Por Renata Fontanetto, dGCIe Baku (Azerbaijão) - Pesquisa FAPESP - Dezembro de 2024 - Foto:…
Herbicida glifosato: Veredito científico versus grandes interesses económicos
Relatório da Organização Mundial da Saúde sobre efeito cancerígeno do princípio ativo do herbicida Roundup, da empresa Monsanto, gera enorme polémica. Interesses económicos em jogo são significativos e uma penalização da comercialização do herbicida teria consequências significativas para a multinacional.
O relatório de março 2015, do Centro Internacional de Pesquisas sobre o Cancro (CIIC), sobre o efeito cancerígeno do Glifosato detonou uma bomba mediática. A transnacional que produz esse herbicida reagiu de imediato. Desde então, a polémica não deixou de inflamar-se. Poder económico, ONG, sociedade civil internacional, organizações campesinas e ambientais, classe política e até o mundo científico alimentam-na com posições tão polarizadas como intransigentes. Alguns governos começam, inclusive, a tomarem medidas concretas.
As conclusões do relatório “Monographs Volume 112: evaluation of five organophosphate insecticides and herbicides”, de tal Centro da Organização Mundial da Saúde (OMS), apresentadas em 20 de março último, considera que o glifosato, o ingrediente químico mais usado a nível planetário para destruir as pragas, é um “cancerígeno humano provável” (Grupo 2A).
Conclusão científica
A argumentar tal posição encontram-se cientistas independentes, que reviram durante um ano a literatura específica sobre o herbicida, encontrando “evidência suficiente” de que o produto causa cancro em animais de laboratório, “evidência limitada” de que causa em seres humanos e evidência de que causa danos noo DNA e no cromossoma de células humanas.
Um grupo de 17 proeminentes personalidades especialistas no tema de 11 países reuniram-se entre 3 e 10 março de 2015 para produzir o relatório final, que retoma estudos científicos e de governos e entidades oficiais, mas que não leva em conta artigos on line cuja independência não pode ser provada.
O glifosato constitui o princípio ativo do herbicida Roundup, produto comercial da empresa Monsanto cuja patente expirou em 2000. A Monsanto registou, em alguns países, a soja transgénica resistente ao glifosato, o que permite a aplicação do herbicida em cobertura total, sem afetar o cultivo. Encontram-se já no mercado também variedades de milho e algodão resistentes a tal químico.
A multinacional, com sede em Saint Louis, Missouri, Estados Unidos, não tardou a reagir contra o relatório do Centro de Pesquisas, expressando o seu total desacordo com as suas conclusões. Aludiu a quatro argumentos: que não existem novos dados ou pesquisas; que dados relevantes teriam sido excluídos da pesquisa; que as conclusões do CIIC não estão apoiadas pela evidência científica disponível e, por último, que a classificação do organismo internacional “não estabelece uma relação entre o glifosato e um aumento do cancro”.
Na sua resposta, a Monsanto tentou desacreditar a solidez científica do organismo responsável pelo novo relatório, argumentando que, “no passado, o CIIC recebeu críticas pela forma como conduz as suas avaliações e sua falta de objetividade”. E tornou públicas as posições de algumas autoridades reguladoras do glifosato (como a do Canadá, a Agência de Proteção ao Meio Ambiente dos Estados Unidos ou o Instituto Alemão de Avaliação de Riscos), que, anteriormente, se teriam pronunciado no sentido de que não existem evidências sobre a responsabilidade cancerígena desse herbicida.
Os interesses económicos em jogo são significativos e uma penalização da comercialização do herbicida teria consequências significativas para a multinacional. Tal como assinala um estudo da Third World Network (TWN): “A introdução de cultivos geneticamente modificados tolerantes a herbicidas, como a variedade Roundup-Ready, da Monsanto, deu lugar a um aumento espetacular do uso do glifosato”.
Segundo essa rede de organizações da sociedade civil africana e latino-americana, entre 1997 e 2014, a superfície mundial de terras destinadas para esses cultivos tolerantes a herbicidas passou de 6,9 milhões de hectares para 154 milhões de hectares.
Nos Estados Unidos da América do Norte, o uso total do herbicida aumentou em 237 milhões de quilos entre 1996 e 2011. Apenas os cultivos da soja RR representam 70 % desse incremento. Na América do Sul, a introdução da soja RR multiplicou por 10 a utilização de tal pesticida em países como a Argentina e o Uruguai. O Brasil constitui, atualmente, o maior mercado de pesticidas do mundo.
Reações imediatas
Dois meses depois de ser conhecido o relatório do CIRC, uma das primeiras reações oficiais que mais surpreendeu foi a tomada pelo governo colombiano. Em meados de maio 2015, o Conselho Nacional de Estupefacientes (CNE), instituição integrada por ministros e outros altos funcionários oficiais, decidiu suspender a fumigação dos cultivos de coca com o pesticida produzido pela Monsanto.
Segundo diversas fontes, nos últimos 14 anos, os diferentes governos colombianos promoveram a fumigação de plantações de coca, que ocupavam pelo menos 1 milhão e 800 mil hectares. Tudo isto no marco de uma estratégia global de erradicação, que contou com o apoio direto das autoridades dos Estados Unidos da América do Norte através do denominado “Plano Colômbia” de combate aos cultivos ilícitos.
A decisão de maio, de Bogotá, foi apoiada por cerca de 20 de congressistas norte americanos do Partido Democrata e produziu uma onda de reconhecimentos de personalidades do mundo científico e organizações nacionais e internacionais.
Em junho deste ano, foi o governo francês que anunciou a proibição, a partir de janeiro de 2016, da venda livre aos particulares dos herbicidas que contenham glifosato. Uma medida “simbólica” de certo impacto real, dado que se trata do herbicida mais utilizado pelos mais de 17 milhões de jardineiros amadores que existem no Hexágono.
A medida – que não toca a agricultura – implica uma antecipação na execução do plano governamental Ecophyto 2, que tenta reduzir em 50% o emprego de pesticidas na França, até 2025. O mesmo previa o fim da venda livre dos produtos químicos para plantas a particulares, a concluir em 2018.
Em numerosos outros países, o relatório do Centro Internacional de Pesquisas sobre o Cancro abriu espaços importantes de debate público, convertendo-se num detonador de reflexão tanto a nível do Estado como da sociedade civil.
Na Suíça, as organizações não governamentais Greenpeace, Médicos a Favor do Meio Ambiente (MfE, na sua sigla original) e Federação Suíça Francesa de Consumidores (FCR, na sua sigla em francês) lançaram, em maio deste ano, uma petição denominada “Proibir o glifosato já!” Vários deputados, especialmente do Partido Verde, apresentaram moções, postulados e interpelações parlamentares que vão na mesma direção.
Segundo a Third World Network (TWN), as Ilhas Bermudas e o Sri Lanka proibiram as importações de glifosato. O Ministério dinamarquês do Meio Ambiente do Trabalho coincidiu com as conclusões do relatório enquanto que autoridades da proteção de consumidores da Alemanha se pronunciaram a favor de uma proibição do químico em questão.
A Federação de Profissionais da Argentina (Fesprosa) também solicitou a proibição, tal como a União Latino-Americana de Cientistas Comprometidos com a Sociedade e a Natureza.
Debate de futuro
A Third World Network, assumindo-se como voz da sociedade civil africana e latino-americana e, em particular, do mundo dos trabalhadores rurais, publicou um relatório para a reflexão e o debate intitulado: O que continua depois de uma proibição do glifosato – mais produtos químicos e cultivos transgénicos? Ou a transformação dos sistemas mundiais de alimentos?
“É imperativo que as conclusões do CIIC levem o debate mais além da simples substituição do glifosato por outros herbicidas químicos tóxicos”, enfatiza a rede internacional. E sugere que a reflexão deve “abarcar questões mais profundas, como as características dos nossos sistemas de alimentação e agricultura, e como estes interagem e impactam nas pessoas e no meio ambiente”.
A TWN, fazendo eco do relatório do CIIC, lança certas pistas para antecipar o que denomina de procura por “alternativas reais” para proteger o meio ambiente e a saúde humana.
E pronuncia-se a favor de seis medidas imediatas a serem aplicadas. A proibição em curto prazo de todos os usos do glifosato. Assegurar que outros químicos tóxicos não substituam o herbicida em questão. Bem como a suspensão de novos cultivos transgénicos tolerantes aos herbicidas.
Sugere a realização de uma avaliação integral dos impactos e sobre o uso dos cultivos transgénicos tolerantes a herbicidas, e os herbicidas que são usados neles, em particular, em todas as zonas produtoras da soja RR.
Tal avaliação deve incluir a plena participação dos povos afetados e comunidades locais. E, para concluir, propõe iniciar um programa exaustivo de reparações aos povos afetados e a integral restauração e reabilitação dos ecossistemas contaminados. Sugerindo a mudança do controlo intensivo de males (hoje, via insumos químicos) através de métodos agroecológicos.
Fonte – Sergio Ferrari, Boletim Suisse du Cancer / Adital / Esquerda.net de 9 de novembro de 2015
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