O Guaíba recebe o aporte de quatro bacias hidrográficas (Jacuí, Sinos, Caí e Gravataí) e desemboca na Lagoa dos Patos.
As características geomorfológicas específicas da região – que explicam a dificuldade de classificação, por exemplo – contribuem para que chuvas intensas nos municípios banhados por esses corpos hídricos impactem diretamente outras localidades do estado.
São causas humanas, entretanto, o que mais acentua esses impactos.
Segundo o professor do departamento de Geografia da UFRGS Luís Alberto Basso, “essas bacias foram impermeabilizadas com as construções das cidades”.
O desmatamento da mata ciliar, por exemplo, acelera o acúmulo de sedimentos e o processo de assoreamento dos rios, o que facilita o ocasionamento de enchentes.
Para ele, diante da atual catástrofe, devemos nos inspirar em “experiências que deram certo em outros locais” e adequar à realidade da região.
No Brasil, entretanto, a adaptação das cidades para enfrentar cataclismos parece retroceder.
Preservação flexibilizada
De acordo com o Código Florestal, as faixas marginais de cursos d’água são áreas de preservação permanente.
Isso levaria à proibição de construção em uma largura mínima de 30 metros, a ser aumentada de acordo com a largura do rio, lago ou nascente.
Ainda que já fosse flexibilizada, em 2019 a situação se agravou. A lei n.º 14.285, sancionada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, alterou o código e passou a permitir que os limites das áreas de preservação fossem determinados nos planos diretores e nas leis municipais de uso do solo.
A partir disso, parcerias público-privadas, como a construção do “novo Cais Mauá” e o projeto da Fazenda do Arado foram facilitadas pela prefeitura de Porto Alegre.
Conforme aponta o engenheiro ambiental Iporã Possanti, “não temos mais um desastre ambiental, mas humanitário”.
Projeções do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) alertam para o aumento da intensidade e da frequência de eventos extremos como consequências da mudança do clima, que é provocada pela ação humana.
Nesse sentido, Iporã pontua que, no caso do Rio Grande do Sul, não devemos falar em reconstrução, mas em adaptação:
“Enchentes piores estão por vir”.
Algumas inspirações
Mundo afora, diversos países caminham em direção ao desenvolvimento de cidades resilientes.
As cidades-esponja, por exemplo, envolvem todo o ciclo hidrográfico e protegem o espaço tanto em caso de enchente quanto de estiagem.
Na escala urbana, algumas das medidas propostas são calçamentos permeáveis, tetos-verdes e praças alagáveis.
Em entrevista ao podcast O Assunto, a arquiteta Taneha Bacchin falou sobre a possibilidade de o modelo ser aplicado em Porto Alegre.
Segundo ela, áreas de mananciais podem ser recolocadas e são de fundamental importância em localidades como a Orla do Guaíba, para que o lago se acomode no caso de uma grande cheia.
Juntamente de áreas de transição, medidas em diferentes dimensões do espaço auxiliam o sistema de amortecimento das águas e de gestão da drenagem.
Nessa perspectiva, Iporã argumenta que devemos “escutar as pessoas que sabem ler a paisagem”.
Segundo ele, as cidades no Rio Grande do Sul foram construídas muito rapidamente, com uma “visão europeia de colonização, sem entender como a paisagem funciona”.
Para o hidrólogo, atentar-se às especificidades locais, como a topografia, é o que contribui para o desenvolvimento de cidades seguras.
No caso de Porto Alegre, investir em “aprendizado, adaptação e respeito à natureza” é uma maneira de começar.
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