Por Pedro A. Duarte - Agência FAPESP - 12 de novembro de 2024 - Publicado…
Governo e ruralistas pressionam liberação do glifosato
Classificado como carcinogênico para seres humanos, o glifosato é o agrotóxico mais usado em todo o mundo, por mais de 40 anos e em mais de 160 países, inclusive no Brasil. Foto: Rede Brasil Atual
Agrotóxico, cuja associação com câncer e outras doenças já foi comprovada, teve seu registro suspenso pela Justiça brasileira. Mas governo, fabricantes e ruralistas pressionam a Advocacia-Geral da União pela derrubada da decisão
No dia 3 de agosto, a juíza federal substituta Luciana Raquel Tolentino de Moura, da 7ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, determinou em caráter liminar que o governo federal não conceda novos registros de produtos que contenham como ingredientes ativos a abamectina, o glifosato e o tiram. E que suspenda, no prazo de 30 dias, o registro de todos os produtos que utilizam tais substâncias até que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) conclua os procedimentos de reavaliação toxicológica dos agrotóxicos. Governo e ruralistas estão fazendo pressão dizendo que, sem o glifosato, a próxima safra de milho e soja, que começa em setembro, está em risco. O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, comumente chamado de “o rei da soja”, chegou a afirmar que os agricultores poderão descumprir a ordem judicial que suspende o uso do herbicida glifosato e revelou que a Advocacia-Geral da União (AGU) vai recorrer da liminar concedida pela Justiça Federal do Distrito Federal. “É muito importante dizer: não há saída sem o glifosato. Ou a gente não planta ou faz uma desobediência da legislação ou da ordem judicial. O glifosato é que dá toda a viabilidade de fazer o plantio direto e seguir com as culturas”, afirmou Maggi durante o Congresso Mundial de Ciência do Solo, promovido entre os dias 12 e 17 de agosto, no Rio de Janeiro, conforme indicou a reportagem do jornal ‘Valor Econômico’ (16/8).
Ainda segundo reportagem da Rede Brasil Atual (17/8), sobre o mesmo tema, o sindicato dos fabricantes e indústrias como a Monsanto e a Syngenta, que produzem este e outros agrotóxicos, já avisaram que não conseguem oferecer herbicidas substitutos em quantidade suficiente para o plantio dessas lavouras. “Trata-se de uma chantagem do governo e dos fabricantes, que insistem em afirmar que a suspensão do glifosato impactará a produção”, afirma o professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), André Burigo. Ele explica que a principal destinação do milho e da soja, que são as commodities agrícolas de grãos mais importantes para o agronegócio, é a alimentação animal, e não a alimentação humana, além da exportação. “O impacto sobre as lavouras pode ser até real, pois elas são dependentes de agrotóxicos. É um modelo de desenvolvimento que concentra o dinheiro nas mãos de fazendeiros e socializa para toda a sociedade os impactos negativos dos agrotóxicos”, sentencia. Para Burigo, o discurso funciona também como uma pressão sobre a Anvisa, para que ela conclua com a maior celeridade possível a reavaliação do glifosato e apresente um desfecho favorável à manutenção do uso desse agrotóxico no Brasil. “Precisamos nos manter alertas em relação à posição da Anvisa, que é um órgão vinculado ao Ministério da Saúde e faz parte, portanto, do SUS. A Agência deve estar orientada pelos artigos constitucionais que tratam da saúde como direito de todos e dever do Estado e pela Lei Orgânica da Saúde, a Lei 8.080/90. Isso significa que a Anvisa deve manifestar-se quanto ao glifosato, com base nos princípios de proteção da saúde e na saúde enquanto direito constitucional, e não subjugada a interesses outros”, acrescenta.
Mais usado nas lavouras
O glifosato, ingrediente ativo do agrotóxico Roundup, produzido principalmente pela Monsanto, é o agrotóxico mais usado em todo o mundo, por mais de 40 anos e em mais de 160 países, inclusive no Brasil. Segundo Burigo, é o herbicida mais usado nas lavouras brasileiras, em torno de 40%, especialmente nos cultivos de transgênicos, como soja e milho. A substância já foi proibida no Sri Lanka, El Salvador e Bermudas e deve ser banida no âmbito da União Europeia (UE), a depender da França, Itália, Grécia e Áustria – o governo francês, por exemplo, quer proibir o produto no seu território até 2022. Esses países estão levando em consideração a decisão da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc, na sigla em inglês), que em 2015 enquadrou o glifosato na categoria 2A. Isso significa que é “provavelmente cancerígena para humanos e comprovadamente cancerígeno para animais”.
Em entrevista publicada no Portal EPSJV (17/8), a toxicologista do Instituto Nacional do Câncer (Inca), Márcia Sarpa, já havia alertado sobre os riscos deste agrotóxico e de vários outros sobre a saúde da população. A exemplo da Iarc que em 2015 comprovou a relação entre o glifosato e o linfoma não-Hodgkin em populações expostas ocupacional e ambientalmente à substância, classificando-a como provavelmente carcinogênico para seres humanos, pesquisa do Inca traz evidências entre esse tipo de câncer e os agrotóxicos em geral. “É um estudo de caso e controle que realizamos no hospital, por meio do qual identificamos que pacientes com linfoma não-Hodgkin foram expostos a agrotóxicos durante a vida laboral”, esclareceu Marcia. Ela fez ainda comentários sobre uma decisão recente inédita da justiça norte-americana, que condenou a Monsanto a indenizar o jardineiro Dewayne Johnson em US$ 289 milhões pelo aparecimento de um câncer, que por sua vez estaria relacionado ao uso do herbicida Roundup, cujo princípio ativo é o controverso glifosato. “Foi uma decisão muito importante, que poderá abrir precedente aqui no Brasil”, afirmou, revelando que a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Inca estão desenvolvendo um estudo com agentes de endemias, por meio do qual identificaram a relação entre a exposição ao malathion (inseticida bastante usado no Brasil para o controle de formigas, moscas, baratas e malária) e o câncer. “A gente poderá, também, em breve comprovar essa associação, para que esses trabalhadores possam cobrar na justiça os danos causados pela exposição ao malathion durante a vida laboral”, disse.
Fonte – EPSJV/Fiocruz de 20 de agosto 2018
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