Por Pedro A. Duarte - Agência FAPESP - 12 de novembro de 2024 - Publicado…
Contaminação Da Biodiversidade Por Transgênicos, Parte 2/6
NODARI et. al. (2010) assinala que neste inicio do Século XXI, o cenário é marcado fortemente por duas características. A primeira, é que a eficiência do ciclo do melhoramento diminui muito para muitas espécies, sendo que um dos principais fatores é a baixa variação genética utilizada a cada novo ciclo, já que nem todos os agricultores continuaram a fazer inovações.
Isto resulta que a maioria dos cultivares, por exemplo, de soja ou milho, lançados e cultivados em larga escala, sejam aparentados entre si, ou seja, tenham em sua genealogia uma origem comum, portanto uma base genética estreita.
A outra característica citada por NODARI et. al. (2010) é a retomada por uma parte significativa de agricultores nas atividades de inovações. Estas inovações incluem o resgate, o uso sustentável, o desenvolvimento de novas combinações genéticas, a seleção e a conservação “on farm” ou de forma comunitária.
Aliado aos agricultores que nunca abandonaram seu papel de agentes ativos na conservação e uso sustentável da biodiversidade, o contingente de agricultores que retomaram seu papel histórico de guardiões da biodiversidade ou guardiões de sementes é crescente, o que serve de alento para a humanidade e merece o adequado reconhecimento, conforme NODARI et. al. (2010).
A domesticação e plantas e animais ocorreu simultaneamente em várias partes do mundo. Onde houve maior concentração de atividades e inovações, esta domesticação resultou no desenvolvimento de variedades de diferentes espécies adaptadas a distintas condições ambientais.
Estes locais são denominados de Centro de Diversidade, regiões onde existem elevados níveis de variabilidade de uma espécie ou complexo de espécies de interesse humano. A diversidade nestes centros de diversidade genética é resultado de fatores de natureza histórica, ecológica, genética e cultural.
Neste contexto, a região de Ipê no Rio Grande do Sul, pode ser considerada um centro de diversidade de goiabeira-serrana, uma planta frutífera nativa do sul do Brasil e do norte do Uruguai, pertencente à família das Mirtáceas, já que as avaliações têm indicado uma grande variabilidade genética para várias características, como peso e rendimento de polpa dos frutos (VILPERTE et al., 2010), época de frutificação, teor de sólidos solúveis totais e assim por diante.
Esta espécie foi levada do Uruguai para a França e de lá, se espalhou para o mundo. Atualmente os dois países que mais cultivam e produzem esta fruta são a Nova Zelândia e a Colômbia, que exporta frutos para o Brasil, que é berço da espécie.
A Pesquisa Participativa realizada pela UFSC em parceria com comunidades de agricultores agroecológicos, organizados no âmbito do Centro Ecológico de Ipê, RS, revelou que para a goiabeira-serrana a época de colheita dos frutos nas propriedades dos agricultores varia de fevereiro a julho, sendo maior que em outras regiões.
Igualmente importante é o teor de sólidos solúveis totais, que proporciona o sabor adocicado do fruto. Nesta região foram encontrados os maiores valores comparativamente a frutos de outras regiões do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina.
Além disso, flores de cor branca foram encontradas unicamente nesta região. Além disso, o manejo efetuado pelos agricultores ao nível de paisagem permitiu a promoção da espécie e está permitindo o seu uso sustentável, e contribuindo para sua conservação “on farm” (DONAZZOLO et al., 2009).
Este processo evidencia também que em algum grau vem ocorrendo a seleção, de forma inconsciente ou consciente, de genótipos mais adaptados as condições locais, o que demonstra o papel preponderante que a ação desses agricultores têm como guardiões dessa diversidade. Embora a região também sofra as fortes pressões das mudanças da agricultura industrial e parte desta diversidade corra risco de ser perdida.
Este é um exemplo de que os agricultores continuam fazendo inovações, mantendo a biodiversidade e adaptando genótipos a ambientes específicos.
O fator essencial ao melhoramento genético que á diversidade, está disponível e em constante co-evolução com seu meio. No entanto, existem milhares de comunidades ao redor do mundo e boa parte delas sofreram ou vem sofrendo os impactos dos tempos modernos e deixando de usar essa capacidade de inovar, o que precisa urgente ser retomado.
Ao reconhecer o papel dos agricultores relacionados com a biodiversidade, a Organização das Nações Unidas para a Agricultura (FAO) aprovou em 1989 a Resolução 5/89, que estabelece direitos derivados de contribuições passadas, presentes e futuras na conservação, melhoramento e disponibilidade de recursos genéticos vegetais, particularmente aqueles nos centros de origem/diversidade.
Esta resolução visava que a necessidade de conservar fosse reconhecida. E que a manutenção de fontes de variação, proporcionassem aos agricultores os benefícios dos recursos genéticos. No entanto, não foi isto que aconteceu.
Exceção de pouquíssimos países como a Índia, a maioria dos países se negam, a inserir em seu arcabouço legal o direito dos agricultores.
A conservação “on farm” significa o “manejo sustentável da diversidade genética de variedades agrícolas tradicionais localmente desenvolvidas, associadas a formas e parentes silvestres e desenvolvidas por agricultores dentro de um sistema de cultivo agrícola, hortícola ou agro-florestal tradicional” (MAXTED et al., 1997).
Em tese, a conservação “on farm” implica em uma forma dinâmica de conservação da diversidade genética por meio do uso contínuo em cultivo, também chamada de conservação na propriedade ou conservação sob cultivo.
A conservação “on farm” é um importante componente da conservação e da seleção de recursos genéticos, sendo praticada pelos agricultores há milênios. Esse tipo de conservação se fundamenta num contínuo processo de evolução e adaptação, onde novos variantes surgem e são desafiados pela seleção natural e artificial (STELLA et al., 2004).
Praticada há milênios pelos agricultores, a conservação “on farm” vem sendo reconhecida como uma importante estratégia de conservação, de uso e manejo e de seleção de recursos genéticos.
Embora considerada como alternativa na década de 70, quando os esforços para conservação genética se intensificaram, a estratégia on farm não se consolidou conforme (BRUSH, 2000).
Mas a conservação “on farm” é considerada, atualmente, uma importante estratégia complementar de conservação de recursos genéticos.
Para Stephen BRUSH (2000), a conservação “on farm” precisa ser promovida porque elementos-chave dos recursos é um dos elementos genéticos dos cultivos que não podem ser capturados e mantidos fora da área de cultivo.
Porque os agroecossistemas continuam a gerar novos recursos genéticos, e pela necessidade de manutenção a campo de uma duplicata do banco de germoplasma e finalmente porque os agroecossistemas em centros de diversidade ou de evolução se constituem em laboratórios naturais para pesquisa agrícola.
Além disso, Stephen BRUSH (2000) argumenta que agora são reconhecidas as relações ecológicas, tais como fluxos gênicos entre diferentes populações e espécies, adaptação e seleção contra predação e doenças e seleção humana e manejo dos diversos recursos genéticos dos cultivos como componentes de um sistema evolutivo comum.
Diferentemente da conservação “ex situ”, a conservação “on farm” requer alto grau de descentralização e trocas entre agricultores, cientistas, técnicos de campo e gestores governamentais.
Assim, a importância de redes de geração e difusão do conhecimento ou transferência de tecnologia no âmbito das políticas públicas, integra ações distintas, sinérgicas e complementares dos diferentes atores sociais e econômicos.
As características das variedades crioulas são as que permitem o uso potencial para a produção sustentável dos elementos essenciais para a humanidade, tais como alimentos, fibras e medicamentos, entre outros. E esta agrobiodiversidade tem sido construída e mantida por populações tradicionais (TUXILL, 2000).
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Roberto Naime, Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
Fonte – EcoDebate de 24 de agosto de 2016
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