Por Jean Silva* - Jornal da USP - 1 de novembro de 2024 - Tucuruvi,…
Ártico é ralo global de lixo plástico
Estudo detecta concentração de microplásticos no gelo marinho três vezes maior do que se imaginava; degelo e aumento de atividades humanas na região deve agravar o quadro
O polo Norte frequenta o imaginário das pessoas como um lugar selvagem, inóspito e inacessível. Pesquisadores alemães acabam de acrescentar mais um adjetivo a essa lista: emporcalhado por lixo plástico. Eles descobriram que o gelo marinho em todo o Ártico contém concentrações de microplásticos três vezes maiores do que se imaginava. E parte desse lixo está sendo cuspida de volta ao mar à medida que o gelo derrete por conta da mudança climática.
A lista é extensa: por ali existe PET de garrafas, polietileno e polipropileno de embalagens, EVA, PVC de origens diversas, acetato de celulose de bitucas de cigarro, poliéster de tecidos e muito, muito acrílico de verniz de navios e nylon de redes de pesca. Cada litro de gelo marinho contém 12 mil partículas microscópicas dos resíduos da nossa civilização industrial, que foram parar no oceano mais isolado da Terra.
A presença de plástico degradado no mar polar é conhecida pelo menos desde o começo da década. Este jornalista testemunhou uma das primeiras detecções de microplásticos em 2011 no mar de Barents, entre a Noruega e a Groenlândia, feita por uma pesquisadora britânica de carona num navio do Greenpeace. A dimensão do problema e o papel do oceano Ártico no “ciclo do plástico” oceânico, porém, permanecem desconhecidos. Um pouco menos agora.
Num estudo publicado nesta terça-feira (24) no periódico Nature Communications, o grupo de Ilka Peeken, do Instituto Alfred Wegener, sugere que o oceano Ártico é uma espécie de “ralo” para parte das 8 milhões de toneladas de plásticos que a humanidade despeja todo ano no mar. Os resíduos são levados das grandes cidades pelos rios e pelo esgoto até o oceano, e transportados por correntes marinhas até lugares como a Mancha de Lixo do Pacífico, uma região contaminada três vezes maior que a França.
No mar o plástico é degradado pela água e pela luz do sol e se quebra em pedacinhos muito, muito pequenos. É o chamado microplástico, que consiste em partículas com milésimos de milímetro de diâmetro e cujos efeitos sobre a biodiversidade marinha e a saúde das pessoas ainda não são conhecidos. Campanhas vêm sendo feitas nos últimos anos, especialmente na Europa, para banir o uso de plásticos descartáveis justamente por causa de seu impacto no mar.
Apesar da quantidade colossal de plástico que entra no oceano, os cientistas só conhecem o destino de 1% desse lixo. Pekken e colegas sugerem que parte dele está sendo empurrada para o Ártico e armazenada no gelo, ao menos por alguns anos.
Os pesquisadores coletaram amostras de gelo de cinco regiões diferentes do Ártico, em expedições do quebra-gelo alemão Polarstern entre 2014 e 2015. Elas foram comparadas a amostras coletadas em 2005 e 2010.
A quantidade, a variedade e a onipresença de microplásticos no gelo marinho sugere que o lixo está penetrando o polo Norte por meio de correntes no estreito de Bering, no setor do Pacífico, e no estreito de Fram, no setor do Atlântico. As primeiras podem estar carregando resíduos da Grande Mancha de Lixo do Pacífico diretamente para o domínio dos ursos polares.
“Ningém sabe ao certo quão danosas essas micropartículas são para a vida marinha ou, em última análise, para os seres humanos”, afirmou Pekken em comunicado do Instituto Alfred Wegener.
Depois de passar alguns anos estocado no gelo e circulando pelo Ártico, o microplástico é empurrado pelas correntes para o estreito de Fram, no leste da Groenlândia, para onde escoa boa parte do gelo marinho que derrete no verão. Com a aceleração do degelo, esse “reservatório” global de microplástico devolve o lixo ao mar cada vez mais rápido.
Mas não é só isso: analisando a concentração de partículas e seu tipo no setor atlântico do oceano Ártico, os cientistas também inferem que o aumento das atividades humanas na região – como pesca, transporte marítimo e exploração de óleo e gás –, que vêm sendo facilitadas nos últimos anos pelo degelo, também está contribuindo para a sujeira. “A alta concentração no gelo marinho não pode ser atribuída somente a fontes de fora do Oceano Ártico. Elas também apontam para poluição local”, diz a oceanógrafa.
Fonte – Claudio Angelo, Observatório do Clima de 24 de abril de 2018
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