Por Jean Silva* - Jornal da USP - 1 de novembro de 2024 - Tucuruvi,…
“Extremos climáticos chegaram mais rápido que o esperado”
Fenômenos climáticos extremos como os que têm acontecido nesta década eram esperados só após 2030
Uma das maiores autoridades do mundo em mudanças climáticas, o climatologista brasileiro Carlos Nobre alerta, em entrevista à DW, que os efeitos do aquecimento global estão superando modelos previstos pelos cientistas.
O Brasil já enfrenta problemas climáticos severos diretamente relacionados ao aquecimento global do planeta e justamente na Amazônia – o maior cartão postal ambiental do país. A análise é do cientista Carlos Nobre, um dos maiores especialistas climáticos do mundo, que fala nesta sexta-feira (24/06) sobre o tema no seminário “Crise Hídrica no Brasil – Ontem, Hoje e Amanhã”, organizado em parceria pelo Museu do Amanhã e o Projeto #Colabora.
Em entrevista à DW Brasil, Nobre falou sobre as influências do aquecimento global na grande seca de 2014 no Sudeste e também nos eventos extremos registrados nos últimos anos na Amazônia. Segundo o especialista, a resposta do planeta às mudanças climáticas está sendo mais intensa do que o previsto pelos modelos elaborados por pesquisadores.
DW Brasil: Até que ponto a crise de recursos hídricos vivida recentemente no Brasil – sobretudo com a seca no Sudeste em 2014, que levou os reservatórios aos níveis mais baixos – está diretamente relacionada às mudanças climáticas do planeta?
Carlos Nobre: Temos períodos de seca por razões que independem das mudanças climáticas. Mas o impacto de uma a seca similar (digamos, com 50% menos de chuva) há cem anos é diferente do de hoje, num planeta em que a temperatura já está um grau mais alta. Hoje, por conta disso, a evaporação da água é mais acelerada – isso é uma realidade em vários lugares do mundo. Então, o déficit de chuva pode ser o mesmo, mas o déficit de água no solo é maior. Este já é um efeito direto do aquecimento global, independentemente de não termos certeza absoluta de que o aquecimento já esteja induzindo a mais secas ou secas mais intensas. De qualquer forma, esse é um cenário previsto para as mudanças climáticas, o de extremos: secas mais intensas e chuvas mais intensas.
Já existe algum lugar no Brasil onde esse cenário de extremos por conta do aquecimento já esteja ocorrendo?
Um lugar onde as pesquisas já indicam com alguma certeza científica uma mudança no regime de extremos é a Amazônia, onde, nos últimos onze anos (desde 2005) tivemos três secas severas e três inundações. Sendo que pelo menos duas dessas secas e duas dessas inundações foram recordes absolutos nos últimos cem anos, desde que temos registros precisos para a região. Então essa alternância de extremos secos e chuvosos pode já ser uma manifestação precursora do aquecimento global na Amazônia.
E isso não se aplica ao Sudeste?
No Sudeste ainda não podemos falar isso. Tivemos uma seca muito intensa em 2014 e 2015, que teve um impacto talvez maior do que o esperado para um déficit de chuva de 40%, 50%, por conta daquilo que mencionei anteriormente, como estamos com a temperatura média um grau mais elevada, a evaporação da água é maior.
Clique aqui para assistir ao vídeo As consequências das mudanças climáticas na vida animal
Mas estamos vivenciando no Sudeste um inverno especialmente frio depois de um verão muito quente, não? Não dá para falar em extremos climáticos?
O recorde em termos de verão mais quente foi em 2014, por conta da seca. Este último verão foi muito quente – embora não tão quente quando o de 2014 – por conta do El Niño (o fenômeno de aquecimento das águas do Pacífico Sul que eleva as temperaturas), que agora já está em condição de neutralidade. Sim, fazia muito tempo que não tínhamos um inverno tão frio, desde 1994, com a entrada de duas ondas de frio intensas e seguidas. Mas isso faz parte da variabilidade climática natural. Essas duas frentes frias foram bem típicas e não há nenhum estudo mostrando qualquer configuração particular na Antártica (de onde vêm as frentes frias que invadem o Brasil no inverno). É diferente do Ártico, onde há vários estudos mostrando o impacto do aquecimento global.
E teremos La Niña este ano? Quais serão as implicações?
O Pacífico está saindo do El Niño, e a La Niña não se estabeleceu ainda. As previsões ainda são incertas, e algumas são contraditórias, mas a principal aposta é de que haverá uma La Niña de intensidade moderada se estabelecendo nos próximos meses. Se o fenômeno for de moderado a intenso, poderemos ter seca no Sul e chuvas acima da média no Nordeste. Para o Nordeste, essa seria uma ótima notícia, já que a região está enfrentando a seca há cinco anos – os reservatórios por lá estão nos níveis mais baixos já registrados em 80 anos.
O senhor é um dos maiores especialistas do mundo em aquecimento global e já estuda isso há um bom tempo. As previsões que vocês faziam, digamos, há dez anos, estão todas se concretizando dentro das expectativas? Ou o cenário é pior do que o imaginado há uma década?
O que vem surpreendendo muito é essa coisa dos extremos. Vinte, dez anos atrás não imaginávamos que os extremos climáticos estariam acontecendo já nesta década. Esperávamos esta situação para depois de 2030. A sensibilidade do sistema climático planetário a um aumento de um grau na temperatura também me surpreendeu. Esperava ver as mudanças que estamos vendo hoje com um grau e meio ou dois de aumento. Em praticamente todas as áreas os impactos são mais visíveis do que era esperado com um grau de aumento. Outra coisa que surpreende são as tempestades oceânicas mais intensas, causando ressacas mais fortes em muitas partes do mundo, inclusive na costa do Brasil. O aquecimento já registrado nos oceanos é de apenas 0,7 grau, mas já estamos observando essas mudanças.
Giro por um mundo transformado pelo clima
Mundinho pequeno – Mesmo se conseguirmos manter o aquecimento global abaixo de 2°C, 2015 poderá ser o ano mais quente já registrado desde a era pré-industrial. O risco de o nível do mar subir mais de um metro e submergir Amsterdã persiste. Se continuarmos a emitir dióxido de carbono na velocidade atual, até 2100 a Terra terá se aquecido em 4°C – e Nova York estará sob o mar.
Recifes de coral por um fio – Mergulhar na Austrália para admirar os belos recifes de coral pode ser um prazer com dias contados, pois o aquecimento global vai destruindo esses ecossistemas submarinos. As águas cada vez mais quentes causam a descoloração dos corais, e um aumento de 2°C pode dissolvê-los. O acréscimo de CO2 torna a água dos oceanos mais ácida, impedindo o crescimento normal das estruturas calcárias.
Alpes sem esqui – O aquecimento nos Alpes é “três vezes a média global”, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. O nível de neve diminui a cada ano e a vegetação conquista montanhas mais altas. Estações de esqui nas zonas inferiores estão ameaçadas de falência. Alguns resorts até cobrem a neve com material reflexivo durante os meses mais quentes, na tentativa de deter o derretimento.
Veneza – beleza submersa? – A italiana Veneza é apenas uma entre as cidades ameaçadas de desaparecer com a subida do nível do mar. Ou de se tornar inabitável, devido a inundações e tempestades cada vez mais fortes. O mesmo medo atinge Miami, Nova York, Santo Domingo, Bangkok, Barranquilla, Hong Kong, Cidade de Ho Chi Minh, Palembang, Tóquio, Mumbai, Alexandria, Amsterdã: todas elas correm risco.
Passagem Noroeste – O derretimento das geleiras está permitindo que navios cortem caminho entre a Europa e a Ásia pela historicamente intransitável Passagem Noroeste. Em 2007, a Agência Espacial Europeia anunciou que o trecho estava “inteiramente navegável”. Embora ainda não esteja suficientemente livre para navios de carga, os cruzeiros agora já oferecem uma rota antes reservada aos aventureiros e exploradores.
Elefantes em perigo – O aumento populacional e as mudanças climáticas afetam os animais. Eles lutam para se ajustar às secas cada vez mais frequentes e intensas, ondas de calor, tempestades e o aumento do nível do mar. A organização de proteção ambiental WWF incluiu o elefante africano na lista das espécies e lugares atingidas pelas mudanças climáticas, juntamente com as tartarugas, tigres, golfinhos e baleias.
Seca californiana – As mudanças climáticas são claramente visíveis no estado americano da Califórnia, que é afetado por fortes períodos de seca. Os últimos três anos foram os mais quentes de todos os tempos. Quem quiser passear pelas plantações de amêndoas na Califórnia, as de café no Brasil ou os campos de arroz no Vietnã, é agora ou nunca.
Escalando as últimas geleiras – A lista do Patrimônio Mundial da Humanidade inclui numerosas belezas naturais, mas com um aquecimento global de 3°C, 136 dessas 700 maravilhas serão afetadas. Entre elas o Glacier National Park, nos EUA, onde os efeitos das mudanças climáticas estão sendo estudados. Das 150 geleiras existentes aqui no século 19, sobravam 24 em 2010. A previsão é que em 2030 o parque estará privado de todas elas.
Mudança climática a domicílio – Se depois de todas essas imagens, você ainda não teve vontade de conhecer nenhum desses lugares, pode ficar onde está. As mudanças climáticas poderão vir bater à sua porta, sem que você sequer precise se levantar do sofá. A Climate Central acredita que mais de 150 milhões de pessoas moram em áreas que serão submersas ou estarão sujeitas a inundações constantes até 2100. Ou mesmo bem antes disso.
Fonte – Caroline Schmitt, DW de 24 de junho de 2016
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