Por Amália Safatle - Pagina22 - 15 de novembro de 2024 - Segundo pesquisa da Market…
As batatas fritas e outros 3.500 alimentos vão mudar sua receita (para melhor)
Por que passou despercebido um plano que poderia ser a melhor notícia do século?
A Agência Espanhola de Consumo, Segurança Alimentar e Nutrição (Aecosan), vinculada ao Ministério da Saúde, Serviços Sociais e Igualdade, pôs em ação o Plano de Colaboração para a Melhoria da Composição dos Alimentos e Bebidas 2017-2020, que, entre outras medidas, convida os fabricantes a reformularem seus produtos e reduzirem certos nutrientes como arma prioritária para combater a obesidade, como parte da Estratégia NAOS (para a nutrição, atividade física e prevenção da obesidade). Há algo de mau?
Assim definem a reformulação: “Melhorar o conteúdo de certos nutrientes selecionados […] dos alimentos, modificando alguns de seus componentes sem que isso resulte em um aumento do conteúdo energético do alimento nem o de outros nutrientes”. A justificativa: “Pôr à disposição dos cidadãos mais produtos com menos sal, menos gorduras saturadas ou trans (melhor perfil lipídico) e com menos açúcares adicionados […] facilitará a aquisição e manutenção de formas adequadas de consumo e de uma dieta com uma composição variada e uma quantidade de nutrientes de acordo com as recomendações das instituições sanitárias”. E isto, para os especialistas, significa muito.
Você não está gordo (somente) por comer batatas fritas
Nem deixará de ficar se elas tiverem menos sal e gorduras saturadas. A Aecosan menciona 13 grupos de alimentos a reformular. Deles, apenas certos aperitivos, refrigerantes, tortas, biscoitos e cereais para o café da manhã, sopas de legumes, derivados cárneos, sorvetes, néctares de frutas (lembre-se: os sucos, por lei, não podem ter acréscimo de açúcar), pão especial embalado (de forma, torrado…), pratos preparados (croquetes, salgadinhos, lasanhas, lulas e surimi), molhos e lácteos (iogurtes e sobremesas) deverão reduzir seu conteúdo em açúcares adicionados entre 5% (doces) e 18% (molho de maionese); entre 5% (ketchup) e 16% (embutidos) de sal; e entre 5% (biscoitos e derivados cárneos) e 10% (antepastos e pratos preparados) de gorduras saturadas (são porcentuais acertados com as empresas, sem base científica). E não, não estão incluídos a pizza nem nenhum outro salgadinho ou comida rápida: somente os produtos sobre os quais as indústrias participantes entraram em acordo.
Qualificar –generalizando— de “escolhas adequadas” a todos esses alimentos, fazendo com que façam parte do que em nosso imaginário significa uma dieta saudável, talvez não seja o mais acertado, por mais que sejam melhores que antes. Nem os ingredientes nem os nutrientes são o problema. É o que reconhecem a OMS e a FAO, aceitando a classificação NOVA, referência mundial para as diretrizes dietéticas, que não considera quantidades específicas de sal, gordura e/ou açúcar, mas o modo como um alimento é transformado (até onde e com que finalidade) como fator determinante na configuração do sistema alimentar e na relação entre a natureza da dieta, da saúde e do bem-estar.
É nos países em cujas casas entram mais alimentos ultraprocessados (aqueles cozinhados com ingredientes industriais como antioxidantes, estabilizantes, conservantes, colorantes, intensificadores de sabor, umectantes…) que a taxa de obesidade em adultos é maior. Isso ficou demonstrado em um estudo da Universidade de São Paulo, publicado em fevereiro na Public Health Nutrition.
“As máquinas de vendas automáticasterão o dobro de alimentos reformulados em relação a agora e até 50% mais em produtos equilibrados. E haverá uma redução de 15% na dose máxima de açúcar nas máquinas de bebidas quentes”, diz Dolors Monserrat (ministra da Saúde, Serviços Sociais e Igualdade)
É verdade que os produtos prontos para comer têm açúcar, gorduras e/ou sal. Nós os reduzimos e temos um problema a menos: uma sequência lógica que não se sustenta nos pilares porque, embora não haja processado que não leve pelo menos um deles, tampouco são os únicos ingredientes que temos de vigiar. E, como reconhece a Aecosan, a maioria dos mecanismos que desencadeiam a obesidade “está ligada ao estilo de vida e ao comportamento em relação a como e o que se como, e se a pessoa realiza atividade física de forma constante e habitual (apesar de o exercício não compensar um excesso de calorias na dieta, proporciona melhor saúde, independentemente do peso]”. E a genética, a cultura, o meio ambiente e a disponibilidade de alimentos e entornos saudáveis também têm um importante papel.
Como declarou Carlos Monteiro, diretor do estudo, a The Guardian, “consumimos diariamente uma quantidade de substâncias artificiais sobre as quais não temos nem ideia de que problemas poderão nos trazer”. Além disso, seu colega Jean-Claude Moubarac, professor de nutrição da Universidade de Montreal (Canadá), afirma que os [ultra]processados têm uma qualidade nutricional muito baixa,tendem a ter menos proteínas, minerais e vitaminas e deslocam os naturais ou minimamente processados (lavados, cortados, refrigerados, congelados, fermentados, fatiados, embalados…)
Apesar de tudo, é uma boa notícia (e seu paladar não notará)
Sabendo disso, a iniciativa é um compromisso que é preciso festejar e que requer um grande esforço por parte da indústria. Mudar a composição para que satisfaça de igual maneira nossos sentidos, não só nossas papilas, é um grande desafio. A Aecosan enumera algumas das dificuldades que representa o cumprimento dessa parte importante do compromisso: “A doçura proporcionada pelo açúcar é o mais agradável, equilibra o sabor azedo, salgado e picante e fornece volume; o sal é um conservante; e a gordura saturada dá palatabilidade”. Como fazem as marcas que conseguiram isso?
Embora o iogurte não seja um dos preparados consumidos pelos espanhóis em que mais açúcar é adicionado, a Danone está desde 2016 melhorando seus produtos. “Por um lado, estamos fazendo o caminho feito pelo pão com sal: ir reduzindo a quantidade de açúcar adicionado sem edulcorar, educando o gosto”, começa Silvia Ramón-Cortés, diretora de Comunicação da Danone. “E fazendo outras coisas. Por exemplo, o 1919 parece tão saboroso como um original ou um Oikos [a sobremesa com iogurte grego da marca] porque jogamos com a proteína, os fermentos, as fermentações, para a textura, e também o açúcar de cana, que adoça igual com 30% menos”, continua Carlos Bosch, diretor de Mídia. Laura González, responsável por Nutrição na Nestlé, resume outra das estratégias seguidas em suas marcas: “Trocar a localização do açúcar no alimento, por exemplo, colocando-o na superfície em vez de dentro. Assim, como é o primeiro que entra em contato com a língua, a percepção da doçura é a mesma com menos quantidade”.
Não está previsto que o rótulo mude além da correspondente troca de ingredientes, se houver, ou de proporção dos três elementos visados pelo plano. Isso pode ser um problema com os açúcares: embora a estratégia da entidade de segurança alimentar (e da OMS) reconheça que os que devem ser reduzidos são os adicionados e não os naturalmente presentes nos alimentos (intrínsecos), como os do leite ou da fruta, ela especifica que estes últimos são encontrados nos alimentos não processados, sem explicar que também estão nos processados que utilizam os naturais como ingrediente. E, além disso, não se permite diferenciá-los no quadro nutricional (só aparecem os açúcares totais: a soma dos intrínsecos mais ao adicionados).
Restaurantes, refeitórios e supermercados também têm que mudar
Melhorar os menus com mais alimentos básicos e guarnições de hortaliças e legumes; priorizar as carnes magras, azeite de oliva e os óleos de girassol com alto teor de ácido oleico; aumentar a frequência de pratos grelhados ou ao forno, sem molhos; reduzir as frituras de pré-cozidos; incluir pão integral, mais peixe na semana e outros alimentos que configurem uma dieta saudável; incorporar produtos reformulados, ampliar a oferta de frescos… E os supermercados? “Nossa missão é detectar a demanda para modificar as diretrizes. Os produtos com alegações nutricionais saudáveis fazem muito sucesso”, explica Aurelio del Pino, porta-voz da Associação de Redes Espanholas de Supermercados.
Fonte – Marta Del Valle, El País de 01 de maio de 2018
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