“Eu não vejo uma saída melhor para resolver esse problema do que mudar o comando da gestão ambiental do país”. Com essa sentença o advogado e consultor ambiental, Antonio Fernando Pinheiro Pedro avaliou a performance do Ministério do Meio Ambiente brasileiro no Dia Internacional do Meio Ambiente.
A avaliação foi feita em entrevista concedida ao jornalista Arnaldo Risemberg, para a Rádio Sputnik (Voz da Rússia) e para o site Sputnik Brasil – mídias da agência russa internacional de notícias Rossyia Segodnya (Rússia Hoje) – RT, sediada em Moscou e direcionadas ao Brasil.
Para ouvir a entrevista basta clicar aqui:
Em seguida a transcrição da entrevista:
RS – Amigos da Rádio Sputnik, 5 de junho é o Dia Mundial do Meio Ambiente, uma data que, certamente, coloca o Brasil na berlinda já que o mundo está de olhos voltados para o país, questionando (no caso de alguns governos, especialmente da Europa) a política ambiental do governo brasileiro.
Sobre este assunto, vamos conversar agora com advogado Antonio Fernando Pinheiro Pedro, especialista em Direito Ambiental.
Boa tarde, prezado Dr. Antonio Fernando Pinheiro Pedro, prazer imenso em tornar a ouvi-lo na Rádio Sputnik.
AFPP – Boa tarde Arnaldo e amigos da radio Sputnik
RS – Dr. Antonio Fernando Pinheiro Pedro, o Brasil, que se havia tornado referência positiva em discussões sobre o meio ambiente, tornou-se preocupação internacional. Isto se deve à política ambiental do atual governo ou outros fatores concorrem para esta percepção internacional negativa sobre o país?
AFPP – De fato há outros fatores, além da política ambiental, que contribuem para a imagem cada vez mais negativa do governo no plano internacional.
Para se ter uma ideia, só na questão da pandemia o próprio aliado internacional do governo Bolsonaro, o Presidente dos EUA, Donald Trump, tem apontado o Brasil, juntamente com a Suécia, como exemplos negativos de postura política em relação ao tratamento da pandemia. Isso já mostra por si só que há hoje uma disfunção na governança do país, com imagem negativa a nível internacional.
Mas a questão ambiental foi determinante para essa imagem negativa e isso se deve a uma conjugação de fatores.
Primeiro, o posicionamento do Brasil, foi de início abertamente crítico ao globalismo. O problema é que a esse posicionamento crítico deveria ter se seguido uma série de medidas e atitudes que correspondessem á posição. Mas isso não aconteceu. O país deveria ter adotado uma política efetiva em relação às mudanças climáticas, propondo uma nova perspectiva soberana, por exemplo.
Era essa a nossa expectativa, mas isso não aconteceu. Não só nada se fez ou se construiu, como o que havia foi desmontado. Toda a estrutura nacional relativa ao setor de mudanças climáticas simplesmente foi desmontado – e de protagonistas na questão climática, fomos parar no limbo internacional.
Só não foi pior porque outros setores, como do agronegócio e energia, tocaram projetos próprios, e dou como bom exemplo o Programa Renova Bio, como uma referência positiva no meio de tamanha negatividade com relação às mudanças climáticas.
Outro problema foi o controle do desmatamento. No início do governo Bolsonaro para cá só pioramos. Saímos de uma crise de números para um desastre de fiscalização, a ponto do próprio governo escantear o seu ministério do Meio Ambiente e nomear o Vice-Presidente da República para assumir as operações de Gestão Ambiental na Região Amazônica, implementando uma intervenção federal com tropas da Força Nacional e Exército, para cumprimento da garantia da lei e da ordem.
RS – Quais são as maiores preocupações no que diz respeito ao meio ambiente atualmente no Brasil?
AFPP – No que tange à maior preocupação que podemos ter hoje em relação à questão ambiental no Brasil, eu vejo o desmonte do Sistema Nacional do Meio Ambiente – o Sisnama, como o ponto principal das preocupações que devemos ter com os rumos da gestão ambiental brasileira.
O Sisnama foi fruto de um trabalho muito grande , construído a partir do final dos anos 70 para os anos 80 e 90 do século XX. Teve sua origem no regime militar e se aperfeiçoou na Nova República. Estava se consolidando nas duas primeiras décadas deste século. Mas, simplesmente está sendo desmontado neste pouco mais de um ano de gestão ambiental do governo Bolsonaro. A tal ponto, que o que deveria ser uma substituição de peças se transformou no sucateamento completo do sistema.
A série de “revogaços”, que foi implementada no início do governo Bolsonaro – um processo de revogações de normas, deveria ser sucedida por uma série de medidas de reformulação sistêmica. No entanto, o sistema foi impactado pelas revogações e permanece sucateado. Conselhos foram abolidos e nada foi reposto. Não há quadros, não há institutos, não há planos de ação, não há programa.
Ou seja, o sistema nacional do meio ambiente está ao Deus dará. Ele tende a desaparecer se não for adotada uma medida séria do ponto de vista gerencial. Nós vamos precisar de um choque de gestão para resolver.
Ações cosméticas não enganam. Podem fazê-lo por um tempo, mas depois elas só consolidam tragédia… e é o grande problema de hoje.
Na minha visão, Arnaldo, como quem participou da transição de governo e ajudou a formatar a governança que deveria ter sido imposta no Governo do Presidente Bolsonaro, eu posso dizer hoje que todo o trabalho efetuado na transição já foi perdido.
A omissão do governo, portanto, é muito grave, e eu não vejo uma grande saída com referência a isso.
Eu queria também falar que esta omissão do governo se firma em duas pautas graves, a do licenciamento ambiental e a do saneamento e resíduos sólidos.
A omissão do governo nessas duas questões é grave. O licenciamento ambiental tem sido tratado no Congresso Nacional, no qual o assunto foi parar no limbo. O projeto de lei que ali corre está em fase estacionária, talvez esperando passar a turbulência da pandemia e as eleições municipais para ser retomado – mas sem qualquer controle por parte do governo federal.
No que tange ao marco legal do saneamento, ocorre a mesma coisa. Nós temos ali uma briga de lobbies entre as grandes empresas de lixo, as empresas estatais de saneamento e as prefeituras; e o governo federal simplesmente se cala, não adota medida nenhuma. Está esperando talvez o barco chegar a algum lugar, levado pelo vento de ocasião… e isso é péssimo!
E eu não vejo uma saída melhor para resolver esse problema do que mudar o comando da gestão ambiental do país. Nós temos um ministro que não mais reúne condições para ser interlocutor na área ambiental – não tem condição mais de gerenciar o sistema. Não planeja, não implementa ações políticas, programas e projetos. Ou seja, não há condições, com a atual gestão, de se implementar uma lei ambiental no país.
RS – De que forma o governo brasileiro pode ou deve agir para mudar esta percepção internacional sobre o país? Recentemente, o Relator Especial da Organização das Nações Unidas sobre as Implicações para os Direitos Humanos da Gestão e Disposição Ambientalmente Adequada de Resíduos e Substâncias Tóxicas, Baskut Tuncak, alertou que o governo Bolsonaro não tem o direito de usar a COVID-19 como uma cortina de fumaça para ampliar o desmatamento. O que o Sr. pensa desta avaliação?
AFPP – Nesse mesmo diapasão que falei a respeito da necessária e urgente necessidade de mudar a gestão ambiental no país, está esse posicionamento – que eu concordo, que a pandemia está sendo muito mal trabalhada pelo governo federal no país, está servindo de cortina de fumaça para uma série de omissões praticadas pela gestão ambiental brasileira.
Não precisa ir muito longe. Basta ver o escândalo da gravação do dia 22 e abril, da reunião interministerial, em que o próprio ministro do meio ambiente relata para os demais ministros, sugere que “se passasse a boiada” da desregulamentação do setor ambiental, aproveitando que a mídia está concentrada, cobrindo a crise da pandemia.
Ora, a partir do momento em que o principal gestor ambiental da presidência da república trata a questão da desregulamentação como uma “boiada”, ou seja, algo que deva ser consumido oportunisticamente em função da pandemia – a posição denunciada por Baskut Tuncak é pequena em relação ao volume de danos que esse posicionamento de “desregulamentação” pode ocasionar no restante, naquilo que resta de gestão territorial ambiental federal no Brasil.
A situação é muito grave e minha avaliação absolutamente negativa.
RS – Dr. Antonio Fernando Pinheiro Pedro, muito obrigado por mais esta entrevista para a Rádio Sputnik Brasil.
AFPP – Muito obrigado Arnaldo e aos amigos da Rádio Sputnik Brasil.
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