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Como passar a mensagem da sustentabilidade a quem mais consome?

Château de la Hulpe, BE. Olivierbxl/ Flickr Creative CommonsFoto: Château de la Hulpe, BE. Olivierbxl/ Flickr Creative Commons

O excesso e o inútil são símbolos de poder e riqueza. Como comunicar a mensagem do “menos” a um público tão acostumado com o “mais”? E ainda fazer isso sem ser ecochato? De que forma sensibilizar, engajar essa turma? Está aí um belo desafio de comunicação para a sustentabilidade.

Um dos maiores, senão o principal desafio do movimento da sustentabilidade é conquistar corações e mentes dos públicos “não convertidos”. São parcelas da população que, por motivos diversos, ainda não aderiram plenamente à causa, nem por consciência, nem convicção, nem coerção.

Algumas não foram sensibilizadas o bastante, outras não sofreram punições ou ganharam incentivos suficientes para mudar de hábitos. E existem aquelas – a grande maioria – que, de tão preocupadas com a própria sobrevivência e da família, mal têm condições de pensar em um horizonte que não seja a urgência do tempo presente. Estão às voltas com questões como levar 4 ou 5 horas para se deslocar no trajeto casa-trabalho-casa em um ônibus lotado. Isso quando têm trabalho ou, até mesmo, casa.

Pode-se dizer o movimento da sustentabilidade ainda não atingiu em cheio desde as massas populares, vítimas das desigualdades, até o topo da pirâmide, dono da maior pegada ecológica considerando toda sua afluência e imensa capacidade de consumir.

Todos nós, somando 7 bilhões de pessoas, já consumimos 60% mais recursos naturais do que a Terra é capaz de regenerar. Imaginem em 2050, quando a estimativa é chegar a 9,7 bilhões de habitantes. Entretanto, mais que o aumento populacional, o cerne do problema está na forma como se produz e consome, especialmente quando é excessiva.

“Para se ter ideia, apenas 16% da população mundial é responsável por 78% do consumo total.”

“Se toda a humanidade consumisse como os habitantes mais ricos do mundo, seriam necessários quase cinco planetas”, lembra Helio Mattar, diretor-presidente do Akatu, organização voltada ao consumo consciente que recentemente lançou a campanha “Viva mais com menos”.

Resumindo, o grande nó da sustentabilidade está no consumo – notadamente o dos mais abonados, e especialmente daqueles propensos a adquirir um sem-número de itens desnecessários, supérfluos, fúteis, excessivos.

Como comunicar a mensagem do “menos” a um público tão acostumado com o “mais”? E ainda fazer isso sem ser ecochato? De que forma sensibilizar, engajar essa turma? Está aí um belo desafio de comunicação para a sustentabilidade.

Pois em plena CasaCor, meca dos mais renomados arquitetos, decoradores e paisagistas da América Latina, a mensagem da sustentabilidade foi passada de forma envolvente pelo historiador Leandro Karnal. O desafio de Karnal foi falar verdades inconvenientes para um público instalado em sua zona de conforto – e ser calorosamente aplaudido por essas pessoas.

Em meio a espelhos d’água com seixos importados da Indonésia, paredes em mármore, poltronas revestidas de pele, potiches chineses pintados à mão, peças de cristal Baccarat e biombos translúcidos, a 31ª edição da CasaCor que segue em São Paulo até 23 de julho usou como mote… o “Foco no Essencial”.

Quem procurou se aproximar do tema foi a Casa Sustentável, projeto ecoeficiente criado pela jovem Mariana Crego. A arquiteta é a primeira no Brasil e terceira no mundo a receber o selo de sustentabilidade Aqua-HQEpara projetos de interiores, certificado pela Fundação Vanzolini.

Foi no ambiente de 63 metros quadrados da Casa Sustentável que Leandro Karnal vestiu suas luvas de pelica para desfiar a uma plateia seleta o histórico dos excessos que levaram a humanidade ao estágio atual: somos a primeira geração de humanos que pode cometer suicídio planetário ao extinguir a vida na Terra, mas também a única geração que pode mudar essa rota que segue rumo ao abismo.

Mas se a mensagem era pesada e direta no fígado, a forma como foi comunicada prendeu a atenção do público até o fim, com fino humor, tiradas sarcásticas e envolvente oratória. Nem doeu e ficou a dica.

Em sua palestra, Karnal ilustrou com imagens os exemplos de excessos e desperdício. Gramados, por exemplo. O surgimento de gramados na Inglaterra (como já referenciado pelo autor de Homo Deus, Yuval Harari), foi difundido na França pelo rei Francisco I e serviu para simbolizar riqueza e poder. O dono de um gramado é tão rico que pode imobilizar imensa área sem qualquer utilidade e manter pessoas regando-a e aparando-a para não produzir absolutamente nada, apenas realçar a beleza de sua propriedade.

“O excesso é símbolo do poder. Pé direito alto, mangas compridas, gramado”, disse. É como dizer: tenho tanto que posso desperdiçar. Quanto mais alto o pé direito de uma casa, mais espaço desperdiçado, maior o status.

O mais incrível é como esses valores culturais se propagaram ao longo do tempo: vêm de Francisco I e chegam aos americanos que gostam de se mostrar aparando a grama de suas casas nos subúrbios e cuidando do cachorro, em sinal de prestígio.

O inútil também simboliza riqueza – qual a necessidade do souplat, do aro do guardanapo e das flores na mesa? Os arranjos podem embelezar, mas ele lembrou às decoradoras e arquitetas de interiores da plateia que é perfeitamente possível comer sem flores à mesa. (Clique e ouça este trecho)

Para contrastar, Karnal resgatou a história do filósofo Diógenes que, em extremo desapego material, decidiu fazer de uma tina de vinho a sua casa, ao se dar conta de que o ato de “ter” leva à infelicidade. Quanto mais se tem coisas, mais coisas se deseja e se precisa ter. Uma casa grande leva à necessidade de preenchê-la com mais objetos, que exige mais funcionários para limpá-los, e assim por diante. É interminável.

Diógenes tinha apenas uma cumbuca para beber água. Mas quando viu um menino tomando água no rio usando as mãos, desfez-se do objeto: “Para que eu preciso de tanto?”, filosofou.

Karnal se valeu desses exemplos extremos para dizer que o modo como se habita o mundo é também um gesto de responsabilidade política, social, ecológica. Habitar não começa na casa, começa no interior da alma, na harmonia consigo mesmo.

O historiador remeteu ao sociólogo Zigmunt Bauman, que sugeriu descrever as lojas como farmácias, onde as pessoas, no ato de comprar, buscam remédios para aliviar dores emocionais e preencher seus vazios. Enquanto isso, elas olham para seus closets abarrotados e dizem: “Não tenho nada para vestir!”

Neste mundo atulhado, nenhuma fralda descartável, por exemplo, se decompôs até hoje, visto que duram de 450 a 500 anos. A geração que inventou a fralda descartável mal tinha noção de todos os estragos que produzia.

O Landau, automóvel cultuado na década de 1970, consumia “meia calota polar” por tanque. Hoje, estão disponíveis informações para o usuário de um SUV sobre os impactos que as emissões causam ao clima. O desafio não é tanto mais de informar, é de convencer. Sobretudo, estabelecer novos valores.

Karnal sintetiza assim a história da sustentabilidade: surgiu um conceito novo, segundo o qual não sou dono deste mundo, sou um locatário momentâneo, preciso entregá-lo em boas condições para as gerações que vêm aí. “Quanto mais civilizado sou, mais uso as coisas na medida. Nada mais cafona do que esbanjar, consumir muito, ostentar, ser através do ter”.

À plateia ainda atenta, ele frisa: “Não posso mudar o mundo, mas posso mudar a mim mesmo. Todo problema causado pelo ser humano tem uma solução humana. O problema é que somos bons em omitir a própria responsabilidade”, como relata neste áudio.

Mas a questão é quando os problemas causados pelo homem atingem uma dimensão tamanha que escapam ao controle humano. Estamos neste limiar e, em alguns casos, já o ultrapassamos. Ainda há o que se pode fazer para minimizar, mas vários efeitos das escolhas inconsequentes já são irreversíveis.

O que este texto – com uma abordagem bastante mais sombria – sugere é que a comunicação, principalmente por parte de quem produz o conhecimento, como os cientistas, tem sido tímida demais. Não é incisiva o suficiente para alertar que os efeitos da mudança do clima são mais graves e mais próximos do que pensávamos.

Vem aí fome, colapso econômico e um sol que nos irá cozinhar. O estrago está dado, o que resta à nossa geração é uma oportunidade exígua de calibrá-lo um pouco e se adaptar a ele, antes que os excessos do consumo nos consumam de vez.

A narrativa catastrofista, ainda que seja fiel à catástrofe que de fato se avizinha, pode repelir as pessoas, induzindo-as à negação e a aproveitar o máximo da vida enquanto podem. A pior opção será a da inação, o que valida bastante uma abordagem de comunicação mais envolvente como a experimentada por Karnal.

Fonte – Amália Safatle, Página 22 de 13 de junho de 2017

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