Por Ana Flávia Pilar - O Globo - 11 de novembro de 2024 - Com modelo…
Até 2030 planeta pode enfrentar déficit de água de até 40%, alerta relatório da ONU
No Dia Mundial da Água (22 de março), as Nações Unidas afirmaram que uma gestão mais sustentável deste recurso não renovável é “urgente”.
Até 2030, o planeta enfrentará um déficit de água de 40%, a menos que seja melhorada dramaticamente a gestão desse recurso precioso. Essa é a principal conclusão do Relatório das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento de Água 2015: “Água para um mundo sustentável”, lançado na última sexta-feira (20) em Nova Déli (Índia), em celebração ao Dia Mundial da Água (22 de março).
O Relatório é publicado pelo Programa Mundial de Avaliação dos Recursos Hídricos (World Water Assessment Programme, em inglês), liderado pela UNESCO por meio da ONU-Água, mecanismo interagencial das Nações Unidas para assuntos relacionados à água e questões de saneamento. O Relatório enfatiza a necessidade urgente de mudar a forma como nós usamos e gerenciamos esse recurso vital, no momento em que as Nações Unidas preparam a adoção de novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Os recursos hídricos são um elemento-chave nas políticas de combate à pobreza, mas por vezes são ameaçados pelo próprio desenvolvimento. A água influencia diretamente o nosso futuro, logo precisamos mudar a forma como avaliamos, gerenciamos e usamos esse recurso, em face da sempre crescente demanda e da superexploração de nossas reservas subterrâneas. Esse é o apelo feito pela edição mais recente do Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento de Recursos Hídricos.
“As observações do Relatório são oportunas, porque a comunidade internacional precisa elaborar um novo programa de desenvolvimento para substituir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio”, diz a diretora-geral da UNESCO, Irina Bokova.
“Já existe um consenso internacional de que água e saneamento são essenciais para que muitos dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio sejam atingidos. Eles estão indissoluvelmente ligados a questões como mudança climática, agricultura, segurança alimentar, saúde, energia, equidade, questão de gênero e educação. Agora, devemos olhar para a frente, com vistas à mensurabilidade, ao monitoramento e à implementação”, diz Michel Jarraud, presidente da ONU-Água e secretário-geral da Organização Meteorológica Mundial (OMM).
Demanda crescente
Em 2000, a Índia tinha quase 19 milhões de poços mecanizados ou por tubos, em comparação a menos de um milhão em 1960. Essa revolução tecnológica teve um papel importante nos esforços do país em combater a pobreza, mas o consequente desenvolvimento da irrigação resultou, por sua vez, em um estresse hídrico significativo em algumas regiões do país, tais como Maharashtra e Rajastão.
Esse exemplo ilustra as relações complexas entre o acesso à água e o desenvolvimento. A água é essencial para o crescimento da economia e para o combate à pobreza, e também é diretamente afetada pelo desenvolvimento econômico. Para encontrar uma solução para esse desafio, devemos buscar um equilíbrio entre o suprimento e a demanda da água.
Porém, não estamos nem perto disso. Apesar do progresso considerável que tem sido realizado recentemente, 748 milhões de pessoas ainda não têm acesso a fontes de água potável de qualidade. E aqueles mais afetados são as pessoas de baixa renda, os desfavorecidos e as mulheres.
Ao mesmo tempo, o planeta nunca esteve tão sedento. Para responder às necessidades de uma população em constante crescimento, os setores de agricultura e energia precisam continuar a produzir cada vez mais. De agora até 2050, a agricultura, que consome a maior parte da água, precisará produzir mundialmente 60% a mais de comida, 100% em países em desenvolvimento.
A demanda por bens manufaturados também está aumentando, o que, por sua vez, impõe maior pressão sobre os recursos hídricos. Entre 2000 e 2050, estima-se que a demanda da indústria por água crescerá até 400%.
Enquanto a demanda por água aumenta exponencialmente – espera-se um aumento por volta de 55% até 2050 – e 20% das fontes mundiais de água subterrânea já estão sendo superexploradas, ainda não há um gerenciamento sustentável dos recursos. A irrigação intensa de plantações, a liberação descontrolada de pesticidas e produtos químicos em cursos d’água e a ausência de tratamento de esgoto – que são o caso para 90% das águas residuais em países em desenvolvimento – são provas dessa situação.
Pressões do desenvolvimento sobre os recursos hídricos
O custo ambiental de práticas como essas é muito alto, o que resulta em poluição em larga escala da água e desperdício significativo. Na Planície do Norte da China, a irrigação intensa causou uma queda de mais de 40 metros do lençol freático. O custo ambiental também tem sido notado em termos de danos às vezes irreversíveis a muitos ecossistemas por todo o mundo, especialmente em pântanos e áreas costeiras, o que reduz substancialmente suas capacidades para executar os serviços essenciais dos ecossistemas, como purificação e armazenamento de água.
A mudança climática aumenta ainda mais essa pressão. A maior variação na precipitação e a elevação das temperaturas causam mais evaporação e transpiração por parte da vegetação. Além disso, a elevação do nível do mar ameaça os lençóis freáticos nas áreas costeiras. Assim como em Calcutá (Índia), Xangai (China) e Daca (Bangladesh), outras cidades encontram suas reservas de água subterrânea contaminadas pela água salgada. O cenário é o mesmo nas Ilhas do Pacífico de Tuvalu e Samoa, cujos habitantes dependem cada vez mais de água importada para satisfazer suas necessidades, já que seus lençóis freáticos se tornaram salgados.
Segundo os autores do relatório, essa pressão crescente sobre os recursos hídricos provavelmente também levará a mais disputas entre os setores da economia, bem como entre regiões e nações.
Portanto, está na hora de mudarmos a forma de avaliar, administrar e utilizar esse recurso, destaca o relatório, apontando para falhas na nossa gestão da água. A água é muito barata, se comparada a seu real valor, e raramente é levada em consideração quando são tomadas as decisões relativas à energia e à indústria. Em geral, as decisões que determinam como será utilizada a maior parte dos recursos hídricos são tomadas por um número limitado de atores (estatais, paraestatais e privados) e seguem uma lógica ditada por objetivos de curto prazo mais do que por preocupações ambientais.
O círculo virtuoso do desenvolvimento sustentável
O relatório enfatiza o papel das autoridades públicas para influenciar as escolhas estratégicas que garantirão um futuro duradouro para os nossos recursos hídricos. Recomenda, particularmente, limitar o desenvolvimento de usinas de energia térmica, que atualmente produzem 80% da nossa eletricidade e consomem grandes quantidades de água. Essa limitação pode ser alcançada, por exemplo, pela garantia de subsídios para energias renováveis, como a eólica e a solar, que ainda são relativamente caras.
Isso também poderia significar o oferecimento de recompensas aos agricultores que utilizarem métodos eficientes de irrigação. Por exemplo, em um país árido como Chipre, os subsídios como esses têm levado a uma importante mudança das atitudes dos agricultores em relação a técnicas de irrigação e à imposição de técnicas que consomem menos água.
A transição para modelos mais sustentáveis de produção tem um custo, mas, como o relatório aponta, tais investimentos são parte de um círculo virtuoso. De fato, os estudos mostram que para cada dólar investido na proteção de uma área de captação, até 200 dólares podem ser economizados no tratamento de água.
Portanto, enquanto são necessários 235 mil dólares anuais para aperfeiçoar o tratamento de esgoto com o objetivo de manter ecologicamente intactos os pântanos de Nakivubo em Uganda, esse ecossistema fornece um serviço de purificação de água para a capital, Kampala, cujo valor é estimado em 2 milhões de dólares por ano. Em Nova York, a gestão das áreas de captação faz a cidade economizar um valor estimado de 300 milhões de dólares por ano.
Os esforços realizados por alguns países mostram que são possíveis uma melhor governança e um uso mais cuidadoso da água, inclusive em países em desenvolvimento. As autoridades na área de gestão dos recursos hídricos em Phnom Penh (Camboja) são um caso a ser apontado. Essa organização, anteriormente acusada de corrupção e à beira da falência, tornou-se, no período de uma década, uma das mais eficientes empresas do mundo em suprimento de água. Ela reduziu os desperdícios de água de 60%, em 1998, para 6%, em 2008, o que equivale a todo o suprimento de água de Cingapura.
Na ocasião em que as Nações Unidas se preparam para aprovar os novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para 2030, o relatório aponta para a necessidade de se dedicar um objetivo inteiramente aos recursos hídricos. O documento argumenta que o foco deve ser estendido da água potável e do saneamento – como foi o caso dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – para a gestão mundial de todo o ciclo da água. Assim, os ODS propostos considerariam questões relativas a governança, qualidade da água, gestão de águas residuais e prevenção de desastres naturais. Os ODS serão finalizados no segundo semestre de 2015, durante a Assembleia Geral das Nações Unidas.
O Relatório Mundial das Nações Unidas para o Desenvolvimento dos Recursos Hídricos é o resultado da colaboração de 31 agências do Sistema da ONU e de 37 parceiros internacionais que compõem a ONU-Água. Ele é produzido pelo Programa Mundial de Avaliação de Recursos Hídricos (World Water Assessment Programme – WWAP), liderado pela UNESCO.
O relatório apresenta uma descrição exaustiva da situação dos recursos hídricos no mundo e, até 2012, ele foi publicado a cada três anos. Desde 2014, ele passou a ser uma publicação anual dedicada a um tema específico. Seu lançamento em 2015 coincide com o Dia Mundial da Água, cujo tema também é o mesmo do relatório.
Mensagem da diretora-geral da UNESCO
Resumo executivo do relatório, em português (PDF)
Mensagens principais, em português (PDF)
Sobre o Dia Mundial da Água 2015 (em inglês)
Fonte – EcoDebate de 24 de março de 2015
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