Por Jean Silva* - Jornal da USP - 1 de novembro de 2024 - Tucuruvi,…
Aquecimento global já altera comportamento das nuvens
Deslocamento de nuvens globais foi estudado pela Universidade da Califórnia em San Diego – Nasa Goddard Space Flight Center
Imagens de satélite exibem aumento da absorção de energia solar
As mudanças climáticas estão provocando um deslocamento das nuvens para os polos, expondo a zona tropical e subtropical do planeta à radiação solar e à desertificação. O alerta é de um estudo publicado ontem na revista “Nature” por pesquisadores da Universidade da Califórnia em San Diego, nos EUA.
O levantamento, realizado entre 1983 e 2009, traz novos esclarecimentos sobre o ainda pouco conhecido papel das nuvens no aquecimento global. Sabe-se que elas funcionam como um “agente duplo” — podem diminuir a temperatura do planeta, uma vez que bloqueiam a entrada da radiação solar, ou elevar os termômetros, porque impedem a emissão de gases de efeito estufa para a atmosfera. No entanto, fatores como a mudança da órbita de satélites e a degradação de sensores impediam um monitoramento constante da nebulosidade.
Autor chefe do estudo, o climatologista Joel Norris corrigiu as imprecisões dos dados obtidos ao longo de quase três décadas. As imagens coletadas com a Nasa mostram que, entre as regiões com maior perda de nuvens, as que mais sofrem com a desertificação são o Norte da África, o Sul dos EUA e o Centro da Austrália.
— O estudo é a primeira demonstração crível de que as mudanças das nuvens estão de acordo com os modelos climáticos. Uma pequena alteração na nebulosidade pode ter um grande impacto sobre a radiação na Terra — ressalta. — As áreas mais afetadas estão nas zonas tropical e subtropical. Quando há menos nuvens, ocorre um aumento da temperatura da superfície e da evaporação, agravando as secas.
Outro destaque do estudo é o aumento da altitude das nuvens nos polos. Quando são mais verticais, elas tendem a emitir menos radiação infravermelha para o espaço. O planeta, além disso, teria mais dificuldade em se livrar dos gases de efeito estufa. Estas nuvens também podem facilitar o desenvolvimento de tempestades severas.
Efeito dos vulcões
De acordo com Norris, a tendência é que o movimento das nuvens seja cada vez mais frequente, a menos que haja uma atividade vulcânica significativa. Dois exemplos são mencionados. Os vulcões de El Chichón, no México, em 1982, e do Monte Pinatubo, nas Filipinas, em 1991, resfriaram o planeta por até três anos.
Coautor do primeiro relatório do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), Alexandre Araújo Costa lembra que as partículas de sulfato emitidas nas erupções bloqueiam a radiação solar.
— Parte destas partículas são injetadas diretamente na estratosfera, onde mantêm residência por um grande tempo — explica Costa, professor da Universidade Estadual do Ceará. — As partículas, na maior parte das vezes, refletem a luz solar, por isso reduzem a quantidade de energia que chega à superfície. Então, as explosões vulcânicas levam a um resfriamento de até vários décimos de grau Celsius em todo o planeta, que perdura por meses até poucos anos.
A eficiência demonstrada pelas partículas de sulfato no bloqueio à radiação solar é tanta que há projetos de geoengenharia empenhados na construção de um escudo, que seria colocado na atmosfera, com este material.
As pesquisas sobre a nebulosidade, porém, estão longe do ponto final. Norris identificou mudanças nos padrões de nuvens, mas não mediu ou quantificou estas mudanças, seja globalmente ou em regiões específicas. Sem esses relatos, é difícil prever como as mudanças nos padrões de nuvem podem afetar a frequência de furacões no Oceano Atlântico, entre outros eventos climáticos. Alguns críticos também avaliam que o levantamento foi realizado em um período muito curto, e por isso não seria um instrumento tão confiável para diagnosticar a relação entre nebulosidade e o aquecimento global.
Outra deficiência seria a falta de estudos sobre um tipo de nuvem considerada fundamental para discutir o que ocorrerá com os termômetros nas próximas décadas: aquelas que estão mais baixas sobre oceanos nas zonas tropicais, e que podem se dissipar conforme a temperatura aumenta. A equipe de Norris agora pretende se debruçar sobre a distinção dos efeitos causados por gases-estufa e vulcões sobre o movimento das nuvens.
Andrea Santos, secretária-executiva do PBMC, assinala que o estudo trouxe resultados parecidos aos projetados por cientistas nas últimos anos, mas o aumento da temperatura global testará os fenômenos descritos por Norris.
— As nuvens refletem e absorvem calor, mas ainda não sabemos como será esta dinâmica em um planeta mais quente — avalia Andrea, que também é gerente de projetos do Fundo Verde da UFRJ. — Diversos componentes devem ser acompanhados, como as variações naturais da energia solar, a presença de gases de efeito estufa e os tipos de nuvens.
Fonte – Renato Grandelle, O Globo de 11 de julho de 2016
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