Por Jean Silva* - Jornal da USP - 1 de novembro de 2024 - Tucuruvi,…
Declínio da biodiversidade em todo o planeta ameaça bem-estar da humanidade
Sudan, o último rinoceronte branco macho do mundo, no OL Pejeta Conservancy, no Quênia. Foto: AP Photo
Alerta é de relatório lançado por um painel internacional de cientistas que avaliou o problema em todas as regiões do planeta; nas Américas, 65% da contribuição da natureza para a humanidade está em queda
A biodiversidade em todo o mundo está em forte declínio, em um processo de perda de espécies que atinge todas as regiões do planeta. Isso reduz a capacidade da natureza de contribuir para o bem-estar da humanidade, uma vez que afeta a produção de alimentos, a geração de água limpa e de energia, impactando as economias e os meios de subsistência.
Esse é o alerta de quatro relatórios lançados nesta sexta-feira, 23, pelo IPBES, uma plataforma intergovernamental que reúne mais de 500 cientistas com o objetivo de avaliar o conhecimento científico sobre a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos, assim como o IPCC faz para as mudanças climáticas.
O trabalho analisou a situação de perda de biodiversidade e seus impactos para a qualidade de vida das pessoas em todas as regiões do planeta (com exceção dos pólos e oceanos) e observou que, com a exceção de alguns casos, a degradação é generalizada. E é provocada por redução de habitats, super exploração e uso insustentável dos recursos naturais, poluição da terra, do ar e do solo, aumento em número e em grau do impacto de espécies invasoras, além das mudanças climáticas.
“Sabemos há muitas décadas que estamos perdendo a biodiversidade. Esse trabalho é inovador ao mostrar que a qualidade de vida das pessoas depende das contribuições que a natureza oferece como um todo”, disse ao Estado a bióloga brasileira Cristiana Simão Seixas, pesquisadora da Unicamp e co-coordenadora do grupo de trabalho que fez o relatório das Américas.
“As pessoas em geral estão desconectadas disso. Não pensam no que a biodiversidade tem a ver com a vida delas. Realmente o foco foi mostrar esse link, como a qualidade de vida, o bem-estar humano dependem da natureza”, complementa. “As pessoas esquecem que o que elas comem, o que elas vestem, a água que tomam, a energia que usam vem dos materiais que estão na natureza.”
Uma forma de mostrar isso foi colocando um valor para esses serviços prestados. Para as Américas, por exemplo, o trabalho estima em mais de US$ 24 trilhões por ano o valor econômico das contribuições da natureza terrestre para as pessoas – esse valor equivale ao PIB de toda região. Mas 65% dessas contribuições, alertam os pesquisadores, estão em declínio. E 21% estão diminuindo fortemente. Não foram feitas análises específicas por país.
Foto de 2015 mostra áreas desmatadas na região amazônica do Mato Grosso Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO – 13/10/2015
Segundo o trabalho, essa perda ocorre de várias formas. Boa parte da áreas úmidas, por exemplo, está sendo transformada pela expansão da agricultura e da urbanização. A biodiversidade marinha, em especial à relacionada com recifes de corais e mangues, tem sofrido grandes perdas nas últimas décadas, o que reduz a oferta de alimento e meios de subsistência para populações costeiras.
A região das Américas, que abrigam 7 dos 17 países mais biodiversos do mundo e têm algumas das mais extensas áreas selvagens do planeta, foi considerada a que tem a maior capacidade em todo o planeta de produzir materiais naturais que podem ser consumidos pelos seres humanos. Segundo o levantamento, as Américas contêm 40% da capacidade dos ecossistemas mundiais de ter essa produção, ao passo que abriga somente 13% da população humana global.
“Essa capacidade resulta em três vezes mais recursos fornecidos pela natureza per capita nas Américas do que os disponíveis para um cidadão global médio. Esses recursos contribuem de forma essencial para a segurança alimentar, segurança hídrica e segurança energética, bem como para o fornecimento de contribuições reguladoras como polinização, regulação climática e qualidade do ar, além de contribuições não materiais como saúde física e mental e ‘continuidade cultural'”, aponta o estudo.
Em queda
É, porém, um quadro que está sob forte ameaça. De acordo com o relatório, a maior parte dos países da região usa a natureza de modo mais intensivo que a média global, excedendo sua capacidade de se recuperar. Os 13% da população mundial que vivem na região são responsáveis por 22,8% da “pegada ecológica” global – ou seja, o quanto de impacto a humanidade causa sobre os recursos da Terra.
E a tendência, se o uso dos recursos continuar no mesmo nível, é que a degradação só vai piorar, em decorrência de um outro fator: as mudanças climáticas. A expectativa é que o clima possa afetar negativamente a biodiversidade até 2050 tão fortemente quanto hoje impactam as pressões impostas pelas mudanças no uso da terra.
De acordo com o estudo, hoje, em média, as populações de espécies na região tiveram uma redução de cerca de 31% em relação às que existiam antes da chegada dos europeus às Américas. Com os efeitos crescentes da mudança climática adicionados aos outros fatores, essa perda é projetada para atingir 40% até 2050.
O relatório lembra que cerca de ¼ das 14 mil espécies dos grupos avaliados pela União Internacional pela Conservação da Natureza (IUCN) nas Américas são consideradas como em alto risco de extinção.
Dos grupos de espécies endêmicas avaliados quanto ao risco de extinção, mais da metade das espécies no Caribe, mais de 40% na Mesoamérica e quase um quarto na América do Norte e na América do Sul estão sob alto risco, diz o estudo.
Fonte – Giovana Girardi, O Estado de S. Paulo de 23 de março de 2018
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