Por Jean Silva* - Jornal da USP - 1 de novembro de 2024 - Tucuruvi,…
As abelhas e a Guerra Fria
Ilustración de SEÑOR SALME
Em períodos prévios à migração, as abelhas entram em acordo para escolher a melhor localização da nova colmeia
Estes insetos têm linguagem própria. São capazes de tomar decisões em forma de assembleia. Sabem como convencer a colmeia. E em certo momento da história fizeram parte do contexto de conflitos diplomáticos
Definir a inteligência é uma coisa difícil. O que é que nos torna seres humanos superiores a outros animais? Ser capaz de usar ferramentas? Muitos macacos usam paus para pegar formigas e comê-las. Ter uma linguagem e nos comunicarmos? Muitos animais fazem isso, e alguns, como os mamíferos marinhos, têm até idiomas e dialetos. Ser capaz de tomar decisões em um grupo de maneira conjunta e consensual? Somos os únicos que usam a democracia? Também não. Entre outras espécies, as laboriosas abelhas têm milhões de anos de vantagem sobre nós.
Embora Aristóteles já mencionasse no século IV a.C a dança das abelhas, foi o zoólogo alemão, e ganhador do Prêmio Nobel, Karl von Frisch (no século XX) quem descobriu que quando esse inseto encontrava flores com pólen era capaz de comunicar ao resto do enxame a posição onde estava. A informação é transmitida na forma de coreografia com um passo em ziguezague em uma determinada direção e de volta ao ponto inicial. O ângulo da direção da dança em relação ao sol representa o rumo que deve ser seguido para encontrar as flores, e o movimento do abdômen, a distância. Quanto mais rápido for esse movimento, mais distante estará a fonte de alimento. No interior de uma colmeia não há luz, então as operárias notam essa dança pelo tato e começam a copiá-la para transmitir a informação para o resto das abelhas.
“Em datas prévias à migração, as abejas entram em acordo para eleger a melhor localização da nova colmena”
Martin Lindauer, um discípulo de Karl von Frisch, observou que nos favos de vez em quando apareciam operárias dançando, mas não estavam sujas de pólen, como é natural em uma abelha que acaba de descobrir flores, mas de lama ou poeira. Ele constatou que essas eram o que ele chamou de abelhas exploradoras. Quando nasciam várias rainhas, sua missão era encontrar um novo local para a migração e formar uma nova colmeia. Sua localização é uma questão de vital importância. Se o local for muito quente ou frio, grande ou pequeno, ou se não tiver flores ao redor, a colônia morrerá de fome ou frio. Temos de ter em mente que as abelhas não hibernam e podem colonizar climas frios.
Lindauer e outros cientistas descobriram que, nos períodos prévios à migração, diferentes exploradoras estavam procurando incansavelmente locais para a nova colmeia. As principais variáveis eram o volume do buraco, a superfície da abertura e a orientação da entrada. Se o buraco é muito pequeno, a colônia não pode crescer o suficiente, mas, se for muito grande, será difícil manter a temperatura. Quanto à orientação, os experimentos foram realizados em zonas frias da Alemanha e dos Estados Unidos, por isso as abelhas procuravam entradas voltadas para o Sul, para ter mais horas de sol e evitar que a entrada congelasse. Podia acontecer de várias exploradoras descobrirem locais muito bons. Nessas circunstâncias, cada inseto tentava convencer o enxame de que seu local era o melhor.
A migração ocorria quando toda a colônia chegava a um acordo. Às vezes os pesquisadores observaram que alguns enxames não chegavam a um consenso e acabavam se separando, algo que costumava ser catastrófico, pois quanto mais tempo elas levavam para fixar um ninho, mais vulneráveis ficavam.
As abelhas estiveram prestes a causar uma crise política. Foi em 1981, quando Alexander M. Haig, secretário de Estado de Ronald Reagan, denunciou que a União Soviética tinha enviado armas químicas para o Laos e o Camboja. Isso representaria uma violação da Convenção de Genebra, e os Estados Unidos estavam dispostos a dar uma resposta proporcional. A prova final foi uma fina chuva amarela de gotas de cerca de seis milímetros encontradas em diferentes partes da floresta na Tailândia, na fronteira com esses dois países comunistas. Felizmente, pouco antes o entomologista Thomas D. Seeley tinha publicado um artigo na revista Ecological Monografias em que descrevia várias espécies de abelhas asiáticas. Entre os dados mencionados havia uma descrição do tamanho e forma das fezes, as quais coincidiram suspeitosamente com as provas inequívocas de armas químicas na região. A informação chegou ao Pentágono. Os Estados Unidos optaram por retirar discretamente a acusação de violação do Tratado de Genebra, e o trabalho de um entomologista evitou o que poderia ter sido um conflito armado por causa de uma evacuação de abelhas.
O calor do enxame
O enxame, além de se organizar em assembleia, pode se comportar como um organismo único. A temperatura de uma colônia é de 34 a 36 graus, independentemente da temperatura externa. Isto é conseguido pelo calor desprendido pelas reações metabólicas e ajustado pelo consumo de mel. Quando o calor é excessivo, elas refrescam o ambiente batendo as asas. E, do mesmo modo que nós reagirmos a uma infecção com a febre, as abelhas podem elevar a temperatura quando detectam uma infecção por um fungo, para tentar matá-lo. E não apenas regulam a temperatura. Quando o acúmulo de CO2 excede 1%, as abelhas ventilam a colônia.
Fonte – J. M. Mulet, El País de 13 de setembro de 2018
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