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Desmatamento no Cerrado faz desaparecer plantas usadas há séculos pela medicina popular

Desmatamento no Cerrado faz desaparecer plantas usadas há séculos pela medicina popularO barbatimão é um poderoso cicatrizante que anda escasso. Seu princípio atua em processos inflamatórios. | Foto: Eurico Zimbres/CC BY-SA 3.0

Apenas 8% do território do bioma estão sob regime de conservação

O desmatamento que, nas últimas décadas, consumiu mais da metade da cobertura vegetal do Cerrado está levando à extinção plantas que poderiam ajudar a curar uma infinidade de doenças. As plantas medicinais são vítimas do avanço desenfreado de monoculturas de soja, sorgo e milho que dominam a paisagem do Brasil central.

Se continuar o ritmo atual de desmatamento do Cerrado, o bioma poderá ter até 2050 a maior extinção de plantas no mundo desde 1500. Seriam pelo menos 450 espécies que em um primeiro momento poderiam sumir do mapa. O alerta veio a partir do trabalho de um grupo de pesquisadores brasileiros publicado em março deste ano na revista Nature Ecology and Evolution.

Com isso, o país está em vias de perder ativos da biodiversidade que deveriam, por lei, serem protegidos, mas que sucumbem à força do agronegócio e de práticas de uso do solo incompatíveis com a ideia de conservação do bioma.

Junto com as plantas, vai embora também uma cultura milenar de uso dessas plantas medicinais pelos povos e comunidades tradicionais que habitam a região há milhares de anos.

O conhecimento sobre o uso das plantas de cura do Cerrado é um acervo cultural acumulado pelos povos originários do Cerrado, depois compartilhado com as populações negras e os europeus que vieram junto com a colonização, uma transferência de cultura que soma, segundo alguns estudiosos, mais de 10 mil anos.

Raizeiros, benzedeiras, pajés e parteiras que detém esse saber tradicional já interpretaram os sinais que os cientistas estão confirmando e estão temerosos quanto à sobrevivência de suas práticas, ameaçadas também pelo preconceito alimentado pelos grandes laboratórios farmacêuticos.

Tudo fruto da ausência crônica de políticas públicas que poderiam integrar o uso das plantas medicinais e os conhecimentos tradicionais ao sistema nacional de saúde pública.

Reunidos no último final de semana no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, as comunidades e povos tradicionais que usam regularmente as plantas nativas para sua medicina confirmam na prática o desaparecimento dessas espécies. E clamam pela proteção do Cerrado.

Morador do município de Alto Paraíso de Goiás, Tom das Ervas, como é conhecido na região, cita o caso do velame branco, uma espécie nativa do Cerrado utilizada tradicionalmente como depurativo do sangue.

“É preciso ir cada vez mais longe para encontrar os remédios. Estamos cercados por lavouras de soja, que além avançarem sobre a vegetação nativa também trazem os agrotóxicos que contaminam as plantas das regiões vizinhas pelo uso de pulverizadores com veneno”, explica.

Na opinião de Marineide Pereira Moreira da Silva, erveira do município de Pirenópolis, o barbatimão, poderoso cicatrizante, também anda escasso. Pelo mesmo caminho, conta, segue a planta denominada agoniada, cujo princípio atua em processos inflamatórios dos órgãos de reprodução femininos.

Ilton Pereira da Silva, que há 46 anos prepara medicamentos e trata com base nas plantas do Cerrado lista ainda que a dispersão do capim braquiária pela pecuária convencional está tirando espaço da vegetação nativa. “Onde tem esse capim invasor, não cresce mais nada”. O fogo descontrolado, segundo ele, também é um inimigo das plantas medicinais.

Ampliar para proteger

Para os povos e comunidades tradicionais do Cerrado, uma das maneiras de conter o avanço da degradação é aumentar as áreas de proteção ambiental, dando chance para que as plantas de aplicação medicinal fiquem resguardadas para as futuras gerações.

O Cerrado, segundo maior bioma da América do Sul abrange 12 estados do país, mas apenas 8% do seu território estão sob regime de conservação. Uma das área protegidas mais emblemáticas nesta imensa região é o Parque Nacional dos Veadeiros, onde acontece o encontro dos raizeiros.

Com cerca de 65 mil hectares, o parque está em vias de ser ampliado. A proposta de ampliação, já acertada entre o governo de Goiás e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, triplicaria a área do parque.

Trata-se de uma área de proteção integral onde não se permite a coleta de espécies, a não ser com autorização para pesquisas científicas. Mesmo assim, os participantes do encontro abraçaram a causa da ampliação.

Eles entendem que quanto mais áreas nativas houver, mais chance haverá para as plantas nativas.“Se o parque aumentar, podem vir mais recursos para a região”, espera Josué Faustino de Souza, de Terezina de Goiás.

A flora existente no parque nacional é o que mais atrai os cientistas. Das mais de 400 pesquisas desenvolvida na unidade, 83% referem-se à botânica”, explica o chefe da unidade, Fernando Tatagiba. Segundo ele, ampliar o parque significa uma chance para que, pelo menos esta área, possa servir de banco genético para o futuro.

wwf-raizes-ciclovivoDona Fiota: Quilombolas cuidam do Cerrado e têm nele fonte de recursos. © Foto: Jaime Gesisky

Tom das Ervas, de Alto Paraíso: cada dia mais difícil encontrar as plantas para os remédios. © Foto: Jaime GesiskyTom das Ervas, de Alto Paraíso: cada dia mais difícil encontrar as plantas para os remédios. © Foto: Jaime Gesisky

Pir'ka, pajé da etnia Krahô: conhecimentos milenares associados à biodiversidade. © Foto: Jaime GesiskyPir’ka, pajé da etnia Krahô: conhecimentos milenares associados à biodiversidade. © Foto: Jaime Gesisky 

Fontes – WWF/CicloVivo de 30 de maio de 2017

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