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Impactos da mineração submarina
Por João Lara Mesquita – Mar Sem Fim – 21 de setembro de 2020
Há uma discussão no hemisfério norte que quase não chega ao Brasil. Trata-se dos impactos da mineração submarina que está prestes a começar em grande escala.
Assuntos como este, que geram polêmica na exterior, estão nas primeiras páginas dos jornais mais influentes como o New York Times.
Em agosto de 2020 o NYT publicou artigo assinado por dois especialistas, Steven H.D. Haddock, cientista sênior do Monterey Bay Aquarium Research Institute; e C. Anela Choy, professor assistente da Scripps Institution of Oceanography.
‘Tesouro e agitação no mar profundo’
Este foi o título do artigo do Times tratando dos impactos da mineração submarina.
Nele, os especialistas levantam algumas questões relacionadas ao iminente início de mais esta atividade no mar.
Há muito o Mar Sem Fim comenta que este século provavelmente verá o fim da pesca industrial, e o início de uma atividade ainda mais prejudicial ao mais importante ecossistema do planeta.
Apesar dos alertas da comunidade científica mundial, até hoje não se conseguiu controlar a pesca industrial.
E é de fato algo difícil que envolve várias questões: dos empregos em muitos países, à alimentação em outros tantos.
Para não falar na dificuldade de controlar uma atividade que ocorre num espaço correspondente a cerca de 70% da superfície do planeta.
A pesca industrial descontrolada
É por isso que quase todos os anos os equatorianos ficam arrepiados ao lerem notícias que dão conta da aproximação das frotas pesqueiras chinesas à Galápagos, um dos santuários marinhos mais conhecidos do planeta por suas peculiar história, mas sistematicamente invadido pelos chineses.
Mesmo assim, nada acontece de prático além de protestos inócuos em fóruns internacionais.
Talvez por isso, os cientistas com visão de futuro protestam pela novidade da mineração subaquática em grande escala.
Mas, a indústria, parece não dar a menor pelota.
Como alegam os dois cientistas, ela diz que ‘a mineração no fundo do mar é mais sustentável e menos prejudicial do que fazê-lo em terra’.
A ‘guerra’ de narrativas é fenômeno mundial…Mas é muita cara-de-pau afirmar que os impactos da mineração submarina possam ser sustentáveis.
É um conto-da-carochinha.
‘Operações de mineração submarina exploram estratégias para saquear esse tesouro’
O título está entre aspas porque a frase consta do artigo em referência. Os autores explicam que ‘explorações de mineração cobrindo mais de 500.000 milhas quadradas foram aprovadas pela Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (International Seabed Authority), que regulamenta a mineração em águas internacionais’.
E por que tanto temor?
Se nem a pesca industrial tem controle internacional eficaz, imagine o que pode acontecer com os “campos de nódulos metálicos e imponentes chaminés hidrotérmicas que acumulam metais preciosos e valorizados, estimados em bilhões a até trilhões de dólares.”
Trilhões de dólares, este é o grande perigo.
Um das fontes hidrotermais marinhas. Imagem, https://phys.org/.
Segundo os autores, estes campos e chaminés “estão lá para serem tomados, e as operações de mineração ao redor do mundo estão explorando estratégias para saquear esse tesouro, afirmando que a mineração no fundo do mar é mais sustentável e menos prejudicial do que fazê-lo em terra.”
O que existe no fundo do mar
Como se sabe, conhecemos mais o espaço sideral que o fundo dos oceanos. Fontes das mais qualificadas dizem que até hoje o ser humano explorou algo em torno de 5% do assoalho marinho. Mas, mesmo assim, sabe-se o que “o fundo do mar não é um deserto estéril e sem vida, como se pensava.”
“A exploração nas últimas décadas revelou corais com milhares de anos, micróbios que podem tratar câncer e doenças infecciosas e campos de fontes hidrotermais de proporções monumentais, a partir dos quais criaturas vivas convertem enxofre e metano em energia, oferecendo um vislumbre das origens da vida na Terra.”
Os autores alertam:”Mas, como nós e nossos colegas observamos recentemente na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, os impactos da mineração submarina serão pronunciados e debilitantes não apenas no fundo do mar.
Mas também em toda a coluna de água profunda que se estende por cerca de 600 pés abaixo da superfície até o fundo, onde ocorre a extração.”
A formação dos minerais submarinos: até 14 milhões de anos!
“Os minerais procurados se formam e se acumulam de forma extremamente lenta no fundo do oceano, com taxas de crescimento de apenas alguns milímetros por milhão de anos.”
“Um nódulo do tamanho de uma bola de tênis no fundo do mar e consistindo em grande parte de valiosos metais de terras raras pode ter mais de 14 milhões de anos.”
E concluem: ” Embora o ecossistema possa se recuperar até certo ponto depois de cem anos, os recursos minerais nunca serão substituídos.
A mineração atende aos consumidores atuais, mas deixa as consequências ambientais para seus filhos e netos.”
Mas quem se importa com as futuras gerações?
Até o advento da pandemia nem mesmo o aquecimento global, apesar dos incêndios mundo afora, era levado a sério.
Foi preciso Joe Biden assumir a presidência nos Estados Unidos para a comunidade mundial finalmente encarar de frente o que é considerado o maior problema da humanidade.
Talvez a ‘sustentabilidade’ seja a única ‘contribuição’ que a mortal pandemia nos trouxe.
No momento em que se discute como ‘conciliar o desenvolvimento econômico com o equilíbrio ecológico’, ou seja, a sustentabilidade, industrias se preparam para “saquear esse tesouro”, como sugerem os articulistas do Times.
‘O que falta na avaliação dos impactos da mineração submarina’
“Criticamente, o que falta nas avaliações dos impactos da mineração submarina é o efeito sobre o próprio oceano.
O mar não é apenas o fundo do mar sozinho, mas também o que está acima dele: cerca de 13.000 pés de água em média, mais do que o dobro da profundidade do ponto mais profundo do Grand Canyon e incluindo mais de 90 por cento dos habitats que sustentam a vida do planeta.”
Da medo só de ver: estas são algumas das ‘maquininhas’ que farão a operação submarina. Imagem https://chinadialogueocean.net/
Vamos repetir: “mais de 90 por cento dos habitats que sustentam a vida do planeta.” O assunto é sério, e já é discutido no Brasil na academia.
Mas o tema ainda não ganhou repercussão fora dela.
Pequena contribuição do Mar Sem Fim
Temos feito nossa parte abordando a questão faz tempo.
Imagem, (o))eco.
Recentemente entrevistamos o oceanógrafo da USP Alexander Turra, e já faz tempo que mostramos que o Brasil está prestes a conseguir autorização da ISA – Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos – para iniciar operações na Elevação do Rio Grande.
Trata-se de uma imensa cadeia montanhosa que submergiu há cerca de 40 milhões de anos.
A Elevação é a maior cadeia submersa da margem continental brasileira.
Fica ao largo do Rio Grande do Sul. Tem sido intensamente estudada nos últimos anos. A finalidade é tornar viável a exploração de suas riquezas minerais.
Como será feita a exploração submarina
“Quando um nódulo é arrancado e aspirado do fundo do mar, ele é bombeado para um navio de superfície por meio de um oleoduto. Os minerais são removidos e, em seguida, o fluido lamacento, sedoso e enriquecido com toxinas é bombeado de volta ao mar como o que é chamado de “pluma de desidratação”.
“Partículas mais pesadas irão afundar no fundo do mar, mas devem passar por milhares de metros de água intermediária antes de se assentarem.
Além disso, o lodo fino irá derivar e fluir por milhas e meses nas correntes oceânicas.
É assustadoramente claro que o impacto dessa nuvem flutuante nos ecossistemas de águas abertas será severo, variado e em escala global.”
Mineração submarina e a relação com o clima na Terra
NYT: “Décadas de ciências do fundo do mar nos ensinaram que os organismos nas águas profundas têm adaptações que os tornam especialmente suscetíveis a esses impactos da mineração.
Muitos deles se alimentam de pequenas partículas que descem da superfície, como se fossem um globo de neve gigante.”
“Esses filtros alimentadores não se limitam a vermes e caracóis, mas também incluem a lula-vampiro e cadeias gelatinosas de 30 pés de comprimento chamadas salpas (parte do subfilo tunicata) da família dos tunicados que filtram o plâncton.
Este processo de consumir partículas contribui para o fluxo de carbono da atmosfera para os sedimentos profundos do oceano, ajudando a regular o clima da Terra.”
A exploração submarina pode voltar em forma de alimentos tóxicos
Assim como já sabe que hoje comemos parte do que descartamos de forma errada, por exemplo, microplástico que são encontrados em peixes, frutos do mar, e até no sal de cozinha, os autores alertam que o mesmo pode acontecer com a mineração submarina.
“Vimos que a rede alimentar é complexa e interconectada, ligando-se, em última análise, a pescarias comerciais no valor de bilhões de dólares.
Quaisquer toxinas no meio ambiente ou na dieta desses peixes irão parar em nossos pratos.”
“Como resultado da mineração, os animais que já viviam perto de seus limites fisiológicos comeriam um bocado de sujeira venenosa no café da manhã, respirando através das guelras entupidas e estreitando os olhos em meio à névoa lamacenta para se comunicar.”
“Com base nas taxas de descarga previstas, um único navio de mineração irá liberar entre dois milhões e 3,5 milhões de pés cúbicos de efluentes todos os dias, o suficiente para encher uma frota de caminhões-tanque de 15 milhas de comprimento.”
“Agora imagine esse processo funcionando continuamente por 30 anos – o tempo de vida de um arrendamento de mineração.
Mais importante, essas plumas de sedimentos não respeitarão os limites bem definidos por uma licença.”
“Quem lucra com a atividade de mineração submarina”
NYT: “As empresas e agências governamentais que lucram com as atividades de mineração estão localizadas nos Estados Unidos, Canadá, Europa e Ásia. Eles estão geográfica, política e economicamente fora das pequenas nações insulares que sofrerão o impacto das consequências.”
‘O deslumbrante tesouro da biodiversidade oceânica’
Os autores do artigo encerram suas considerações com a parágrafo abaixo.
“Historicamente, o fundo do mar foi considerado remoto e em grande parte desprovido de vida, e com uma capacidade inesgotável de absorver nossa poluição.
Na realidade, esses ecossistemas de águas profundas são frágeis, diversos e conectados a nós.
As operações de mineração devem reduzir seu impacto em todo o oceano e não apenas no fundo do mar.
O deslumbrante tesouro da biodiversidade oceânica também tem um valor insondável.”
Assista ao vídeo animação e saiba como sofrerá ‘o deslumbrante tesouro da biodiversidade oceânica’
Ilustração de abertura: https://www.researchgate.net/.
Fonte aqui
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