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Fazendas de cana e café apresentam alternativas ao Pacote do Veneno

Corte mecanizado de cana em fazenda agroecológica no interior de São Paulo: produção foi maior do que a dos demais produtores que usam agrotóxicos e adubos químicos. REPRODUÇÃO/YOUTUBE
Audiência pública em SP sobre o PL da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos reúne experiências que desconstroem argumento dos ruralistas e mostram que é possível – e necessário – produzir em escala e sem agrotóxico

A produção canavieira tornou-se sinônimo de extensas áreas cobertas pela cana, regadas por chuvas de agrotóxicos despejadas por aviões, que o vento espalha por quilômetros, caindo também sobre casas, escolas, intoxicando pessoas e animais, contaminando rios e aquíferos, em nome da produtividade. Na fazenda São Francisco, em Sertãozinho, na região de Ribeirão Preto (SP), a história é bem diferente. A produtividade aumentou – e muito – justamente depois que os agrotóxicos e os fertilizantes químicos deixaram de ser usados.

De acordo com um estudo encomendado ao Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), nas safras de 1990 a 1996 a produtividade da São Francisco era de 90 toneladas por hectare. Já nas safras de 2001 a 2006, subiu para 105. Outros produtores da região, que praticam o cultivo convencional, com agroquímicos, tiveram rendimento de 83 e 88 toneladas por hectare, respectivamente. A São Francisco, portanto, produziu cerca de 10 toneladas por hectare a mais.

“Sim, as usinas podem ser mais sustentáveis”, afirmou o agrônomo Fernando Alonso de Oliveira, gerente do grupo Balbo, dono da marca Native, distribuída em 60 países nos cinco continentes. Para obter tais resultados, foram implementadas mudanças no sistema de produção. As queimadas antes da colheita foram abolidas em 1996, 20 anos antes da proibição no estado de São Paulo, sendo substituída pela colheita mecânica.

Os efluentes da industrialização da cana passaram a ser aproveitados. É o casos da vinhaça, utilizada como fertilizante. O controle biológico das pragas substituiu os inseticidas, como o glifosato, associado ao câncer, entre outros.

A cobertura do solo com acúmulo de matéria orgânica tornou-se a base para a rotação de culturas, como de leguminosas, que juntamente com a incorporação de outras outras técnicas agroecológicas conferem mais vitalidade ao solo. A matéria orgânica que beneficia a terra tem impactos positivos no sistema hídrico. E as pragas passaram a ser controladas biologicamente. Com esse equilíbrio, a fauna local está sendo recuperada e já reaparecem animais, alguns na lista de extinção.

“Também foram plantadas mais de um milhão de árvores para proteger áreas sensíveis, como regiões de manancial. Com o aparecimento de mais espécies na região, fizemos uma parceria com a Embrapa, que montou um mapa de habitats da fauna. Foram encontrados 335 grandes vertebrados no local. Até mesmo uma sucuri”, disse o agrônomo, durante audiência pública na Câmara dos Vereadores de São Paulo, na tarde desta quinta-feira (9), para discutir o Projeto de Lei (PL) 6.670/2016, que institui a Política Nacional de Redução dos Agrotóxicos (Pnara).

Iniciativa do deputado federal Nilto Tatto (PT-SP), relator do PL na comissão especial, a audiência reuniu ativistas, organizações, parlamentares, pesquisadores, representantes do Ministério Público de São Paulo, da Defensoria Pública estadual, do Fórum Paulista de Combate aos Efeitos dos Agrotóxicos e transgênicos, agricultores e estudantes.

Trincheira

Fruto da pressão do movimento da agroecologia, que reúne agricultores, ambientalistas e militantes da área de saúde, entre outras, a Pnara surge como principal trincheira na luta contra o avanço do Pacote do Veneno, que pretende revogar a atual legislação para facilitar ainda mais o registro, a produção, a comercialização e o uso de agrotóxicos.

O oacote é repudiado pela sociedade e por mais de 300 das mais importantes entidades e órgãos públicos nas áreas de saúde, ciência, meio ambiente, nutrição e direitos humanos no país. Até mesmo a Organização das Nações Unidas (ONU) se manifestou de maneira contrária por meio de carta enviada ao governo brasileiro.

A crescente resistência à proposta, que interessa apenas aos ruralistas e à cadeia industrial dos agrotóxicos, é amparada em pareceres técnicos sobre os malefícios trazidos por esses produtos que têm no Brasil o maior mercado consumidor. Entre eles, a epidemia de câncer. Uma situação grave que tende a piorar.

Para se ter uma ideia da situação de descalabro, o brasileiro consome, em média, 7 litros de agrotóxicos por ano segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca). A larga utilização na agricultura é amparada por legislações permissivas. “Enquanto os países da União Europeia permitem até 0,1 micrograma de glifosato por litro de água, o Brasil permite 500 microgramas – 5 mil vezes mais”, alertou a professora e pesquisadora do Departamento de Geografia da USP, Larissa Bombardi, autora do atlas Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia (clique aqui para acessar).

A obra demonstra, entre outras coisas, a realidade de comunidades indígenas contaminadas pelo agronegócio que avança sobre seus territórios, de mulheres que adoecem por trabalhar na colheita de frutas às margens irrigadas do São Francisco, na Região Nordeste. Ou mesmo de bebês intoxicados bem antes de completar 1 ano de vida.

Por meio de infográficos, expõe o tamanho do problema ao comparar áreas ocupadas por culturas banhadas em agroquímicos, muitos banidos e proibidos no exterior, com as dimensões de  países da União Europeia, onde a população cada vez mais rejeita esses produtos – e governos, como o da França, pretendem adotar medidas cada vez mais restritivas e reduzir a quantidade de venenos permitidos.

café orgânico ganha espaço no brasil

Cultivo de café orgânico consorciado com outras culturas em fazenda agroecológica em Minas Gerais. ARQUIVO/EPAMIG

Café

Um dos principais itens da pauta de exportação brasileira, o café tem tudo para se tornar cada vez menos dependente dos agrotóxicos. De acordo com a Associação de Cafés Orgânicos e Sustentáveis do Brasil (Acob), a área cultivada com orgânicos praticamente quadruplicou de 2004 a 2014, passando de 200 mil hectares para quase 800 mil hectares. E a tendência para os próximos anos é de mais crescimento. A estimativa é que o café orgânico passe a ocupar 5 a 6 mil hectares. A área total ocupada pelo café no Brasil é de 2,21 milhões de hectares, segundo o Ministério da Agricultura.

De acordo com o diretor executivo da Acob, o agrônomo Cassio Franco Moreira, a produção orgânica era para estar mais robusta. Em 2000, com a crise no setor cafeeiro convencional, muitos produtores migraram para o sistema orgânico, animados com a perspectiva de maiores ganhos. Tanto que de 2002 a 2004 país produziu 300 mil sacas por ano.

Mas desconhecimento do manejo orgânico do solo, das pragas e doenças e a falta de investimento para manter a qualidade dos grãos colhidos afetou a produtividade. A maioria não conseguiu obter qualidade e preço e, com a retomada da valorização do convencional, as lavouras orgânicas voltaram a ser tratadas com agroquímicos. “Se mantiveram firmes aqueles que conheciam boas técnicas de produção, os princípios agroecológicos, produtividade e mercado”, destacou Moreira.

Por isso, segundo ele, a associação implementa projetos para disseminar tecnologias sustentáveis visando o aumento da qualidade dos grãos, da produtividade, a adaptação ao clima e o aumento da qualidade de vida de pequenos e médios cafeeicultores. “Defendemos também o diálogo com o agronegócio, para trocarmos experiências e tecnologias”, disse.

Sem veneno

“Está claro que é possível alimentar a humanidade sem venenos, que foram criados há pouco tempo”, destacou o veterinário Romeu Leite, coordenador do Fórum Brasileiro de Certificação Participativa e fundador da Vila Yamaguishi Orgânicos. “A humanidade desenvolveu a agricultura. E muitos dos métodos antigos estão sendo resgatados, como sistemas agroflorestais, por exemplo”.

Lembrando estratégias comerciais da indústria de agrotóxicos, que opera inclusive por meio de bancos, que condicionam empréstimos aos produtores à compra de pacotes de sementes e agroquímicos, Leite avalia que um dos alvos do setor é acabar com a reputação dos orgânicos.

“Nós temos de comprovar a produção orgânica, mas quem usa veneno não é fiscalizado e nem tem que dizer que venenos usa”, disse.

A audiência contou também com experiências do Instituto Kairós, como o Escola mais Orgânica, projeto da Prefeitura de São Paulo.  E da Rede Ecovida, formada por agricultores familiares, técnicos e consumidores reunidos em associações, cooperativas e grupos informais. Entre os objetivos estão o desenvolvimento de iniciativas em agroecologia e o trabalho associativo na produção e no consumo de produtos ecológicos.

Fonte – Cida de Oliveira, Rede Brasil Atual de 10 de agosto de 2018

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