Por Ellen Nemitz · ECO - 18 de dezembro de 2024 - Câmara ressuscitou “jabutis” da…
Fantasmas dos Climas Passados
Sua careca resplandecia quente sob o sol do inverno. Enquanto observava a bela paisagem, uma construção dos homens e desconstrução da natureza, nem ao menos percebeu que sua secretária o esperava aflita.
-As notícias do dia, senhor. O dia mais quente do ano. De novo. – Afirmou categoricamente, refletindo se ao menos na véspera de Natal ele conseguiria compreender a gravidade da situação.
-Sabe o que é estranho? Parece que eu ouvi você falando quase todos os dias que aqueles eram os mais quentes. Um ano de grandes recordes, não? – Sorriu, novamente sem entender a gravidade da situação.
– Sim senhor, ano de grandes recordes. Quinhentas pessoas morreram ontem de insolação. Aquele projeto para regulação dos poluentes emitidos pelas empresas espera pela votação, na verdade esse projeto ficou esperando o ano todo… Seus eleitores fizeram um abaixo-assinado para…
– Não quero saber! Já fiz demais hoje! Deixe os eleitores para o ano que vem. Com certeza eles sabem esperar, não é mesmo, linda?
Na falta de resposta, ele continuou:
-Era para eu estar de recesso, e, no entanto aqui estou batendo ponto. Viu como sou um bom político? Vir aqui é mais que o necessário, o resto fica para o ano que vem! Dispensada. Eu não quero me aborrecer com aqueles cientistas e ativistas chatos que só sabem falar do meio-ambiente. Por acaso eles acham que só existe o meio-ambiente? E como fica a economia? Em que mundo eles vivem?
A moça não estava nada surpresa. Antes de sair pela porta, se virou abruptamente para o político careca:
-Feliz Natal.
-Com certeza! Irei para a Suíça aproveitar a neve. Aquilo sim que é Natal de verdade.
A secretária saiu revirando os olhos: se ainda houver neve por lá… Eu espero que não tenha! Pergunta onde os cientistas e ativistas chatos pensam que vivem, mas quem não percebe que vivemos em um mundo só é ele! A economia não está em um mundo paralelo.
Assim que ela se foi, o político pegou o celular e ligou para seu chofer:
-Prepare o carro. – Curto e grosso. – Sairei agora para o aeroporto.
Pegou sua mala de trabalho, cheia de papéis com reivindicações de empresas e de outros políticos, e saiu de seu escritório com ar-condicionado para seu carro com ar-condicionado a caminho de seu jatinho com ar-condicionado, nem ligou ou percebeu a poluição, alta temperatura, seca. Em sua bolha de falsa riqueza não percebeu a perda do mundo que o cercava. O mundo a sua volta poderia acabar em água ou fogo que ele não notaria.
Ao chegar ao aeroporto foi direto para seu jatinho, sem nem precisar sentir um pouco da confusão de horários graças à confusão de climas. Sentou-se em sua poltrona de couro animal, ligou o rádio e fechou os olhos.
O que está faltando? – Ele poderia responder: minha ética! Mas em vez disso lembrou-se de sua bebida preferida.
A bebida estava a apenas alguns passos de seu alcance, por isso ele entrou na despensa de seu avião e pegou o objeto de seu desejo. Um bafo sombrio penetrou no agradável ambiente assim que tivera em mãos a bebida.
As gotas dentro harmonizaram-se na formação perfeita da face brava de um homem idoso. O medroso imediatamente largou a garrafa, que rolou pelo chão aveludado do avião, sumindo de sua vista.
Lembrou-se de sua família, que o esperava nos Alpes para as férias. Deixou a música tocando e dormiu até que o som parou abruptamente. Vários chiados começaram quando a música parou. A garrafa voltou aos seus pés, e, sozinha, se abriu.
Um fantasma molhado e triste saiu de lá. Preso por correntes de trovões, com a face quebrada da seca, cabelos de água verde e olhos abrangendo a escuridão de um possível fim. O político encolheu-se em sua poltrona e gritou. Seus gritos, porém, foram abafados pelo trovão que ressoava das correntes.
-Quem é você?- Conseguiu perguntar.
-Pergunte quem eu era. – A sua voz ressoava como a tristeza da Terra.
Ele chegou mais perto do político, que se encolheu mais ainda.
-Eu era como você. Fui um político inconsequente e irresponsável que morreu em um acidente de avião.
-Eu vou morrer?!
-Talvez… Você será visitado por três fantasmas, três climas, três tempos. É o meu presente para você.
-Eu não quero seu presente! Só eu estou recebendo esse presente?!
A risada cavernosa fez o avião tremer.
-Não. Milhares de políticos, de todas as etnias e regiões do mundo estão recebendo visitas parecidas neste mesmo momento.
O fantasma se foi, deixando como traço um seco suspiro, uma brisa fria, e garrafa da bebida preferida do político rachada e vazando aos seus pés. O político não conseguiu mais dormir, observando cada som. Um momento, porém, ele cochilou, e no exato instante um raio quase atingiu o avião, fazendo um som que lhe lembrou da voz fantasmagórica que o visitara.
O bafo sombrio que se manifestara quando abrira a despensa se materializou: era um fantasma branco como a neve e frio. Ele usava luvas pretas de couro artesanal e uma coroa brilhante, dourada.
Vestia um comprido manto vermelho, e se não fosse pela falta de barba e sua cor tão branca que beirava o doente, poderia muito bem ser o Papai Noel.
-Sou o fantasma do Clima Passado, antes da Revolução Industrial.
-Mas antes da Revolução Industrial o Clima não era saudável? Sem ofensa, mas você me parece um pouco anêmico.
O fantasma gritou, levantando o escasso cabelo do político quase careca.
– Político idiota, eu represento o Clima e o Tempo, e o meu tempo não era saudável para o povo. Eu represento um bom Clima e péssimos monarcas absolutistas. Políticos tão ruins quanto vocês de hoje.
O fantasma de antes da Revolução Industrial sorriu enigmaticamente, puxou o político pela gravata, que quase engasgou nesse processo. Ele foi com toda velocidade em direção à parede, para desespero do político, que pensou no fim próximo. Eles ultrapassaram o avião e desceram das nuvens.
Em um segundo estavam em uma vila, ele conseguia sentir o ar diferente. As pessoas se vestiam com roupas compridas, rasgadas e há muito tempo sem cor. Eles acompanharam uma garotinha que cantava e dançava, em poucos segundos a viram se tornar adulta, idosa, e morrer. Depois disso viram a filha dela, e o filho do filho, observando também as mudanças no ambiente, que foi se degradando.
Depois do que pareceu muito tempo, ele identificou um garotinho que corria. Era ele. Emocionado, percebera que vira a história de sua família desde o começo, e assim veria o seu fim. Viu um velho solitário, deixado de lado pela família, e também viu seus filhos morrerem com o ambiente. A relação da degradação das pessoas com a degradação do ambiente ficou clara.
-Eu vou fazer diferente! Leve-me de volta e eu mudo o futuro! – Amargurou-se.
-Você ainda não aprendeu a lição. – Ao dizer isso o largou, e ele se viu caindo pelos céus, entre as nuvens, para um segundo depois estar em sua poltrona de couro.
O político dormiu, mas logo foi acordado por pingos que caíam em sua testa. Os pingos fediam, e só teve o tempo para chegar a essa conclusão, pois pouco depois um fantasma de roupas futuristas caindo aos pedaços agarrou sua garganta.
– Olhe para mim! – Exclamou o fantasma, zangado.
O político não queria olhar, preferia passar a noite olhando para o teto (e depois ter torcicolo), do que encarar os frutos de seu trabalho. Ele, todavia, não era tão forte quanto o fantasma, que puxou com força e rapidez sua face para baixo, o obrigando a olhar.
-Eu sou seu filho. – Frase inversa do Star Wars, sério? – Ele se conteve para não rir. -E também sou filho de todos os seus colegas que não fizeram nada para que eu fosse diferente. Para que eu fosse melhor. Fizeram de mim um monstro! Fizeram de mim o fim! Sou o fantasma do período da Revolução Industrial, e também da pós Revolução Industrial.
O político sentiu-se envergonhado. O futuro era realmente o pesadelo de qualquer um: a destruição total, caos, apocalipse em um só ser. Viu-se em um campo escuro que aos poucos foi clareando, e com a luz veio o terror: a terra era seca, morta, apesar de ter certeza de que aquele lugar já fora verde, e conforme andava surgiam pessoas, ou o que restou delas, andando como zumbis.
Corriam o máximo possível em seus corpos delimitados e doentios para alcançá-lo, e o político corria delas. Quando suspirou aliviado com a certeza de que tinha se livrado deles, olhou para seus pés, e gente e mais gente subnutrida puxava sua roupa, como se pedissem socorro.
Seu fôlego faltou e suas pernas não aguentavam mais, e uma gota mal cheirosa caiu em sua testa, e ele voltou ao seu tempo e ao seu avião. Dessa vez não conseguiu dormir, já que tinha certeza de que não era somente um pesadelo: O avião começou a tremer, e percebeu que o terceiro fantasma estava a caminho. Olhou pela janela e viu um fantasma surpreendente.
– Sou o caminho, seja para saúde ou doença, e o futuro é o fim. – Sua voz vinha em forma de trovões, e ela ainda estava do lado de fora, com metade de seu vestido verde, doentio, assim como seus pés, e da cintura para cima era a fauna e flora, água, luz e esperança. Ela entrou lentamente no avião, afinal o presente não tem pressa.
-O futuro está muito longe e o passado já foi. Eu sou a única que você pode mudar, sou a esperança do futuro e o significado do passado. – Ao dizer isso, tomou as mãos dele nas suas.
Ela o levou para o presente, e mostrou cada gesto que, naquele instante, ele poderia tomar para ser a esperança do futuro e o significado do passado. Desde economizar a água até as atitudes políticas mais significativas, o presente mostrou a ele como agir: com mais amor pela Terra do que pelo dinheiro que poderia ganhar sendo corrupto e egoísta. Também visitaram cada canto do planeta em que seus atos presentes desencadeariam consequências, não viram as consequências, mas a degradação do presente.
O político foi levado, delicadamente, de volta ao seu avião, e a representação do presente sumiu em uma explosão de luz e vida, mas também de morte e caos. O paradoxo da própria vida.
Assim que o avião chegou ao seu destino, trouxe toda a família para o avião e voltaram, quando eles chegaram o político iniciou uma constituinte para colocar em votação todas as leis e projetos ambientais e sociais que deixara para mais tarde.
Além disso, agora só ia ao trabalho de bicicleta, transformara seu avião no primeiro grande jatinho a funcionar por energia solar, vendera o jatinho e utilizara o dinheiro para construir uma escola sustentável para crianças carentes, além de recuperar o carinho da família e da nação.
Laís Vitória Cunha de Aguiar, 19, é ativista ambiental, estudante de Ecologia da UFPB e comunicadora popular pela Adopt a Negotiator, uma organização mundial que engloba jovens de diversos países com objetivo de divulgar o que ocorre nas negociações climáticas.
Conto de Laís Vitória Cunha de Aguiar. O presente conto é uma livre adaptação do livro ‘Christmas Carol’, conhecido no Brasil como ‘Um Conto de Natal’, de Charles Dickens.
Fonte – EcoDebate de 15 de setembro de 2015
É uma pena que políticos com consciência e políticos com ética não existam, sejam só lendas e são encontrados só em histórias de ficção.
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