Por Renata Fontanetto, dGCIe Baku (Azerbaijão) - Pesquisa FAPESP - Dezembro de 2024 - Foto:…
“Colocam a humanidade no limite”. Para Vandana Shiva, Monsanto é culpada de ecocídio
Shiva pressionou o tribunal civil internacional que julgou a Monsanto e a considerou culpada de ecocídio. Ela pediu ao Supremo Tribunal a suspensão da Soja Intacta RR2da empresa Monsanto, pelos sérios riscos envolvidos.
Vandana Shiva pediu para ser considerada como amicus curiae para emitir opiniões sobre a soja da Monsanto.
“É um dia para lembrar que somos parte da Terra e que todos nós temos o dever de cuidar dela. Que dois séculos de desenvolvimento impulsionado por combustíveis fósseis estão colocando a humanidade no limite. E nós temos que mudar de rumo.”
Com esta decisão, a filósofa e ecofeminista indiana Vandana Shiva, ganhadora do Prêmio Nobel Alternativo de 1993, começou a carta reproduzida em todo o mundo a partir do Dia Mundial do Meio Ambiente, comemorado em 5 de junho. Mas o rumo de suas preocupações, cujo foco agora é os problemas ambientais que assolam o planeta, fica na Argentina.
Algumas semanas atrás, Shiva conseguiu que um documento judicial chegasse ao Supremo Tribunal, para participar no julgamento que a ONG Naturaleza de Derechos iniciou contra a empresa Monsanto e o Estado Nacional, tentando proibir a liberação e comercialização da soja transgênica RR2 em território argentino.
Tendo se tornado uma das principais referências mundiais dentro dos movimentos ambientais, Vandana Shiva foi uma das promotoras da criação do Tribunal Civil da Monsanto, que durante outubro de 2016 recebeu dezenas de testemunhos de todo o mundo sobre as implicações dos pesticidas e órgãos geneticamente modificadospara a saúde e o ambiente e, em abril do ano passado, declarou a Monsanto culpada pelo crime de ecocídio no Tribunal Internacional de Haia.
Depois de sua visita à Argentina no ano passado, durante o Festival de Cinema Ambiental, realizado na cidade de Buenos Aires, Shiva vinculou-se a organizações socioambientais locais, formando uma ponte para que no último 22 de maio pudesse recorrer ao Supremo Tribunal por escrito, declarando seu interesse em “apresentar-se no processo judicial como Amicus Curiae, a fim de opinar ao Tribunal quanto à necessidade de decretar a suspensão da Soja Intacta RR2 da empresa Monsanto Argentina SAIC, que representa um risco de dano grave e irreparável à agricultura tradicional, à saúde humana, ao ambiente e à biodiversidade”.
No mesmo documento, Shiva explica ao Supremo Tribunal a necessidade de uma audiência pública antes do tratamento do caso que acaba de chegar a suas mãos, consultando a opinião de especialistas independentes sobre os Organismos Geneticamente Modificados (OGM). Sem esse passo, para a filósofa hindu, é impossível determinar os efeitos sociais e ambientais dos agrotóxicos da Monsanto, cuja inocuidade alimentar e ambiental -alegada pela multinacional desde seu começo – nunca foi provada em estudos de longo prazo. Além disso, Shiva aponta que o cultivo transgênico do RR2 está preparado para um solo, dos mais de dez sub-biomas da Argentina, e que os efeitos que podem causar sobre o resto do território são desconhecidos.
Logo após receber uma menção especial em Nova Deli por sua “vida de serviço à Terra” durante o Dia Mundial do meio ambiente, Shiva participou do funeral de Madhav Dave, o ministro do Meio Ambiente hindu que havia sido ameaçado por desaprovar a mostarda transgênica da Monsanto na Índia e que foi encontrado morto em sua casa em 18 de maio. Ao chegar em sua cidade natal, Dehradun, Vandana Shiva concedeu a entrevista para discutir o cenário ambiental complexo no qual estamos imersos.
Quais são os problemas ambientais mais graves que a humanidade enfrenta atualmente?
O problema mais profundo é a continuidade da visão de mundo mecanicista, que vê a natureza como algo inerte, como matéria-prima a ser explorada, como um depósito para os nossos resíduos. Esta visão de mundo ganhou força com os combustíveis fósseis, e ganhou o mundo através do colonialismo, destruindo as culturas Bhoomi, Pachamama, Gaia, que veem a Terra como um ser vivo, e os seres humanos como parte da terra. Todas as várias expressões da crise ecológica – o caos climático, a erosão da biodiversidade, a extinção de espécies, o desaparecimento e poluição da água, a desertificação, a poluição tóxica – estão relacionadas a este paradigma mecanicista cristalizado.
Quais são as expressões materiais mais perigosas deste paradigma mecanicista?
Como ecologista e ativista, vejo a agricultura industrial como a fonte mais importante de destruição da saúde do planeta e da nossa saúde. Setenta e cinco por cento da destruição do solo, da falta de água, da erosão da biodiversidade relacionam-se com o impacto dos produtos químicos na agricultura. Estes produtos químicos são derivados de combustíveis fósseis e a agricultura industrial é responsável por metade dos gases de efeito estufa que poluem a atmosfera e causam instabilidade climática. Os alimentos desta agricultura também são responsáveis por 75% das doenças crônicas que afetam a humanidade. A pulverização de Roundup na Argentina, na soja Roundup Ready, levou a uma epidemia de câncer. A Monsanto sabia disso desde 1984. No entanto, eles mentiram que o glifosato do Roundup era seguro. Mas temos uma alternativa comprovada na agroecologia de cultivo de alimentos sem venenos. A agricultura livre tornou-se uma alternativa para o ambiente e a saúde. E acredito que está acontecendo uma grande mudança de consciência.
Que possibilidades abrem-se para proibir o cultivo transgênico depois que Haia condenou a Monsanto por crimes contra o meio ambiente?
Acredito que está se tornando inaceitável para as pessoas que empresas que cometem crimes e governos desonestos destruam a terra sem se responsabilizar de forma alguma, violando o princípio de que o poluidor deve pagar. Acho que o mundo está se abrindo para entender o ecocídio como um verdadeiro crime contra a natureza.
Há poucas semanas, depois de visitar a Argentina em 2016, a senhora enviou um documento ao Supremo Tribunal para testemunhar contra a corporação Monsanto. Quais são suas impressões sobre a situação no país?
Na Argentina e na Índia, a Monsanto está atacando as leis de patentes que reconhecem que somos parte da família da Terra, que as plantas e os animais não são invenções humanas e, portanto, não são patenteáveis. A ganância da Monsanto ao cobrar direitos autorais através de patentes sobre sementes está levando-a a atacar nossas leis nacionais e a soberania das sementes.
Que países já proibiram o uso de culturas geneticamente modificadas?
A maior parte da Europa é livre de OGM, a maior parte da Ásia é livre de OGM. Com exceção do algodão transgênico, a Índia não tem nenhum cultivo de alimentos geneticamente modificados. A Monsanto tentou empurrar a berinjela transgênica. Audiências públicas foram organizadas em todo o país e eles pararam. Por dois anos, a Monsanto-Bayer vem tentando empurrar uma mostarda transgênica que conseguimos deter até agora. O Satyagraha (um termo cunhado por Mahatma Gandhi para se referir à “força da verdade”) e a não-cooperação com o Cartel del Veneno são nossas últimas estratégias de organização para ter zonas livres de OGM e venenos.
As mudanças ambientais, sobretudo o aquecimento global, agora ameaçam erradicar a vida no planeta a curto ou médio prazo. Você acha que é possível reverter esta situação?
O mundo não vai acabar com o aquecimento global. O que vão terminar são as condições de vida humana na terra. Cientistas como Stephen Hawking dizem que vamos ser extintos em 100 anos ou devemos fugir para outros planetas. Mas há uma terceira opção, reconhecer que somos terráqueos, membros da família da terra. Podemos rejuvenescer este planeta, nosso lar, através da agroecologia, e criar condições para a continuação da vida humana e de outros seres vivos na Terra. A Agroecologia não é apenas a solução para a epidemia de veneno e de doença. É a solução para a mudança climática, porque através das plantas e da biodiversidade se extrai o excesso de carbono e nitrogênio do ar, que são devolvidos ao solo, como escrevi no livro Soil not Oil. Ficar aqui e cuidar da Terra também nos permite cuidar do nosso futuro. Esta é a nossa melhor opção. É um imperativo ecológico.
Fontes – Diego Fernández Romeral, Página/12, tradução Henrique Denis Lucas, IHU de 04 de julho de 2017
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