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Calor extremo do mar em AL mata corais e choca cientistas: ‘Sem precedente’

Por Carlos Madeiro – Colunista do UOL – 22 de setembro de 2024 – Pesquisadores marinhos perceberam uma mortalidade sem precedentes em recifes de coral no litoral alagoano.

A causa foi o recorde da temperatura do oceano Atlântico este ano.

Em abril, a coluna já havia contado que os corais estavam embranquecidos e com risco de morrer devido ao calor da água.

A mortalidade foi percebida após mergulho no dia 23 de agosto para avaliação das espécies, e o resultado chocou os cientistas.

Em comunicado público no último dia 13, o Ecoa-Lab (Laboratório de Ecologia e Conservação no Antropoceno), da Ufal (Universidade Federal Alagoas), informou que os resultados de monitoramento “indicam que a mortalidade deve ultrapassar os 90% das comunidades estudadas, algo sem precedentes em nosso litoral.”

A mortalidade pelo calor, apontam os pesquisadores, atingiu todas as espécies, como o coral-de-fogo e o coral-couve-flor — esse que só existe no litoral brasileiro.

Os resultados estão sendo analisados, e mais dados serão divulgados até novembro.

“Esse mergulho foi um dos mais tristes da minha vida. O que encontramos embaixo d’água foi um grande cemitério de corais”, conta o coordenador do Ecoa-Lab, Robson Santos.

A região pesquisada faz parte da APA (Área de Proteção Ambiental) Costa dos Corais, a maior unidade de conservação federal marinha costeira do Brasil. Criada em 1997 pelo governo federal, ela que possui 406 mil hectares e resguarda um dos ambientes recifais mais importantes do mundo.

Foto área dos recifes na APA Costa dos Corais, em Alagoas – Imagem: Fundação Toyota do Brasil

El Niño e mudanças climáticas

Segundo Robson, o que causou tamanha mortalidade foi a temperatura extrema do oceano, acima do esperado mesmo para um período de El Niño.

Nos últimos meses, a água aumentou cerca de 3°C da temperatura média normal para o período, chegando a 34°C —e muito acima do que as espécies aguentam.

Ele afirma que esse cenário é reflexo das mudanças climáticas.

“Esse salto de temperatura ocorreu por um tempo prolongado, e isso levou à mortalidade dos corais. Os impactos vão ser múltiplos, e a gente vai tentar entender o que pode acontecer”, diz.

Os pesquisadores vêm monitorando os recifes de coral em Maragogi, Paripueira e Maceió desde setembro de 2023, ainda antes do início do El Niño.

Branqueamento já era percebido

O aquecimento da água do mar já era uma preocupação dos pesquisadores que vinham estudando um branqueamento da espécie. Apesar de também poder levar à mortalidade, é um estágio em que o coral ainda pode se recuperar.

Segundo o pesquisador Cláudio Sampaio, do Laboratório de Ictiologia e Conservação da Ufal, o branqueamento no litoral alagoano entre 2019 e 2020 causou a morte de cerca de 20% dos corais.

Ele explica que isso é uma coisa recente no país e está saindo do controle.

“Os primeiros registros no Brasil são de 1998, mas o que estamos observando é que a frequência e intensidade estão aumentando”, diz.

Quando a água esquenta muito, as zooxantelas [tipo de alga unicelular que vive no interior das células do tecido dos corais] produzem substâncias tóxicas, e o coral as expulsa. Sem elas, os corais ficam vulneráveis e podem morrer parcial ou completamente; também podem se recuperar completamente, caso a temperatura da água não permaneça aquecida por muito tempo e retorne ao normal.

Ricardo Miranda, pesquisador do Ecoa-Lab

O fenômeno desta vez, diz Ricardo, alcançou o pico de intensidade em abril de 2024 e demorou um período maior que o que pode ser suportado pelos recifes.

“É possível ver os corais mortos, muitos já cobertos por algas na costa alagoana. Provavelmente aqui foi o local mais afetado da costa brasileira”, completa.

Corais brancos em Maceió, em abril de 2024 – Imagem: Ricardo Miranda

Impactos

Os corais servem de refúgio para várias espécies e também de alimento para peixes, o que gera um temor dos cientistas sobre impactos.

Segundo Robson Santos, com o tempo após a morte, eles vão sendo recobertos por algas.

“A gente então perde esse refúgio para muitas espécies; alguns tipos de peixe também dependem deles como alimentação.”

“Do ponto de vista da biodiversidade, é um impacto muito grande, porque você tem uma transição completa no ecossistema: ele vai deixar de ser dominado por corais”, diz.

Ele cita também que a degradação dos ecossistemas costeiros, por falta de tratamento de esgoto e aporte de lixo vão dificultar a recuperação da área dos corais.

Isso também deve afetar o ser humano. Os recifes no mundo sustentam acho que na casa de quase um bilhão de pessoas, direta ou indiretamente, seja por pesca de subsistência, seja por turismo. Robson Santos

Tradicionais passeios às galés (piscinas naturais) de Maragogi (AL) – Imagem: Salinas Resort/Divulgação

Outra preocupação é como ficará a proteção das costas ao longo dos anos, já que os recifes absorvem grande parte da energia que vem das ondas.

“Aí junta dois impactos, porque as mudanças climáticas aumentam os eventos extremos, como fortes ventos, fortes chuvas. Então, a gente perde um pouco da proteção da costa também”, lamenta.

Para Cláudio Sampaio, é preciso atuação coordenada e conjunta para reduzir os impactos.

Apenas o monitoramento sistemático da saúde dos recifes, com redução dos impactos locais através da capacitação e educação ambiental, além de inovação tecnológica e envolvimento da sociedade alagoana, será capaz de restaurar esses importantes e emblemáticos ambientes.

Cláudio Sampaio

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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