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Estudantes brasileiros vencem “Oscar do design” com poltrona biodegradável
Por Marília Marasciulo – Galileu – 6 de setembro de 2021 – Para o trabalho de conclusão de curso, os designers criaram um biofilme bacteriano, alternativa ecológica e sustentável ao couro, e foram reconhecidos mundialmente – Estudantes brasileiros vencem “Oscar do design” com poltrona biodegradável (Foto: Divulgação)
Dois estudantes da Universidade Federal do Paraná (UFPR) uniram design, ativismo e ciência para criar uma poltrona feita com biofilme bacteriano, uma alternativa ecológica e biodegradável ao couro.
O móvel, que recebeu o nome de “Não Fere”, foi o trabalho de conclusão de curso de Gislaine Lao e Felipe de Carvalho Ishiy, recém-formados em Design de Produto, e foi premiado pelo iF Design Talent Award 2021, considerado o Oscar do design mundial.
“Nosso propósito sempre foi fazer algo para os animais”, conta Ishiy, que é vegetariano, assim como a colega.
“Mas os animais não precisam de mais produtos. Então pensamos: como o design está interferindo na vida dos animais? E chegamos à indústria do couro e de peles”, completa Lao.
“A ideia foi evoluindo até percebermos que já existe carne sintética e vegetal, mas poucas opções que substituam o couro”, conclui Ishiy.
Ele destaca que mesmo os couros sintéticos ou a base de planta geralmente têm algum tipo de polímero adicionado, que poluem o meio ambiente e, por consequência, não são sustentáveis.
Durante a pesquisa, a dupla se deparou com a pesquisa de Suzanne Lee, estilista americana que defende que a “biofabricação” ou o “cultivo” das próprias roupas será o futuro da moda.
Lee desenvolveu um biofilme de nanocelulose puro, sem adição de compostos químicos.
O problema é que o material não é impermeável, o que inviabilizaria a aplicação no móvel.
Descobriram, então, alternativas de biofilme feitas a partir da kombucha.
A bebida feita à base de chá, açúcar e resíduos orgânicos serve como substrato para a cultura de bactérias e leveduras que, ao fermentar, formam o biofilme.
“Nós queríamos desenvolver nosso próprio material do zero, então pegamos o biofilme e adaptamos ao projeto”, explica Lao.
Sob a orientação da professora Elisa Strobel, cuja pesquisa foca na área conhecida como biodesign ou design with the living (design com viventes, em tradução livre), eles iniciaram testes com a kombucha.
Substituíram o chá por borra de café, para reaproveitar sobras de cafeterias que seriam descartadas, e aproveitaram também o resíduo de açúcar.
“Aí, colocamos na água, fervemos, coamos e transferimos para um recipiente. O biofilme se desenvolve no formato do recipiente, na superfície do líquido, e tem a espessura de 1,5 centímetro”, descreve Lao.
Em seguida, eles recolhem o biofilme, lavam com detergentes para matar as bactérias e estendem em cima de um couro sintético para imprimir a textura.
“Para se ter um produto inovador, diferente e bonito, não é preciso ferir ou matar um animal”, afirma Ishiy (Foto: Divulgação)
No total, o processo leva 3 semanas, duas para desenvolver o biofilme e uma para secar e tratar o produto.
“Independentemente do tamanho, o processo é sempre o mesmo. Apesar de parecer bastante tempo, não é tanto assim, se pensarmos que para um boi ou uma vaca crescerem demora anos”, observa Lao.
O material é também maleável: quando seca, parece um tecido plano. “Conseguimos imitar bem o couro ou criar um material diferente. Dá para mudar a cor, a textura, tem muita coisa para experimentar e mudar o design”, conta a designer.
A maior descoberta da dupla, porém, foi uma forma totalmente orgânica para impermeabilizar o material. “Esse foi o teste mais legal que eu fiz. Durante 7 dias, mergulhei 5 amostras de diferentes materiais, duas de couro, uma de courino, e duas de biofilme, uma com tratamento e outra sem”, conta Ishiy. “A com tratamento aumentou somente 0,01g, quase nada. A sem tratamento quase triplicou o tamanho.” Mas os designers preferem manter segredo sobre os detalhes do método criado.
Outro diferencial é o cheiro.
“Quem trabalha com esse material relata que ele tem um cheiro avinagrado, mas o nosso tem um cheiro mais adocicado”, observa Ishiy.
Ele estima que o produto custe cerca de R$ 150 o metro, com uma tiragem máxima de 1,40m por 1,60m.
Para fazer a poltrona, foram usados quase 3 metros.
“O mais custoso é a manutenção e a obtenção dos insumos, pois precisamos de alguém para buscar, fazer a limpeza e a higienização, tudo no mesmo dia.
É um valor alto, mas como é um material novo, não é tão caro”, explica. “E gasta bem menos água. Usamos cerca de 10 litros de água por metro, enquanto o couro bovino requer de 8 a 10 mil litros.”
Resultado de excelência
O reconhecimento máximo veio em junho: a poltrona foi uma dos 86 projetos, entre os 5,3 mil apresentados, consagrados pelo iF.
O trabalho foi o único representante da América Latina na competição alemã e foi considerado inteligente e inovador pelo júri internacional.
“Nosso TCC foi um combo muito grande, pois trabalhamos com três áreas do design para desenvolver um produto: design de móveis, biomateriais e design ativista, pois mesmo sendo uma poltrona, tem um propósito”, pontua Ishiy.
“Com ela, e agora com o iF, mostramos não só para o Brasil, mas para o mundo todo, que para se ter um produto inovador, diferente e bonito, não é preciso ferir ou matar um animal.”
Além da poltrona, Gislaine Lao e Felipe de Carvalho Ishiy também fizeram uma bolsa e uma carteira com o material biodegradável (Foto: Divulgação)
A professora Strobel é só elogio à dupla. “Foi um resultado de excelência dos alunos. Foram bem sucedidos na impermeabilização, na parte do cheiro, no requisito de ser totalmente sem uso de animais. Outro indicador de sucesso é a grande perspectiva de escalar o material. E também o sucesso em design, pois eles usaram uma linguagem super questionadora. Vencer esse concurso é muito importante, é quase como se fosse uma revisão por pares”, destaca.
“Nesse momento em que se questiona tanto as universidades, temos aqui uma contribuição relevante em uma série de frentes. É bom para o Brasil e para a imagem brasileira ter esse tipo de iniciativa.”
Embora tenham recebido ofertas e propostas de empresas interessadas em desenvolver o material em larga escala, os designers explicam que o biofilme segue em fase de testes.
“É um material novo, ainda estamos aprendendo a trabalhar com ele”, justifica Ishiy.
Além da poltrona, eles também fizeram uma bolsa e uma carteira.
A primeira ainda existe e, após quase dois anos, permanece com a mesma textura e o mesmo odor.
Mas a carteira não sobreviveu. Já a poltrona teve o conceito de biodegradabilidade posto à prova: a dupla aplicou fungos para verificar em quanto tempo ela se desintegraria.
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