Por Ellen Nemitz · ECO - 18 de dezembro de 2024 - Câmara ressuscitou “jabutis” da…
Desmatamento para produção de commodities persiste no Brasil e no mundo
Nas últimas décadas, o esforço em prol da preservação ambiental parece ter sido incorporado, em maior ou menor grau, por governos, empresas e cidadãos.
Mas, de acordo com um estudo publicado nesta quinta-feira pela revista Science, há um tipo de problema ambiental, dos mais sérios, que não está sendo reduzido: o desmatamento causado para liberar espaço para a produção de commodities.
O conceito define os produtos que são praticamente uniformes e têm seus preços regulados pelo mercado internacional – tais como café, sal, açúcar, soja e metais como prata, ouro e ferro.
Em geral, a produção de commodities também é dependente de grandes extensões territoriais.
“Mesmo assim, as commodities em si não devem ser vilanizadas, muito embora sua produção contribua significativamente para a perda das florestas”, disse à BBC News Brasil o analista de dados Philip Curtis, colaborador da organização não governamental The Sustainability Consortium e o principal autor do estudo.
“À medida que a população mundial aumenta, há uma demanda cada vez maior por alimentos para as pessoas e rações para os animais, de modo que nunca devemos perder de vista o que é ganho quando as florestas são substituídas para a produção de commodities.”
O pesquisador verificou que um dos exemplos mais nocivos neste caso é o cultivo para produção de óleo de palma. “Especificamente no Sudeste Asiático”, constata.
“Existem alternativas ao óleo de palma e seus derivados, mas elas podem ser mais caras. As certificações ajudam a reduzir o desmatamento, mas não são a solução completa. Quase sempre a decisão de priorizar a proteção das florestas enfrenta forças econômicas como a necessidade de um negócio para obter lucro e a demanda de pessoas por bens menos caros. Assim, governos, empresas e consumidores devem decidir como equilibrar o desejo por produtos baratos com o desejo de proteger as florestas, se quisermos impedir a perda permanente de terras florestais.”
Mapas do desmatamento
Para chegar aos dados, o analista utilizou mapas atuais que mostram as áreas desmatadas no planeta. Curtis analisou as transformações florestais de 2001 a 2015. Além de demonstrar essas mudanças, o estudo ainda concluiu que todas as florestas que passam por mudanças drásticas, mesmo que estas sejam pontuais, acabam sendo alteradas permanentemente.
As imagens foram extraídas dos registros feitos e armazenados pela plataforma Google Earth, a partir de fotografias de satélite. Essas imagens demonstram que 27% do desmatamento global é causado pelas commodities – e, ao contrário dos outros fatores, este é um número que tem se mantido relativamente constante ao longo dos últimos anos.
No artigo, os cientistas ainda frisam que, independentemente de qualquer conclusão adicional, o estudo “indica que as políticas de desmatamento zero não estão sendo implementadas com rapidez suficiente para atingir as metas”. Curtis lembra que 450 grandes corporações mundiais já se comprometeram a trabalhar com “desmatamento zero” até 2020.
O estudo mapeou todas as razões que levam a alterações ambientais por meio do desmatamento. O mais grave é a alteração de uma paisagem florestal a fim de abrir espaço para a produção de bens ditos commodities, tanto na agricultura como na mineração. Esta intervenção é permanente.
Há outros fatores preocupantes, mas estes de caráter temporário: a agricultura itinerante, a extração madeireira controlada e os fatídicos incêndios florestais.
Outros fatores
Além da produção de commodities, outros são os fatores que causam o desmatamento de florestas. Vinte e seis por cento dos danos atualmente são atribuídos ao manejo comercial florestal, ou seja, a intervenção nessas áreas com o objetivo de obter madeira ou outros benefícios.
Vinte e quatro por centro são por conta da agricultura – no caso, aquela que não é commodity, ou seja, produções menores e geralmente associadas à subsistência ou a suprir demandas de comunidades do entorno.
Incêndios florestais respondem por 23% dos danos e a urbanização, por menos de 1%.
“Eu diria que esta é a principal conclusão do estudo”, afirma Curtis. “Mais de 99% das perdas florestais globais podem ser classificadas nessas quatro causas principais.”
“Por outro lado, descobrimos que 27% da perda florestal dos últimos 15 anos é permanente, devido à produção de commodities”, ressalta. Por permanente, vale dizer que os efeitos na vegetação não são recuperados. A área permanece destruída, não havendo sinais de um reflorestamento natural – ao contrário, por exemplo, das regiões afetadas pelos outros tipos de desmatamento.
Além da revista Science, os dados completos da pesquisa devem ser disponibilizados hoje também no site da The Sustainability Consortium e também no Global Forest Watch.
Brasil
Curtis observou também que houve uma mudança de foco no desmatamento mundial gerado por commodities, muito provavelmente em decorrência dos movimentos econômicos e das crises enfrentadas pelos países. “Esse desmatamento mudou, desacelerando no Brasil e aumentando nos países do Sudeste Asiático”, comenta o pesquisador.
“Nosso estudo não foi projetado para identificar a causa direta do declínio do desmatamento do Brasil, mas acredito que seja resultado de esforços do governo brasileiro e mesmo de ações de empresas e grupos de defesa ambiental”, afirma.
Mas esta melhora na situação brasileira não refletiu em um impacto global, já que a mesma diminuição mapeada no Brasil foi refletida em um aumento no Sudeste Asiático. Na média, o planeta perde cerca de 5 milhões de hectares de florestas por ano.
“No geral, não houve redução nas taxas globais de desmatamento durante o período de estudo. Mas descobrimos que os principais impulsionadores da perda florestal variam amplamente de região para região”, cita ele.
O estudo concluiu que, enquanto nos países mais desenvolvidos e ao norte do planeta as perdas florestais costumam ser atribuídas a incêndios, nas regiões tropicais, dominadas por países subdesenvolvidos, os vilões das florestas são a produção de commodities e a agricultura.
Para Curtis, os compromissos firmados pelos países e pelas corporações para reduzir os danos ambientais são um bom ponto de partida para que o planeta encontre uma equação mais sustentável. “Mas, para que sejam bem-sucedidos, é preciso que esses compromissos sejam cumpridos e acompanhados de financiamentos compatíveis”, afirma ele.
“Um bom programa é aquele que, uma vez devidamente financiado e executado, permita que os próprios cidadãos sejam tomadores de decisão sobre como proteger as florestas e como priorizar a criação de áreas florestais protegidas.”
Ele cita como um bom exemplo o engajamento de empresas privadas no sentido de eliminar práticas que contribuem para o desmatamento e a degradação ambiental.
“Além disso, pode-se investir em áreas agrícolas desbastadas, isto é uma solução viável para diminuir o desmatamento, pois é uma maneira de abrir novas terras para a agricultura produtiva sem a necessidade de desmatar mais florestas”, pontua.
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