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Família, agora sou vegan

Ive Erhard / UNPLASH

Um filme, uma ideia, uma conversa com um amigo podem ser suficientes para fazer mudar radicalmente a alimentação? Para estes jovens, que deixaram o peixe, a carne e todos os derivados de produtos animais do dia para a noite, sim. A Ordem dos Nutricionistas avisa que a transição deve ser planeada.

Foi aos 19 anos, depois de ver o Cowspiracy — um filme de 2014 icónico entre vegetarianos e vegans, que se foca no impacto da indústria agro-pecuária no ambiente —, que Sara Monteiro, hoje com 22 anos, decidiu deixar de consumir carne, peixe e tudo o que fossem produtos derivados de animais. Foi uma decisão consciente, mas repentina. Aconteceu “de uma semana para a outra”, relembra. E não é a única.

Hoje já existirão cerca de 60 mil pessoas a seguir um estilo de vida vegan em Portugal, segundo um estudo feito pela consultora Nielsen a pedido do Centro Vegetariano – Associação Ambiental para a Promoção do Vegetarianismo, em 2017, com base em entrevistas a uma amostra de duas mil pessoas.

O interesse tem disparado de tal forma que este fim-de-semana se realiza a primeira edição do Veggie World, em Lisboa, um festival que tem como propósito reunir a comunidade vegetariana e vegan em Portugal. Hendrik Schellkes é o responsável pelo evento, que começou na Alemanha, e diz que “o crescimento da comunidade vegan e o aumento da procura por este tipo de produtos” foi o que motivou a vinda a Lisboa do evento — que já acontece noutras 13 cidades europeias.

Sara Monteiro, jovem jornalista, que reside no Porto, diz que os pais, com quem ainda vive, aceitaram “muito bem” esta alteração na sua alimentação. Apesar de não terem “grande consciência” sobre estas questões. No entanto, a Ordem dos Nutricionistas aconselha a fazer uma transição planeada, de forma a acautelar os riscos, tanto maiores quanto mais estrita for a dieta.

No caso de Mariana Monteiro, de 23 anos, não foi preciso um filme. Era uma ideia que já tinha na cabeça e que foi amadurecendo ao consultar algumas páginas em redes sociais e ver alguns documentários. Uns meses antes de adoptar definitivamente este tipo de dieta, em Dezembro de 2017, até tinha tentado excluir só a carne e o peixe, mas sem sucesso. Quando transitou definitivamente fê-lo sem retirar gradualmente os produtos de origem animal. Num dia era omnívora e no outro já nada disso lhe cabia no prato.

Hoje, num dia normal, come um batido com fruta e espinafres ao pequeno-almoço, ao almoço leva uma salada com abacate, tomate e alface ou “o que houver no frigorífico” e à noite uma sopa ou algum prato “parecido com as coisas que já comia”. Quanto aos lanches, os frutos secos, as papas de aveia e o chocolate negro são suficientes.

Eva Fisahn tem 18 anos e é vegan há dois. Quando avisou em casa, a mãe “reagiu mal”, mas entretanto habitou-se e a família até faz algumas refeições vegan. Fê-lo por achar que “fazia sentido”, pelo mundo e pela sua saúde. E resultados? “Tinha acne e deixei de ter e a digestão funciona muito melhor”, nota.

Mais do que alimentação

As preocupações destes jovens não se limitam à alimentação. Estendem-se, por norma, a outras dimensões do consumo, como os cosméticos, a roupa ou os produtos de limpeza para a casa. A ideia é que nada interfira com a vida dos animais, por isso não compram produtos testados em animais e não usam materiais feitos de lã ou couro. É isto que faz deles vegan e não apenas vegetarianos estritos. Ser vegan “é um estilo de vida”, dizem.

A preocupação com o planeta estende-se ainda a “outras formas de activismo”, como lhes chama Sara Monteiro. Como por exemplo, “frequentar espaços que não vivem da crueldade praticada contra os animais” e que vendem produtos de origem local, sazonal e, quando possível, biológica.

Liliana Barros, com 27 anos, considera-se uma “defensora dos animais”. E acha que “não faz sentido comer uns e defender os outros”. Ia começar pela segunda-feira sem carne, mas desde Outubro de 2017 que não come produtos de origem animal. Entretanto, até criou dois movimentos, o Porto Animal Save e o Braga Animal Save, que fazem vigílias junto aos matadouros e tentam parar os camiões com os animais vivos para que possam passar alguns momentos com os bichos antes de serem mortos. “Sentia necessidade de fazer mais alguma coisa”, justifica.

E é um estilo de vida mais caro? Depende das opções. Se se optar por produtos frescos que depois são cozinhados, “até pode ser mais barato”. Mas se, pelo contrário, a opção for por produtos processados e pré-cozinhados então a factura dispara. Quanto aos produtos para a casa ou os cosméticos há coisas que são mesmo mais caras ou não se encontram com tanta facilidade. “Ser vegan passa por ter consciência e fazer o que está dentro das nossas possibilidades”, defende Mariana Monteiro.

Pedro Lopes, 25 anos, desafiou-se a passar uma semana sem alimentos de origem animal e, desde então, não voltou a ser omnívoro. “Quanto aos custos por vezes sai um bocado mais caro mas isto porque eu adoro cozinhar e experimentar coisas novas, então acabo por comprar produtos mais caros, mas no geral penso que gasto menos do que quando comia carne e peixe”, contabiliza.

Come-se cada vez mais carne

A população que se identifica como vegan ainda é uma minoria entre os portugueses (0,6%), só seis pessoas em mil terão este tipo de alimentação. Quanto aos que não comem carne nem peixe, mas consomem ovos, leite ou outros derivados, o número quadruplicou entre 2007 e 2017, concluiu um estudo feito pela Nielsen no ano passado.

Ainda assim, dados do Instituto Nacional de Estatística mostram que o consumo de carne pelos portugueses tem vindo a aumentar e não era tão elevado desde o início da década. Em 2016, cada português consumia, em média, 112 kg de carne, quando, em 2011, esse valor se ficava pelos 110 kg.

A carne de suíno continua a ser aquela que ocupa uma maior fatia do consumo anual dos portugueses, mas a sua ingestão tem-se mantido estável. O consumo de animais de capoeira, como frangos e galinhas é que tem aumentado de forma consistente e está próximo de ultrapassar a ingestão de carne de porco.

Quanto ao peixe, dados do observatório europeu para o mercado dos produtos da pesca e da aquacultura, revelam que Portugal é o país da União Europeia (UE) onde se consome mais pescado. Eram, em média, 55,3 quilos por habitante em 2015 — mais 30 quilos do que a média na União Europeia. Um valor que se tem mantido estável.

Alexandra Bento, bastonária da Ordem dos Nutricionistas, diz que “o consumo de carne é de facto excessivo na nossa alimentação” e é preciso “reduzir”. A balança “tem de pesar mais para o lado das frutas e vegetais”, defende a especialista. E sublinha que um padrão alimentar que beneficie o aumento do consumo de vegetais “abundante, diário e diversificado” é benéfico para a saúde. Mas isso “não é o mesmo que excluir” todos os produtos de origem animal, sublinha.

Transição deve ser planeada

Se Alexandra Bento, bastonária da Ordem dos Nutricionistas, tivesse de sugerir um estilo de alimentação à população, em termos gerais, seria a dieta mediterrânica. Porque é aquela em que a balança pesa mais para o lado das frutas, dos vegetais e das leguminosas, mas onde não se excluem totalmente os produtos de origem animal.

A quem quer transitar de uma dieta omnívora para uma alimentação exclusivamente vegetal a nutricionista aconselha que seja uma escolha “planeada”. “O problema não é ser repentino”, diz Alexandra Bento, “é não ser planeado”.

E porquê? Porque ao planear tem-se noção dos “riscos” que esta opção pode trazer, nomeadamente ao nível de carências nutricionais. E que esses riscos “são tão maiores quanto mais restritiva for a alimentação”. Mas há formas de os acautelar: uma das questões mais faladas entre quem opta pelo vegetarianismo estrito é a deficiência de B12, uma vitamina que se encontra essencialmente em alimentos de origem animal. Uma questão que se resolve com a toma de suplementos ou alimentos fortificados com esta vitamina.

Outra questão tem a ver com a qualidade das proteínas vegetais, que é inferior, nomeadamente em relação ao conteúdo de aminoácidos, do que as de origem animal. Uma estratégia será o consumo de leguminosas com arroz, por exemplo.

Depois há o problema do cálcio, resultado da ausência de produtos lácteos, e aí deve optar-se pelo consumo de brócolos e couve portuguesa. Mas, mesmo assim, “a biodisponibilidade deste nutriente [nestas brássicas] é menor do que no leite”.

Quanto ao que não se deve mesmo fazer quando se quer transitar para uma dieta deste género, Magda Roma, nutricionista e vegan, diz que fazê-lo sem ajuda de um profissional é um erro. Antes de começar devem realizar-se análises clínicas “para entendermos como está o organismo”. “É muito usual as pessoas já terem, do regime anterior, deficiências e alterações nas suas análises”, explica. Também é aconselhável que se procurem fontes fidedignas de informação.

Fonte – Rita Marques Costa, Público.PT de 28 de abril de 2018

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