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Aquecimento eleva risco de desertificação no Nordeste

Comunidade recupera nascente no alto sertão de Sergipe; lama foi retirada e agora minam 145 litros de água/hora Foto: PAULO DE ARAÚJO/MMA

Áreas ameaçadas de sofrer com seca extrema podem alcançar metade da região se temperatura do planeta subir 4°C, aponta estudo

Os sete anos consecutivos de seca no Nordeste do País são um recorde desde que o volume de chuvas na região começou a ser medido, em 1850. Cerca de 1.100 municípios foram afetados, atingindo mais de 20 milhões de pessoas. Inédito nos registros históricos, esse cenário pode se tornar cada vez mais comum no futuro se não for possível conter o aquecimento global.

O alerta será feito nesta quinta-feira, 20, por um grupo de pesquisadores brasileiros, liderado por José Marengo, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), que estimou os impactos das mudanças climáticas no Nordeste até o final do século.

Num pior cenário, em que o mundo não consiga cumprir o Acordo de Paris – que estabelece esforços de todos os países para conter o aumento da temperatura a menos de 2°C até o final do século –, e o aquecimento passe de 4°C, pode ocorrer uma tendência acentuada de aridização da região.

Com o clima mais quente, a área em condições de seca extrema pode alcançar metade da região. “No pior ano de seca do período recente, em 2012, a área que ficou em condição de seca extrema foi de cerca de 2%. Até o final do século, em um cenário de 4°C, 51% poderiam ser afetados por essas secas extremas”, disse ao Estado o climatologista Carlos Nobre, um dos autores do estudo.

Nesse processo, regiões hoje cobertas por vegetação típica do Cerrado, como se observa em parte do Maranhão, do Piauí e da Bahia, podem se tornar Caatinga. E até mesmo áreas de Mata Atlântica poderiam se transformar em semiáridas. De acordo com os autores, secas hoje consideradas intensas seriam a norma já na segunda metade do século. “Se não tivermos sucesso com o Acordo de Paris, podemos ver uma expansão da região semiárida, com alguns locais sujeitos a secas muita intensas”, complementa Nobre.

Os dados do trabalho, que ainda não foi publicado, serão apresentados em evento no Ministério do Meio Ambiente que vai reativar a Comissão Nacional de Combate à Desertificação, responsável por promover a Política Nacional de Combate à Desertificação.

A pesquisa avalia ainda os impactos sobre o processo de desertificação, que já ocorre na região independentemente das mudanças climáticas, e tem a ver com a retirada da vegetação nativa – a Caatinga. Sem ela, o solo fica exposto e sujeito a erosões quando vem a chuva.

“Isso tira a camada superior e resta somente um solo rico em metais. E aí pode chover o quanto for, que a vegetação não volta. Com as mudanças climáticas, essas condições para a desertificação podem aumentar”, diz o pesquisador.

“Nossas pesquisas ainda não conseguem dizer se esses sete anos secos consecutivos, três deles com secas severas (2012, 2013 e 2016), teriam ocorrido se o planeta não estivesse aquecendo. Não conseguimos fazer essa atribuição de causa. Se a probabilidade de ocorrência seria menor”, pondera Nobre.

“Mas mesmo não tendo essa resposta, vermos a sete anos com chuvas abaixo da média é o que vamos ver no clima do futuro. É o que podemos esperar se o Acordo de Paris não for cumprido.”

Recuperação

Para o combate do processo de desertificação, o ministério deu início no começo do ano a um projeto de implementação das chamadas Unidades de Recuperação de Áreas Degradadas (Urads). Os resultados também serão apresentados nesta quinta.

“Antes das mudanças climáticas, vamos acabar expulsos daqui por causa da degradação do solo. Os efeitos da desertificação já são deletérios”, comenta Valdemar Rodrigues, diretor do Departamento de Desenvolvimento Rural Sustentável e de Combate à Desertificação do MMA.

Pensando nisso, ele elaborou um plano, executado em parceria com ONGs locais,de recuperar a vegetação e nascentes, criar mecanismos de adaptação e oferecer uma alternativa econômica para as comunidades que vivem em áreas em vias de desertificação. De acordo com a pasta, 15% do território nacional, onde vivem 37 milhões de pessoas, enfrenta esse fenômeno.

Segundo Rodrigues, hoje há 12 Urads em andamentos em seis Estados (MA, PI, CE, PE, BA e SE). Cada uma envolve 30 famílias. Até o momento foram investidos R$ 4,5 milhões.

O projeto inicial foi feito no Sergipe. No assentamento Florestan Fernandes, em Canindé de São Francisco, no alto sertão do Estado, por exemplo, os moradores conseguiram recuperar uma nascente.

Toda a lama que passou a entupir a nascente ao longo dos anos de erosão foi retirada e hoje minam do local 145 litros de água por hora. “Estamos rompendo a dependência de carro-pipa”, diz Rodrigues.

Para evitar que o assoreamento ocorra novamente, os moradores constroem barragens e cordões de pedra ao redor das nascentes. Assim, impedem que o barro e outros detritos sejam carregados com a chuva.

Paralelamente, foram adotadas ações de melhorias sociais – como a construção de cisternas, fogões ecológicos e fossas sépticas – e das práticas agrícolas, com a implementação de integração lavoura-pecuária-floresta. A desertificação é em boa parte resultado de atividades inadequadas, que não conservam o solo ou a água.

“Na Caatinga, quando se perde o solo, é praticamente impossível de recuperar. Então criamos as condições para a vegetação renascer e recuperar esse solo”, afirma.

Segundo ele, o plano é trabalhar para que a Presidência edite um decreto até o final do ano com um plano para, até 2030, implantar 10 mil Urads no Nordeste.

Fonte – Giovana Girardi, O Estado de S. Paulo de 20 de setembro de 2018

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