Por Ellen Nemitz · ECO - 18 de dezembro de 2024 - Câmara ressuscitou “jabutis” da…
Aquecimento global pode criar “refugiados climáticos” nos EUA
O aumento das temperaturas poderá provocar enormes modificações populacionais nos Estados Unidos
Os alasquianos devem ficar no Alasca. Os moradores do meio-oeste e do noroeste-Pacífico dos Estados Unidos, também. Os cientistas que tentam prever as consequências da mudança climática dizem que veem poucos portos seguros para as tempestades, enchentes e secas que certamente se intensificarão nas próximas décadas. Mas algumas regiões dos EUA se sairão melhor que outras, acrescentam eles.
Esqueçam a maior parte da Califórnia e o sudoeste dos EUA (seca e incêndios). O mesmo vale para uma boa extensão da costa leste e do sudeste (ondas de calor, furacões, aumento do nível do mar). Washington, a capital, por exemplo, também poderá ser uma zona de enchentes até 2100, segundo uma estimativa divulgada na semana passada.
Mas considere Anchorage (Alasca). Ou mesmo, talvez, Detroit (Michigan).
“Se você não gosta de calor e não quer ser atingido por um furacão, as opções de aonde deve ir são muito limitadas”, disse Camilo Mora, um professor de geografia na Universidade do Havaí e principal autor de um trabalho publicado na revista Nature no ano passado, que prevê que as altas temperaturas inéditas serão a norma em todo o mundo até 2047. “O melhor lugar é realmente o Alasca”, acrescentou ele. “O Alasca será a próxima Flórida no final deste século.”
Sob qualquer modelo de mudança climática, dizem os cientistas, a maior parte dos EUA terá um aspecto e uma sensação drasticamente diferentes em 2050, 2100 e depois, enquanto as cidades e os estados tentarão se adaptar e planejar antecipadamente. Os estados da planície setentrional poderão ser bastante agradáveis (embora úmidos) para as futuras gerações, assim como muitos estados vizinhos. Hoje poucas pessoas se deslocam longas distâncias em preparação para a mudança climática, mas algumas pelo menos avaliam para onde devem ir.
“A resposta é o noroeste-Pacífico, especialmente a oeste das [montanhas] Cascades”, disse Ben Strauss, vice-presidente de impactos climáticos e diretor do programa sobre elevação do nível do mar na Climate Central, uma colaboração de pesquisa entre cientistas e jornalistas. “Atualmente, a faixa de terra litorânea que vai do Canadá até a área da baía de San Francisco é provavelmente a melhor”, acrescentou. “Você vê muito menos calor extremo; é o único lugar no oeste onde não há uma verdadeira expectativa de grande estresse hídrico, e enquanto o nível do mar subirá lá, como em todo lugar, a terra se ergue abruptamente do oceano, por isso é um fator relativamente pequeno.”
Clifford F. Mass, professor de ciência atmosférica na Universidade de Washington, escreve um blog climático popular em que ele prevê que o noroeste-Pacífico será um “potencial refúgio climático” com o avanço do aquecimento global. Morador de Seattle, Mass prevê que “migrantes da mudança climática” começarão a rumar para sua cidade, e para Portland, no Oregon, e as áreas ao redor. “O oceano Pacífico é nosso ar-condicionado natural”, disse Mass em uma entrevista por telefone. “Não temos umidade como na costa leste.” E quanto ao suprimento de água? “A água é importante, e nós a temos”, disse ele. “Para nós é uma situação bastante benigna – na verdade, um pouco de aquecimento poderá ser bem-vindo aqui.” O estado de Washington, segundo ele, já se prepara para ser o próximo vale do Nappa, conforme a região vinícola da Califórnia se aquecer e secar. “As pessoas estão enlouquecendo colocando vinhedos no leste de Washington neste momento”, disse Mass.
Poderá haver outros refúgios no leste. Não desconte as cidades elevadas no interior do país, como Minneapolis, Salt Lake City, Milwaukee e Detroit, disse Matthew E. Kahn, professor de economia ambiental na Universidade da Califórnia em Los Angeles. “Prevejo que haverá milhões de pessoas mudando-se para essas áreas”, disse ele.
Em seu livro Climatopolis, de 2010, Kahn prevê que quando as coisas ficarem muito ruins em qualquer local – não apenas as temperaturas e o clima extremo, mas também o custo dos seguros, etc. –, as pessoas se tornarão “refugiadas ambientais”, fugindo de Phoenix, Los Angeles e San Diego. Até 2100, escreve ele, Detroit será uma das cidades mais desejáveis dos Estados Unidos.
A afirmação foi uma surpresa para Rachel Burnside-Saltmarshall, ex-presidente da Associação de Corretores de Imóveis de Detroit. “Eu não entendi isso”, disse ela, acrescentando que havia preocupações municipais mais imediatas. “O crime, por exemplo – diga-me quando ele vai diminuir.”
Um relatório da United Van Lines que examina as tendências de relocação em 2013 descobriu que seus clientes estavam se mudando principalmente por motivos econômicos – um novo emprego, custos de vida mais baixos – ou considerações de qualidade de vida não relacionadas ao clima, como transporte público ou áreas verdes. Coincidentemente, o Oregon – previsto como um vencedor na mudança climática – ficou no topo da lista de destino de mudanças, seguido de Carolina do Sul, Carolina do Norte, Distrito de Colúmbia e Dakota do Sul. Os principais estados em origem de mudanças foram Nova Jersey, Illinois, Nova York, Virgínia Ocidental e Connecticut.
“O que vemos é que as pessoas estão na verdade se movendo no mau sentido”, disse Thomas C. Peterson, principal cientista do Centro Nacional de Dados Climáticos da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA). “Elas estão se mudando de lugares relativamente seguros no meio-oeste para a costa da Flórida, onde o risco está aumentando.”
Em maio, Miami foi indicada como uma das cidades mais vulneráveis dos EUA na Avaliação Nacional do Clima, o terceiro de uma série de relatórios federais sobre como o aquecimento global vai afetar todo o país. Na semana em que o relatório foi divulgado, os moradores de Miami Beach estavam andando com água pelos tornozelos em algumas de suas principais avenidas.
Conforme os níveis do mar aumentarem nas próximas décadas, disse Mass, “se houver um ponto zero onde você não deseja estar será a Flórida”. Outros lugares especialmente vulneráveis são as cidades de baixa altitude nas costas leste e do golfo do México, comentou ele.
Quanto à cidade de Nova York, a mais populosa do país, Mora projeta que 2047 será “o ano divisório da mudança climática” –, quando um clima que parece extraordinariamente quente e catastrófico pelos padrões atuais se tornará a norma. “As costas todas vão enfrentar temperaturas muito altas”, disse Mora. A capital, Washington, atingirá seu ponto crítico no mesmo ano, segundo esse modelo; Los Angeles tem até 2048; San Francisco, 2049 e Chicago, 2052. Detroit tem até 2051 e Anchorage, 2071.
Alguns peritos em clima estão otimistas de que as grandes cidades vão planejar, adaptar-se e evitar a catástrofe. “Nova York tem uma tal concentração de riqueza e ativos que eu espero que investiremos para defender a região do aumento do nível do mar e de enchentes, e já há um movimento nessa direção”, disse Strauss, da Climate Central, que vive na cidade de Nova York.
Mas mesmo nos lugares que deverão sair à frente a imagem não parece totalmente cor-de-rosa. “O verão em Minnesota deverá ser como o clima no norte de Oklahoma – as árvores e as florestas de lá, as plantações que os agricultores fazem”, disse Peterson, citando a Avaliação Nacional do Clima de 2009. “Você constrói casas de maneira diferente em Minnesota e em Oklahoma, você faz ferrovias de modo diferente.” De modo geral, disse Peterson, as mudanças serão altamente perturbadoras, especialmente ao longo do tempo. “Muitas vezes nós falamos sobre o clima de hoje até o final do século, porque é uma espécie de bom modelo”, disse ele, “mas não vai acabar lá – vai continuar mudando.”
Fonte – Jennifer A. Kingson, The Guardian / The Observer / Carta Capital de 01 de outubro de 2014
Imagem – itspaulkelly
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