Por Ana Flávia Pilar - O Globo - 11 de novembro de 2024 - Com modelo…
Economia circular põe valor no que viraria lixo
Líder da Fundação Ellen MacArthur no Brasil, Luisa Santiago explica as vantagens do modelo
Inserir o ganho econômico à lógica da sustentabilidade é um dos pontos centrais da ideia da economia circular. O conceito, que surgiu na academia nos anos 1970, principalmente em países europeus, começa a ganhar corpo. Mas ainda é um processo inicial, explica, em entrevista ao Estado, Luisa Santiago, líder da Fundação Ellen MacArthur, criada em 2010 na Inglaterra. A instituição, que escolheu o Brasil como sede do seu primeiro escritório fora da Europa, é uma das principais catalisadoras dos projetos de economia circular no mundo.
Em termos conceituais, quais as principais diferenças entre a economia circular e a linear?
Na economia linear se extrai valor dos recursos da natureza. Eles são transformados e, depois, descartados. É basicamente uma economia de extração de valor e de desperdício. Na circular cria-se valor sobre os recursos que já existem. Trabalhamos com a possibilidade de manter aquele recurso em uso por mais tempo. Em ciclos, de alto valor, por meio de várias estratégias. Nós enxergamos a economia circular como uma economia de material, e os materiais da natureza são entendidos como nutrientes. Tem os biológicos, de base renovável, e os técnicos, que são os recursos finitos. Com os biológicos, o que se pretende é que eles regenerem o mundo natural, em vez de degenerá-lo. É preciso pensar como gerar valor econômico enquanto regenera os sistemas vivos. Nos nutrientes técnicos, como são finitos, tem de pensar como mantê-los e geri-los nas suas mais diversas aplicações, em alto valor.
Qual é o principal objetivo?
No cerne da economia circular está a captura de lucro. Aproveitar oportunidades econômicas desperdiçadas na economia linear. Pelo processo tradicional, os materiais são desperdiçados, mas o valor embutido nesses materiais também são. O ponto de partida para que a ideia de economia circular tivesse tração no mundo foi o trabalho da Fundação Ellen MacArthur, que calculou os potenciais econômicos sobre a mesa e o quanto se perdia nos diversos modelos lineares.
O conceito de economia circular está bem desenvolvido no Brasil? Em quais setores?
Em nenhum lugar do mundo está muito desenvolvido. Existem, talvez, alguns bolsões. Na Europa, onde o conceito surgiu, o movimento foi testado e colocado em prática de diversas formas. Por empresas, como modelos de negócio, e em pesquisas, no setor acadêmico. E também pelos governos. Desde 2014, existe um conjunto de normas da Comissão Europeia para seus países-membros sobre economia circular.
Quais os empecilhos para o conceito ganhar robustez aqui?
Existem projetos de inovação liderados pela indústria, pelo setor de negócios. Pequenas empresas, startups surgem com a ideia de circularidade. Mas faltam políticas públicas. A regra atual favorece a economia extrativa. Ao taxar os múltiplos ciclos, os modelos de negócio mais circulares ficam desfavorecidos. É um momento de transição. Existe um modelo bem estabelecido, da economia linear. É preciso inovar para mudar os princípios do jogo. Os conceitos da circularidade precisam ser mais bem entendidos para que regulações mudem.
Que exemplos destacaria?
As Lojas Renner, por exemplo, fizeram um concurso de inovação de ideias em várias categorias ligadas à moda. E passaram a incorporar a economia circular em sua filosofia e na sua estratégia. Procurou, como seus fornecedores, eliminar perdas ao máximo. Passou a criar novas cadeias de fornecimento onde é possível processar e reutilizar fibras dos tecidos que eram descartados. Hoje, vendem inúmeras peças de roupa com esse tecido de fibras refeitas. Na Philips, a estratégia mudou. O modelo de negócio passou da venda de lâmpadas para a de serviços de iluminação. Dentro da economia circular, esta ideia da economia de serviço é interessante. A empresa, inclusive no Brasil, gera lucro a partir de menos materiais.
Existem setores onde é mais fácil implementar os conceitos?
Na Europa, os setores de bens de consumo duráveis e não duráveis foram os primeiros a aderir. Porque conseguiram enxergar a importância de capturar o valor econômico. Em vez de comprar produtos, passou a existir o compartilhamento de meios de mobilidade, de máquinas, de utensílios domésticos. No setor dos eletrônicos, com computadores, e no mundo da moda, a economia circular avançou muito. O setor de embalagens plásticas também está se envolvendo e deve se comprometer com metas globais. Mais recentemente, começamos também a trabalhar com o setor de alimentos, no chamado ciclo biológico. A evolução ocorre de forma paralela.
*Luisa Santiago é mestre em práticas de desenvolvimento sustentável e doutora em gerenciamento ambiental. No mestrado, foi autora do primeiro artigo acadênico sobre economia circular no Brasil.
Eduardo Geraque, O Estado de S. Paulo de 23 de outubro de 2018
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