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Dá-me teu lixo e direi quem tu és

Quem não conhece a crônica O Lixo, inserta no Analista de Bagé de Luiz Fernando Veríssimo? Aquela crônica é uma bela interpretação gravimétrica feita por dois vizinhos. Vale a pena conhecer ao menos um excerto:

(...)
- Desculpe a minha indiscrição, mas tenho visto o seu lixo...

- O meu quê?

- O seu lixo.

- Ah...

- Reparei que nunca é muito. Sua família deve ser pequena...

- Na verdade sou só eu.

- Mmmm. Notei também que o senhor usa muito comida em lata.

- É que eu tenho que fazer minha própria comida. E como não sei cozinhar...

- Entendo.

- A senhora também...

- Me chame de você.

- Você também perdoe a minha indiscrição, mas tenho visto alguns restos de comida em seu lixo. Champignons, coisas assim...

- É que eu gosto muito de cozinhar. Fazer pratos diferentes. Mas, como moro sozinha, às vezes sobra...

- A senhora... Você não tem família?

- Tenho, mas não aqui.

(...)

Como se vê, a vida se reproduz na arte. Mas o lixo é isto mesmo. Uma parte de nossa vida jogada fora que revela quem somos, nossos costumes, nossas intenções.

Para se determinar a composição do resíduo sólido urbano se promove uma análise gravimétrica. Esta análise, de regra, tem sido feita no Brasil nos termos da norma técnica ABNT NBR 10007:2004, que tem o título “Amostragem de resíduos sólidos”.

Assim, o resíduo é homogeneizado através do processo de quarteamento, que segundo a norma citada é um “processo de divisão em quatro partes iguais de uma amostra pré-homogeneizada, sendo tomadas duas partes opostas entre si para constituir uma nova amostra e descartadas as partes restantes. As partes não descartadas são misturadas totalmente e o processo de quarteamento é repetido até que se obtenha o volume desejado.”  Depois de atingido este volume, então é separado o material e classificado.

O conhecimento da gravimetria dos resíduos é de suma importância tanto para o gestor quanto para o cidadão. Para o gestor permitirá a escolha de boas práticas para a solução dos resíduos. Para o cidadão, a fiscalização se a prática adotada condiz com a realidade.

Já que comecei contando história, agora vou contar uma história real. Há uma década atrás eu coordenei um projeto para tratamento de resíduos sólidos urbanos em Maringá. Para tanto foi necessário, durante o projeto, promover diversos gravimétricos, que nos deram um retrato muito fiel do que eram os resíduos de nossa cidade. Um dado me lembro bem: o gravimétrico revelou que em 300 toneladas diárias de RSU, Maringá produzia a média de 8 toneladas de fraldas, ou seja, quase 3% do total de resíduos eram de fraldas, o que poderia significar duas coisas: muitos bebes ou muitos idosos. Não me lembro o quantitativo entre as fraldas geriátricas e as infantis, mas o importante é que o lixo poderia naquele caso revelar faixa etária populacional e definir necessidades de políticas públicas!

Também no gravimétrico dá para saber o grau de eficiência da coleta seletiva, entre tantas outras coisas.

Para o cidadão, conhecendo o gravimétrico, pode por exemplo, saber se o município está definindo o tratamento adequado ao lixo. Muito orgânico justifica uma compostagem acelerada, além de adotar uma política de contenção de desperdício de alimentos na cidade.

Por fim, também é importante salientar que este perfil do lixo é obrigatório nos Planos Municipais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, conforme manda a Lei 12.305/10.

Fonte – Rogel Martins Barbosa, advogado, professor do curso #HistoriaDosResiduos e autor, entre outras obras, do livro Política Nacional de Resíduos Sólidos Urbanos – Guia de Orientação para Municípios.

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