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Com um boi por hectare, pecuária extensiva degrada cerrado

Mapa por satélite inédito da Embrapa estima que 60% das áreas do bioma estão danificadas

A vaca foi para o brejo. E também pastou e pisoteou campos. Atravessou rios e comeu até o topo dos morros. Derrubou a floresta e devastou o cerrado. Há 207 milhões de brasileiros para 212 milhões de cabeças de gado bovino. Vacas latifundiárias, que se espalham por cerca de 200 milhões de hectares ocupados por pastagens. Isso representa pouco menos de um quarto do território nacional, o que dá uma densidade de cerca de um animal por hectare, segundo contas da Embrapa, que lançou um pioneiro mapa da degradação da pecuária no Brasil. Desenvolvido com dados de satélite, ele é um instrumento para conter a devastação e aumentar a produção.

Se hoje a pecuária é uma das atividades mais importantes do país — representa 6,8% do Produto Interno Bruto (PIB) — também é uma das mais ineficientes do mundo, baseada na prática extensiva e, por isso mesmo, barata. Os lucros estão no tamanho da área usada e não na eficiência produtiva. A pecuária brasileira tem um dos menores custos do mundo. Cerca de 60% menos que na Austrália e 50% inferior ao dos Estados Unidos.

A diferença de produção entre a pecuária e a agricultura se conta em milhões de hectares e de toneladas de carne e grãos. A agricultura representa 14,56% do PIB nacional e ocupa 68 milhões de hectares de área plantada. A produção de grãos chegou a 193 milhões de toneladas no ano passado, contra uma produção de 9,2 milhões de toneladas de carne bovina estimada pelo Ministério da Agricultura.

Aumentar a eficiência sem fazer crescer o custo ambiental é um desafio retratado em cores pelo mapa da degradação. O foco inicial do projeto foi o cerrado, o bioma onde estão as maiores produção e pressão sobre o meio ambiente, explica Mateus Batistella, pesquisador da Embrapa Monitoramento por Satélite, em Campinas. O cerrado hoje concentra 55% da produção de carne bovina do país. O mapa é o primeiro a detalhar onde estão as criações de gado, as áreas produtivas e as degradadas. Parece simples, mas é como procurar agulha no palheiro, já que a pecuária extensiva está por todo o cerrado e avança para a Amazônia.

— Criar gado é uma das formas mais baratas de ocupar território e abrir novas fronteiras. O problema não é que falte área para a pecuária e a agricultura. É muito mais uma questão de recuperação do que de expansão — afirma Édson Luis Bolfe, pesquisador da Embrapa Monitoramento por Satélite que esteve à frente do GeoDegrade, o projeto de desenvolvimento de geotecnologias para identificação e monitoramento de níveis de degradação em pastagens.

Os pesquisadores usaram imagens, principalmente do satélite Spot, para localizar não apenas as áreas em processo de degradação, mas também identificar se foram convertidas para novos usos ou que tipo de recuperação e utilização seria possível. Uma das metas é estimular a integração pastagem-lavoura. Outra é monitorar o uso da terra, um instrumento necessário para concessão de linhas de crédito e planejamento de projetos.

— É preciso saber se o produtor tem recursos para recuperar. Não é barato — observa Batistella.

O trabalho gerou três cenários, porque as condições variam de acordo com o clima e as transformações do uso da terra. No cenário mais otimista, 12,49 milhões de hectares foram devastados, ou 24% das áreas de pastagens do cerrado. No intermediário, a degradação chega a 35%. No cenário chamado de realista, há uma perda de 31,93 milhões de hectares de solo. Neste caso, 60% das pastagens do cerrado estão degradadas.

Somos uma china da carne

Pelas contas do pesquisador Ricardo Guimarães Andrade, também da Embrapa Monitoramento por Satélite, se forem recuperados de 12,5 milhões a 18,4 milhões de áreas de pastagens, será possível aumentar a produção de carne bovina de 2,4 milhões a 3,6 milhões de toneladas por ano.

O ex-ministro da Agricultura (2003-2006) e coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getulio Vargas, Roberto Rodrigues, estima que, no Brasil inteiro, existam cerca de 60 milhões de hectares em diferentes graus de degradação pela pecuária, alguns ainda em uso como pastagem e outros abandonados.

— Recuperar não é trivial e tampouco simples. Custa caro. É mais barato derrubar o cerrado do que recuperá-lo — explica Rodrigues.

Ele lembra que a pecuária não investiu, como a agricultura, em modernização tecnológica nem fez os ajustes necessários, porque era mais barato manter a vaca no pasto:

— Alguns produtores que investiram em tecnologia, aumentando a produção em menor área, abandonaram pastagens degradadas. São as piores áreas, de difícil tratamento. De fato, uma pequena parcela pode ser realmente reutilizada pela agropecuária, algo entre 10 e 15 milhões de hectares. Outra parte poderia ser empregada na silvicultura, que se adapta melhor a solos de baixa qualidade.

Ele acrescenta que em estados de Mata Atlântica, como Minas Gerais e São Paulo, áreas degradadas poderiam ser convertidas em vegetação nativa.

— O Brasil tem tecnologia sustentável para a agropecuária. Em dez anos, poderemos ter três cabeças de gado por hectare. Mas, para isso, é preciso manejo do pasto e do gado, resolver a questão sanitária e equacionar o uso da água — frisa Rodrigues.

— Precisamos levar a tecnologia para o campo. Ela já existe, mas não chega lá — observa o coordenador de Sustentabilidade da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil, Nelson Ananias Filho, engenheiro agrônomo e pecuarista em Goiás.

E, segundo ele, não chega justamente porque é mais fácil comprar terras do que recuperar.

— A verdade é que ainda não é interessante recuperar — corrobora Daniel Silva, pesquisador do Instituto Internacional para a Sustentabilidade e um dos autores da “Análise Econômica para uma Pecuária mais Sustentável”.

A pesquisa indica que o Brasil pode produzir carne sem desmatar mais e ainda garantir a viabilidade econômica da atividade.

— O investimento inicial na pecuária intensiva pode chegar ao mesmo nível de investimento do plantio de soja, cerca de R$ 2.400 por hectare. É alto, mas a pecuária compensa com o baixo risco de prejuízo. Se atualmente são produzidos 75 quilos de carne por hectare, podemos chegar a 300 quilos sem abrir uma área nova — assegura Silva.

Um ponto-chave, segundo ele, é a baixa exigência do mercado:

— A carne é voltada para o mercado interno, bem menos exigente que o internacional. Somos uma China da carne, muita quantidade e pouca qualidade. Mas temos tecnologia para mudar .

Fonte – Ana Lucia Azevedo, O Globo de 15 de setembro de 2015

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