Por José Tadeu Arantes - Agência FAPESP - 31 de outubro de 2024 - Estratégia…
Em encíclica, papa responsabiliza ricos por problemas ambientais
Dirigida a todos os habitantes do planeta, ‘Laudato Si’ deveria ser lançada no dia 18, mas vazou. Texto pede que nações ricas não penalizem as mais pobres, ponto central no debate sobre mudança climática.
Alvo de expectativa e polêmicas antes mesmo de ser lançada, a nova encíclica do papa Francisco, que aborda questões ambientais, vazou nesta segunda (15) pela revista italiana “L’Espresso”, que colocou uma versão do texto para download em seu site.
A carta, que será lançada oficialmente na quinta (18) e cuja versão divulgada o Vaticano classificou como “rascunho”, é uma tentativa ambiciosa de unir ambientalismo e fé cristã. No texto, o pontífice condena a inação internacional diante da mudança climática e argumenta que a humanidade não tem direito de destruir outros seres vivos.
Batizado de “Laudato Si” (“Louvado sejas”, em italiano medieval), o documento empresta o título e parte do conteúdo do Cântico das Criaturas, poema de são Francisco de Assis no qual ele chama Sol, Lua e Terra de irmãos.
Apesar do lirismo, a encíclica, dirigida ao mundo todo e não só aos católicos, faz um ataque contundente à forma como as nações, sobretudo as mais ricas, lidam com a questão ambiental.
A raiz do problema, segundo Francisco, é a submissão da sobrevivência das pessoas e das demais criaturas a interesses puramente econômicos, pautados por um avanço tecnológico desenfreado que não tem referencial ético claro para lhe servir de freio.
“Há um esforço de convergência entre posições culturais tidas como opostas. A tradição mística cristã se encontra com o desejo atual de alternativa ao consumismo e à mercantilização das coisas”, diz Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.
Herdeiro de Bento
É raro que se apontem semelhanças entre Francisco e seu cerebral predecessor, o alemão Bento 16, mas o ponto mais surpreendente da encíclica talvez seja a retomada de temas centrais do magistério do papa que renunciou.
Francisco atribui parte da crise ambiental à prevalência do relativismo moral e filosófico –à ideia de que não existem certos e errados “naturais” e que, portanto, o ser humano teria liberdade absoluta para fazer o que quiser consigo e com o mundo.
Para ambos os pontífices, essa é uma ideia desastrosa, por não levar em conta os limites impostos pela natureza –e pela sabedoria divina– aos desejos humanos.
“A encíclica pode ser resumida à frase ‘tudo está conectado'”, diz Rodrigo Coppe Caldeira, especialista em história do catolicismo da PUC-MG. “O papa aponta a hipocrisia de tratar dos problemas ecológicos sem considerar, por exemplo, os pobres ou os embriões descartados.”
Apesar de ressaltar que não cabe à Igreja Católica tomar partido em debates científicos ou políticos, mas sim fomentar o diálogo, o papa argentino assinala que, nos debates diplomáticos sobre a mudança climática, as nações pobres não podem ser penalizadas economicamente por um problema que deriva, em grande parte, da poluição gerada em países ricos.
“Trata-se talvez do primeiro pronunciamento de uma autoridade internacional que admite não haver saída a não ser a aceitação de algum ‘decrescimento’ pelas sociedades de superabundância em favor do avanço dos mais vulneráveis”, diz o ex-ministro do Meio Ambiente Rubens Ricupero. “Soará utópico; prefiro dizer que é ‘profético’.”
Francisco ecoa a escalada de anúncios globais sobre clima
Análise de Marcelo Leite
A esperada encíclica ecológica do papa Francisco faz parte de uma escalada de anúncios com potencial para impedir que a Conferência de Paris, em dezembro, seja um fracasso do porte de Copenhague seis anos antes, quando não houve acordo internacional para combater a mudança climática.
A COP-21, reunião de quase 200 países integrantes da Convenção do Clima da ONU (1992), se realizará na capital francesa para escrever um tratado que substitua o Protocolo de Kyoto (1997).
Empacada há anos, a negociação visa um acordo multilateral para cortar as emissões de carbono (gases causadores do efeito estufa) e manter o aquecimento global no limite de segurança de 2°C neste século.
Nesses 23 anos, as tratativas involuíram. Da pretensão de se estabelecer metas nacionais vinculantes (com força de lei) de cortes de emissão se retrocedeu para compromissos voluntários, que cada país cumprirá se e como quiser. Menos de meia centena já os apresentou, como EUA e União Europeia. Os objetivos até aqui cobrem só 32% das emissões mundiais.
Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU, tomou a dianteira para motivar governos nacionais a formularem compromissos mais ambiciosos. Convocou para setembro de 2014 uma Cúpula do Clima, como sempre dominada pela retórica e sem promessas que possam ser cobradas.
Além de uma marcha com cerca de 400 mil pessoas, produziu-se à margem da cúpula uma Declaração de Nova York sobre Florestas.
O documento pedia desmatamento zero em 2030, mas foi rejeitado pelo Brasil, que tem a maior extensão de florestas tropicais.
Menos de dois meses depois, em novembro, EUA e China –duas potências sempre às turras nas conferências do clima– surpreenderam com um anúncio conjunto de metas para reduzir emissões de carbono.
Os americanos prometeram cortar 26% a 28% até 2025, tomando por base 2005. Os chineses, maiores emissores mundiais, se limitaram ao compromisso de reduzir a poluição climática após 2030.
A notícia mais animadora, porém, viria meses depois. Em 2014, a China já consumira 2,9% menos carvão (sua principal fonte de energia), mesmo com sua economia crescendo 7,4%. Nos próximos dias o gigante asiático deve anunciar os compromissos que levará a Paris.
Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA), pela primeira vez em 40 anos, a economia mundial viu suas emissões de carbono em 2014 se desacelerarem, até parar, sem haver uma retração.
Ao contrário, o PIB mundial cresceu no ano passado.
Renováveis x Carvão
Com base nessa tendência, a IEA publicou relatório nesta segunda (15) prevendo que energias renováveis suplantarão o carvão na geração de eletricidade em apenas 15 anos. De cerca de 20%, passarão a mais de 33% da matriz elétrica global.
O mundo caminha para a “descarbonização”, termo empregado também de forma pioneira no comunicado da reunião do G7, há uma semana, como objetivo a ser cumprido até o final deste século.
Embora seja uma declaração simbólica, que ainda falta se traduzir em medidas concretas, representa um alerta para a indústria dos combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural).
Veio logo após o anúncio, pela Noruega, de que seu fundo soberano de US$ 940 bilhões ( R$ 3 trilhões) deixaria de investir em companhias dependentes de carvão.
O papa Francisco não está sozinho nessa cruzada.
Fonte – Folha de S.Paulo / Brasil Agro de 17 de junho de 2015
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