Por Jean Silva* - Jornal da USP - 1 de novembro de 2024 - Tucuruvi,…
As cinco maiores ameaças humanas aos oceanos – e seus antídotos
Comida, transporte, matérias-primas, lixo: há séculos a humanidade trata os mares como se fossem inesgotáveis e invulneráveis. A consciência sobre a necessidade de protegê-los aumenta, mas ainda há muito o que fazer.
Surfar, velejar, nadar, passear pelas praias: claro, os seres humanos adoram os mares – além de precisarem deles para sobreviver. Apesar disso, tratam da pior forma possível essas extensões de água que cobrem mais da metade do planeta.
A DW dá uma olhada de perto nas cinco maiores ameaças de fabricação humana para os oceanos, e por que se deveria tentar salvá-los o mais breve possível – enquanto ainda se tem chance.
1. Sobrepesca exterminadora
Peixes e frutos do mar são alimento saudável. Mais ainda: em todo o mundo, sobretudo em nações em desenvolvimento, muitos dependem dessas fontes proteicas marinhas para sobreviver. Antigamente a humanidade só pescava tanto quanto a natureza podia repor. Mas esse equilíbrio foi destruído.
Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), no ano 2015 foram pescadas mais de 81 milhões de toneladas de peixes e frutos do mar – 1,7% a mais do que no ano anterior. Quase um terço dos estoques pesqueiros do mundo já foi esgotado, mais da metade está no limite máximo.
Pesca descontrolada está esgotando as reservas de alimento humano nos oceanos
As nações de maior atividade pesqueira em 2015 foram a China, Indonésia e os Estados Unidos, com 23 países, a maioria industrializados, respondendo por 80% das pescas em todo o mundo. Durante muito tempo considerou-se que a solução seria criar peixes em culturas aquáticas. Na realidade, porém, elas até pioram a situação.
Ironicamente, a criação industrial em massa, por exemplo em grandes gaiolas ao longo dos litorais, exige enormes quantidades de peixes e frutos do mar – afinal, os animais nos viveiros também precisam ser alimentados. Além disso, os excrementos e medicamentos das fazendas pesqueiras poluem as águas vizinhas e propiciam a disseminação de doenças.
Para corrigir a situação, seriam necessárias quotas de pesca rigorosas e, no geral, uma melhor gestão das reservas pesqueiras. As populações têm melhores chances de recuperar se forem deixadas em paz por um período. Mas para que isso funcione, é preciso agir a tempo.
Do ponto de vista do consumidor, o conselho seria só comer peixes e frutos do mar em quantidades moderadas, atentando para que tipo de animal vem de que parte do mundo.
2. Quando o mar fica azedo
Embora as emissões de dióxido de carbono tenham se multiplicado desde o início da industrialização, a concentração do gás poluidor na atmosfera só aumentou 40%. O motivo é que os oceanos assimilam CO2, que é solúvel em água, e assim desaceleram a mudança climática. Só que o preço ecológico também é alto.
Ostras são particularmente sensíveis a oscilações de pH
Quando o CO2 se dissolve na água, gera-se ácido carbônico. Em 1870, o pH (coeficiente de acidez) médio do mar era 8,2. Atualmente está em 8,1, devendo, segundo certos prognósticos, chegar a 7,7 até o ano 2100.
Essa variação parece mínima, mas significa que os oceanos conterão 150% mais acidez, tornando inviável a vida para muitas espécies. Sobretudo certos moluscos deixarão de se reproduzir, acabando por extinguir-se. Também extremamente sensível à acidificação é o plâncton, fonte microscópica de alimento para numerosos peixes e mamíferos marinhos.
Em 2005, o declínio das fazendas de ostras no litoral da Califórnia, EUA, ilustrou de forma dramática as consequências desse processo: a água do mar tornou-se ácida demais para as larvas das ostras, que foram exterminadas – e com elas, todo esse setor industrial na região.
Para conter a acidificação dos oceanos é preciso reduzir as emissões de dióxido de carbono, o mais rápido possível.
3. Mar morno e pálido
Os mares não absorvem apenas CO2, mas também cerca de 93% do calor produzido pelas emissões de gases-estufa. A consequência inevitável, contudo, são águas oceânicas mais quentes.
Entre 1900 e 2008, a temperatura superficial dos oceanos subiu, em média, 0,62º C; em certas zonas, como o Mar da China, até 2,1º C. Para muitos organismos submarinos, como os corais, isso representa um grande problema.
Corais são animais que desenvolvem carapaças rígidas de calcário e mantêm simbiose com algas coloridas e ativamente fotossintéticas, as quais vivem em seu interior. No entanto, quando a água fica quente demais, os corais deixam de prover as substâncias necessárias às algas, as expelem e acabam por morrer por falta de alimento. Esse processo, denominado branqueamento dos corais, já matou um terço da Grande Barreira, na Austrália.
Só uma redução das emissões de CO2 poderia evitar o aumento continuado das temperaturas marítimas. Paralelamente, cientistas tentam desenvolver variedades de coral mais resistentes a temperaturas mais elevadas.
Grande parte do lixo plástico volta às costas, como nessa praia de Gana
4. Sujeira que mata
Durante muito tempo os oceanos constituíram um gigantesco lixão para navegadores, navios de cruzeiro e cidades costeiras. Atualmente, embora a atitude tenha se modificado profundamente, continua se acumulando uma enorme quantidade de resíduos nas águas internacionais.
Nos oceanos formaram-se cinco grandes vórtices de lixo, em que as correntes concentram trilhões de fragmentos de plástico e outros resíduos. Calcula-se sua superfície total entre 700 mil e 15 milhões de quilômetros quadrados.
No entanto, 99% do lixo nunca chega a esses redemoinhos gigantes, sendo lançado de volta nos litorais, onde ameaçam aves, tartarugas e outros animais marinhos. Além disso, grande parte se decompõe em partículas minúsculas. O microplástico resultante se deposita então no fundo do mar ou no gelo dos polos.
Branqueamento já dizima parte dos recifes de coral do planeta
Também os nitratos e fosfatos da agropecuária industrial desaguam nos oceanos, levados pelos rios. Eles estimulam o crescimento de algas que, ao morrerem, são decompostas por bactérias. O processo reduz o oxigênio contido na água, a ponto de criar “zonas da morte” em que nada mais cresce.
As águas residuais da indústria continuam sendo lançadas nos mares, levando consigo substâncias químicas e metais perigosos como chumbo, mercúrio e elementos tóxicos orgânicos de difícil decomposição. Estes se concentram na gordura de baleias, tubarões e outros animais, no fim da cadeia alimentar.
Entre as iniciativas para debelar as montanhas de lixo oceânico está a fundação holandesa The Ocean Cleanup, que em 2018 começará a retirar o lixo plástico do grande redemoinho do Oceano Pacífico, usando um dispositivo flutuante desenvolvido especialmente.
Além disso, é crucial reduzir o despejo de plástico na natureza e adotar leis mais rigorosas sobre o tratamento das águas residuais.
5. Caça aos tesouros marinhos
A grande corrida aos mares provavelmente ainda está por vir. Pois, nas profundezas dos oceanos, incontáveis riquezas esperam para ser extraídas, a fim de satisfazer a cobiça e a sede de progresso humanas. Um exemplo são os nódulos de manganês, elemento empregado na produção de ligas metálicas, sobretudo de aço inoxidável.
Nódulos de manganês são cobiçados para produção de ligas metálicas
Calcula-se que haja mais de 7 bilhões de toneladas de manganês no fundo dos mares – mais do que em terra. Diversos países já reivindicaram com sucesso o uso do solo marinho, para poder começar com a extração num futuro próximo. Outros metais valiosos, como níquel, tálio e terras raras, são encontrados nas profundezas.
No entanto, as áreas contendo as rochas compostas de ferro e hidróxido de manganês são também focos de biodiversidade. Em 2016 mesmo, descobriu-se num desses campos uma espécie inédita de polvo, de aparência fantasmagórica, que os cientistas apelidaram “Casper” (o “Gasparzinho, o Fantasminha Camarada” das histórias em quadrinhos).
Atividades mineradoras nessas áreas ameaçariam os ricos, porém sensíveis ecossistemas. Somente a proibição total ou, no mínimo, regras rigorosas para a mineração marítima de profundeza podem evitar o pior.
Fonte – Brigitte Osterath, DW de 09 de junho de 2017
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