uso de colmeias na cumeeira da porta de entrada de residências e edifícios públicos, como demonstração da admiração do homem pela sociedade das abelhas.
Exemplos mais recentes na História também podem ser flagrados; grandes líderes da humanidade também elegeram as abelhas como símbolo. Ostentavam-nas em suas bandeiras e escudos como modelo de organização social, para demonstrar publicamente a seus seguidores seus princípios e filosofias de vida. Como exemplo, podemos lembrar o líder religioso, Papa Urbano VIII, que no ano 1623, ao se tornar Papa, escolheu para seu brasão as abelhas. Pode-se ainda hoje apreciar no Vaticano, ao adentrar a nave principal da Basílica de São Pedro, as esculturas de abelhas que adornam a base das quatro colunas e as bandeirolas pendentes no altar principal, utilizado apenas para os serviços religiosos dos papas. Já no século XIX, Napoleão Bonaparte, líder político e militar francês, mandou que incluíssem abelhas em seu brasão militar, e ao se coroar imperador da França, em 1804, vestia um manto imperial bordado com abelhas, entre muitos outros exemplos da importância dada pelos homens às abelhas.
Não existe ser vivo com atuação mais importante na preservação da biodiversidade. Inúmeras espécies vegetais e, consequentemente, de animais, dependem do serviço de polinização realizado pelas abelhas. Essa sua função, garantidora da reprodução vegetal, torna as abelhas as principais responsáveis pela existência de plantas com flores e frutos (Angiospermas) em áreas verdes, matas e florestas de nosso planeta. Sua presença é, portanto, decisiva para que essas áreas continuem proporcionando alimento e boa parte do oxigênio que respiramos.
Assim, para além do saboroso mel, que nos adoça a vida, e demais produtos apícolas, como a cera, a geleia real, a própolis, etc., – todos extremamente importantes para o homem -, cumpre explicitarmos que 70% das culturas agrícolas dependem do serviço de polinização, e as abelhas são os principais representantes, entre os insetos que realizam essa tarefa na natureza. Lamentavelmente, porém, a despeito de todas as benesses graciosamente oferecidas ao homem, as industriosas abelhas estão desaparecendo da face da terra.
As causas do desaparecimento de abelhas e de outros polinizadores no planeta são várias. Há que se considerar diversos fatores e até mesmo a possibilidade de uma ação conjunta, cabendo citar o desmatamento, o uso inadequado do solo com monoculturas, as variações climáticas e o uso de pesticidas entre os principais fatores responsáveis pelo declínio de polinizadores. No que concerne especificamente às abelhas no Brasil, seu desaparecimento pode ser atribuído, sobretudo, ao largo e alarmante uso de agrotóxicos. O Brasil, além de ostentar a má reputação como campeão mundial no uso de agrotóxicos nas lavouras, o faz com o uso indiscriminado de pesticidas sistêmicos, altamente tóxicos às abelhas. Os neonicotinoides estão entre os principais causadores da morte massiva de abelhas.
As notícias de redução das populações de insetos polinizadores e suas possíveis consequências têm sido amplamente divulgadas na mídia nacional e internacional. Sabe-se hoje que o declínio dos polinizadores coloca em risco a produção mundial de alimentos, ou seja, a segurança alimentar dos seres humanos. A gravidade do tema, recentemente discutido e rediscutido na Europa e nos Estados Unidos, motivou, em 2015, o Presidente Barak Obama a determinar uma força-tarefa especial de seu governo em prol da preservação das abelhas. E dada a relevância da questão, a ONU incluiu o tema do declínio dos polinizadores em reunião na Malásia, em fevereiro último, o que resultou em importantes recomendações a todos os países-membros sobre os cuidados especiais em defesa e proteção dos polinizadores.
Não obstante a essas recentes iniciativas, a falta de polinizadores já é uma realidade de nossos dias, fato que pode ser comprovado por reportagem de Casey Williams, divulgada em 21/5/2016, no Huffington Post da Austrália, sobre uma comunidade na China, em Hanyuan, Província de Sichuan, cuja população rural, após ter sua população de abelhas dizimada pelo efeito letal do uso indiscriminado de pesticidas ao longo de muitos anos, já vem realizando a polinização de árvores frutíferas com as próprias mãos. A cena de agricultores chineses, pendurados em árvores, realizando o papel das abelhas na polinização de flores de peras, preocupa-nos sobremaneira: Seriam os seres humanos capazes mesmo de polinizar todas as flores de todas as árvores e de todos os campos agrícolas, valendo-se tão somente do esforço individual e pinceis?
A existência de “homens-abelha” na China é um sinal sensível dos tempos, e a notícia que vem da China deve servir de alerta para todo o mundo, pois espelha a realidade futura a ser enfrentada por todos os países com vocação agrícola. E não há tempo para desalento, é preciso reagir prontamente ao aviso.
Aos cerca de 300 mil apicultores e meliponicultores no Brasil, que fazem de nosso país uma das grandes potências apícolas mundiais, caberá a missão de se unirem pelas abelhas! No papel de amantes, cuidadores e defensores das abelhas, cumpre-lhes não apenas a tarefa de proteger as abelhas, mas também a de compartilhar a consciência que já têm sobre a importância destes insetos para o homem e o meio ambiente. Reavivam-se nesse momento as palavras do Sr. Gilles Ratia, ex-Presidente da Apimondia: são eles, os apicultores, verdadeiramente, os nossos grandes SENTINELAS DO MEIO AMBIENTE. Aos apicultores, nossos sinceros cumprimentos pelo Dia do Apicultor.
Prof. Dr. Lionel Segui Gonçalves é prof. titular aposentado pela USP/RP, geneticista e pesquisador sobre abelhas, professor visitante da UFERSA -Mossoró/RN, e fundador da ONG “Bee or not to be” que lidera a campanha “Sem Abelha, Sem Alimento”.
Profa. Dra. Katia Peres Gramacho é doutora em Ciências pela USP/RP com Pós-Doutorado na University of Minnesota (USA). É professora titular e colaboradora do programa de Pós Graduação em Saúde e Ambiente-UNIT, e professora em apicultura na UFERSA – Mossoró/RN. Membro da Comissão Técnica Científica da Confederação Brasileira de Apicultura (CBA).
Texto em homenagem ao dia 22 de maio, dia nacional do apicultor.
Fonte – Lionel Segui Gonçalves e Kátia Gramacho, Sem Abelha sem Alimento de maio de 2016
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