Por Amália Safatle - Pagina22 - 15 de novembro de 2024 - Segundo pesquisa da Market…
Congresso de Jornalismo Ambiental debate sobre estratégias para atrair leitores
Procuram-se leitores de notícias sobre sustentabilidade. Não se faz discriminação de gênero, credo, cor. Mas há uma exigência da qual não se pode abrir mão: é preciso querer e gostar de ler sobre assuntos que vão além das manchetes. Pessoas que não se intimidam e não desviam o olhar ao se depararem com temas como chegada do fracking ao Brasil; votação da PEC-215; importância das bacias hidrográficas no fornecimento de água para grandes cidades; envolvimento das transnacionais em questões de direitos humanos.
Oferecem-se informação com conteúdo e de boa qualidade, mas que não pode ser percebida num único “touch”, que não se limita a poucos caracteres. Textos grandes, analíticos, com citações e janelas que remetem a outros textos ainda mais complexos. Reportagens, entrevistas e artigos que muitas vezes poderão deixar o leitor desanimado com o mundo que se está construindo. Não se oferece entretenimento.
Depois de ter passado os dois últimos dias (21 e 22) no IV Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, organizado pela Agência Envolverde em São Paulo, cercada por colegas e estudantes, imaginei um anúncio como este. Estive como palestrante numa das mesas, com o mote de discussão sobre cidades sustentáveis. Percebi, porém, que em todas as propostas de reflexão, em todas as perguntas que o público fazia aos palestrantes, como pano de fundo a questão principal era: afinal, há uma estratégia de sedução para aumentar o interesse dos leitores pelos temas ligados à sustentabilidade?
Diferentemente de boas reportagens, a preocupação sobre a escala que se ganha com notícias de sustentabilidade não se baseia em dados, em números, mas numa percepção de que temos menos leitores do que gostaríamos. Estamos tão envolvidos com o tema, que nosso ideal é vê-lo perpassando todas as reportagens, não em nichos. Pensar em sustentabilidade é, por exemplo, constatar que a seca de São Paulo é provocada pelo desmatamento na Amazônia. É querer que todo mundo entenda isso, até para poder cobrar do agronegócio que avance menos sobre a região. É não se importunar com temporais porque a terra agradece; é não jogar nada fora sem pensar no ciclo de vida daquilo que vai para o lixo. E por aí vai.
Foi bom refletir em grupos e reparar na nossa diversidade, os autointitulamos jornalistas ambientais. Nem sei se me enquadro no rótulo, acho que não. Havia ali jornalistas mais assustados com o futuro da mídia, outros mais conformados. A percepção geral é que a sociedade hoje quer ler textos pequenos, entender tudo numa única frase e se sente entediada, abandona artigos longos. Será que estamos todos, como diz o sociólogo e pensador polonês Zygmunt Bauman, inundados com informações, “numa quantidade maior do que o cérebro pode suportar?”.
E havia também os otimistas com as novas oportunidades e com a possibilidade de diversificação. Gosto da provocação que faz o filósofo francês Gilles Deleuze: “Não podemos dizer que tudo convém a todos. As pessoas têm que esperar”.
Pude me lembrar, por exemplo, dos primeiros tempos do “Razão Social”, suplemento do jornal “O Globo” sobre sustentabilidade que comecei a editar em 2003. Na época essa palavra ainda tentava encontrar espaço na mídia, e os designers do caderno sempre pediam para eu evitar escrevê-la num título. Proparoxítonas em manchetes não são bem-vindas.
De lá para cá, muita mudança. A palavra foi percebida, absorvida pelo público. Já existem até grandes eventos que conseguem atenção com esse mote, como o Virada Sustentável que aconteceu em São Paulo em agosto. Por outro lado, continua sendo difícil atrair a maioria dos leitores para fazer links como o que demonstrou a professora Monica Borba, gestora do Instituto 5 Elementos numa das mesas do Congresso: a maior parte do lixo no país é orgânico, o chamado lixo úmido. No entanto, a grande preocupação de todos, inclusive dos governantes, é com a reciclagem. Por que será?
A falta de interesse do público pelas mudanças climáticas, assunto imbricado na sustentabilidade, preocupa também os estudiosos do tema. Numa das mesas do Congresso com foco na COP-21, que vai acontecer em Paris no fim do ano, a Diretora do World Resources Institute no Brasil, Rachel Biderman, levantou a possibilidade de que o caráter sempre catastrófico que acompanha esse debate afasta os leitores.
“A informação sobre a mudança do clima existe. Os jornalistas mediam a Ciência. O desafio é como se toca o coração de cada indivíduo para a ação, para buscar mudanças e para pressionar os políticos a aprovarem novas políticas que levem ao caminho de baixar emissões. Penso que a notícia de um doente que está no CTI não afeta as pessoas. A boa notícia é fundamental. A informação sobre futuras calamidades imobiliza, uma minoria se sente convocada”, disse Biderman.
Ficou a sugestão. Na mesma mesa, a co-fundadora e coordenadora do Engajamundo, Raquel Rosemberg, mostrou outra possibilidade. O Engajamundo é uma organização que funciona em rede e nasceu durante a Rio+20, formada por voluntários que se sentiram instigados a seguir o exemplo de organização e participação dos jovens dos países do Norte. Para ela, que acredita nos espaços de Conferências do Clima como oportunidade para fazer relações que levem à criação de soluções, a mídia precisa contar histórias inovadoras, que inspirem.
É, pode ser. Mas nessa linha da inovação, a mesa sobre “Novos negócios no jornalismo” trouxe exemplos que estão dando certo, como o Earth Journalism Network (EJN), uma rede de profissionais do mundo inteiro que se junta para informar sobre mudanças climáticas. E como o Estúdio Fluxo que se autointitula mídia alternativa e se organiza como um espaço não só para debater sobre questões climáticas, mas também sobre política nacional e outras questões relevantes.
Gustavo Faleiros, do EJN e Bruno Torturra, do Fluxo, trouxeram uma espécie de “ares novos” para a velha questão, já que se inserem completamente na maior das revoluções que a profissão de jornalismo enfrenta há cerca de duas décadas aqui no Brasil: a internet. Bem-sucedidos, embora com as mesmas questões de mercado que embalam outras publicações.
Teriam conseguido a receita? Teriam encontrado o caminho para chegar aos leitores que conseguem tempo, paciência e se sentem atraídos a refletir sobre uma nova ordem mundial? Ou, como bem definiu a jornalista Maria Zulmira, criadora do Repórter Eco da TV Cultura, que sintam atraídos à “Visão holística que conduz a um poder transformador”, de passar a ver as coisas com todas as implicações?
Fiz esta pergunta a Torturra, que inclinou a cabeça para trás numa gargalhada, disse que a questão era boa, mas demonstrou que ainda tem dúvida. Sua meta é que as pessoas paguem pela informação via internet. Está otimista, acha que conseguirá.
Gosto da teoria de E. F. Schumacher, o economista britânico morto em 1977 que instigou seus colegas a pensarem que é possível conseguir sucesso sem precisar de muita escala. Mas certamente, sobretudo em se tratando de notícias, era mais fácil pensar assim num mundo menos global.
Fonte – Amelia Gonzalez, Blog Nova Ética Social de 24 de outubro de 2015
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