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Deslocalização agrícola – Terceirização de terras prejudica países em desenvolvimento

Cresce a tendência de ‘offshore farming’

Há países e investidores comprando e arrendando extensas áreas cultiváveis em nações pobres para produzir alimentos. As populações locais só têm a perder, alertam críticos.

Os especialistas já falam de uma verdadeira caça à terra alheia, motivada pelos mais diversos fatores. Arábia Saudita, Japão, China, Coreia, Líbia e Egito são países que precisam importar alimentos, a fim de suprir a demanda interna da população.

Há meses, as autoridades competentes dessas e de outras nações estão negociando a compra ou arrendamento de terra fértil no Brasil, Sudão, Uganda, Camboja e Paquistão, por exemplo, confirmando uma tendência mundial denominada offshore farming.

E não só representantes governamentais, mas também investidores privados, estão à procura de terras cultiváveis, a baixo preço, em todos os continentes, seja para garantir a produção da indústria alimentícia ou para o cultivo de plantas destinadas à produção de biocombustível.

Alemães também

Os empresários alemães também estão nesse barco. A Barnstedt eG e a prefeitura de Uelzen, cidade pequena situada no norte alemão, por exemplo, já compraram terras na Rússia para esse fim. A Agranus AG, sob direção de um ex-executivo da Bayer, arrendou consideráveis extensões de terra na Romênia, Bulgária e na República Tcheca. Já a Prokon GmbH e a Co KG dispõem de mais de 10 mil hectares na Tanzânia, enquanto a empresa Flora Ecopower, de Munique, marca presença na Etiópia.

De acordo com estimativas da ONU, desde 2005, entre 15 e 20 milhões de hectares de terra de países em desenvolvimento foram vendidos ou arrendados por nações mais ricas, extensões que equivalem a nada menos que um quinto das superfícies cultiváveis da Europa. Negócios que acabam, por diversas razões, prejudicando as populaçõoes de regiões carentes, afirma Roman Herre, especialista em reforma agrária da Fian, uma organização internacional de defesa dos direitos humanos.

“A água, um recurso natural cada vez mais escasso, se tornou um bem extremamente estatégico. É evidente que muitas dessas empresas asseguram, através do acesso à terra, também o acesso à água. Há avaliações de especialistas de que haverá, no futuro, uma escassez muito maior de água do que de combustíveis fósseis”, observa Herre.

População local em desvantagem

Hoje, comenta o especialista, a falta de acesso à terra e água já pode ser considerada o maior problema para pequenos produtores rurais. A compra ou arrendamento de grandes áreas por estrangeiros acaba gerando somente poucos empregos para a população local. Muitas vezes – como é o caso dos chineses na África – os países que compram ou arrendam a terra também enviam a mão-de-obra de casa.

Os agricultores locais estão ameaçados de serem expulsos das áreas que até então cultivavam. Esse foi o caso, por exemplo, de Peter Baleke Kayiira, obrigado a fugir, já em 2001, das Forças Armadas na Uganda. Tudo isso porque o governo ugandense havia aceitado que uma empresa alemã que comercializa café usasse a região ao redor de seu povoado para uma plantação.

“Antes de sermos expulsos tudo estava bem, tínhamos nosso sustento garantido e até sobrava parte da produção que vendíamos. Agora isso não é mais possível. Só conseguimos fazer uma refeição por dia, as crianças não podem mais frequentar a escola. Se continuar assim, daqui a pouco seremos escravos”, descreve Kayiira.

Parca participação

As negociações que definem as condições de venda ou arrendamento de terra se realizam, na maioria das vezes, sem a participação da população local. Como o que aconteceu em Madagascar, onde o governo caiu no início do ano, depois que veio a público a intenção das autoridades de arrendar metade das zonas cultiváveis do país para um grupo da Coreia do Sul pelo prazo de nada menos que 99 anos.

Esse não é um caso isolado, diz Herre, lembrando que no Quênia houve uma situação semelhante. “Lá, o emirado árabe Catar recebeu grandes extensões de terra, em troca da promessa de investir na região, entre outros na construção de um porto local.

O exemplo do Quênia e de Madagascar são clássicos, pois nesses dois países, como em muitos outros, a população local está sendo completamente ignorada durante tais negociações. Esses contratos são, na maioria das vezes, ocultados da opinião pública e só vêm à tona por acaso”, denuncia o especialista da Fian.

Promessas vazias

A experiência da organização mostra que os investidores, nesses contratos, costumam prometer projetos compatíveis com o desenvolvimento social local, bem como a criação de postos de trabalho e melhoria da infraestrutura. Essas promessas, contudo, quase nunca são cumpridas. Além disso, é importante lembrar que a produção agrária em escala industrial também afeta o meio ambiente de forma decisiva.

“Quando se vê que o Banco Mundial, por exemplo, quer investir quatro bilhões de euros nos agronegócios, pode-se partir do princípio de que essas terras serão basicamente ocupadas pela monocultura e o consumo de água será extremamente alto. O uso de pesticidas e adubo também se intensifica, algo altamente prejudicial ao meio ambiente”, explica Heere.

Desde a recente crise de alimentos de 2008, cresce – pelo menos nos setores de cooperação internacional – a consciência de que os pequenos produtores dos países do hemisfério sul são os que mais sofrem com o problema. Um acesso justo e igualitário à terra e à água e uma participação real das populações locais nos processos de decisão fazem parte do direito humano ao alimento, reconhecido pelo direito internacional. Isso é o que todo governo tem que garantir, conclui o especialista Heere.

Fonte – Ulrike Mast-Kirschning, Agência Deutsche Welle / EcoDebate de 14 de agosto de 2009 / Revisão de Simone Lopes

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