Por Ellen Nemitz · ECO - 18 de dezembro de 2024 - Câmara ressuscitou “jabutis” da…
Intoxicação leva produtores do ES a descobrirem qualidade de vida longe de agrotóxicos
Família exibe grãos de café arábica cultivados sem agrotóxico, na propriedade em Ponto Alto, Domingos Martins — Foto: Juliana Borges/G1
Problemas de saúde na família fizeram produtores se redescobrirem na profissão. Casos de intoxicação são comuns no Estado: em 10 anos, pelo menos 5.675 foram registrados.
“O médico me pediu para escolher entre a minha esposa e o veneno.” – Adriano Wruck, produtor rural.
“Perdi um menino para o veneno.” – Dalmácio Barcellos, produtor rural.
Duas histórias que se encontram em um mesmo ponto: a decisão por parar de usar agrotóxicos nas lavouras e investir na produção de orgânicos para ganhar qualidade de vida.
Mas elas não têm um início feliz. As histórias desses dois produtores começa com problemas de saúde na família, casos de intoxicação que não são incomuns no Espírito Santo, e que acabaram virando motivação para se reiventarem na profissão.
A esposa ou o agrotóxico
O agricultor Adriano Wruck começou a eliminar o uso de agrotóxicos na propriedade em Domingos Martins, região Serrana do Espírito Santo, no ano de 2002.
Apesar de o filho mais velho ter sido o primeiro a insistir na mudança, após aprender técnicas na escola agrícola onde estudava, ela só ocorreu depois de uma reviravolta na vida da família. A esposa de Adriano, Joselia Wruck, começou a ter problemas de saúde por causa de intoxicação.
“Eu sentia fraqueza, dores de cabeça fortes, dores na juntas. Não conseguia me alimentar bem, não conseguia mais trabalhar. Tomava remédio atrás de remédio, mas não funcionava”, contou.
Adriano contou que a esposa nunca aplicou agrotóxico nas plantações. “Ela teve que fazer 16 exames, que comprovaram que ela estava intoxicada. Eu falei com o médico que não era ela que aplicava o veneno, era eu, mas ele explicou que como ela trabalhava comigo, também podia ficar intoxicada. Ele então pediu para escolher entre minha esposa e o veneno. Claro que escolhi minha esposa”, lembrou.
Todas as embalagens de agrotóxicos e os remédios que já existiam na casa foram jogados fora. Dona Joselia iniciou o tratamento, que evoluiu bem, assim como as mudanças na propriedade.
Após a família abandonar os agrotóxicos, dona Joselia nunca mais precisou tomar remédios caros — Foto: Juliana Borges/G1
Produtor de café arábica, Adriano contou que os três primeiros anos de adaptação da terra sem o uso de agrotóxico foram os mais difíceis.
“No início eu pensava que ia morrer de fome, que dava muito mais trabalho, que a produção era baixa. Mas meu filho me convenceu de que não era assim, que eu ia conseguir, ia cuidar da minha saúde e da saúde das pessoas que iam consumir o produto.”
Outro desafio foi a aceitação do mercado. O produtor contou que quando começou a produção sem agrotóxicos, os consumidores ainda não tinham grande aceitação pelos orgânicos e o fator preço era o determinante. Hoje as vendas já aumentaram e a família ganhou qualidade de vida.
“Antes a gente produzia com agrotóxico, mas sempre tinha remédio entrando em casa, faltava saúde para nós. Depois que eliminamos o veneno, eliminamos também os remédios das nossas vidas. Hoje eu vivo tranquilo com a minha esposa e os meus filhos”, declarou.
A propriedade possui certificado da Organização de Controle Social (OCS) e Adriano foi inserido no Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos. Com isso, além do café, eles começaram a comercializar frutas, leguminosas e verduras. Tudo orgânico.
O produtor também é integrante da Cooperativa de Empreendedores Rurais de Domingos Martins (Coopram), o que o ajudou muito a alavancar os negócios na parte comercial. Parte dos produtos da horta orgânica e frutas é revendido para merenda escolar e também vai para feiras na Grande Vitória.
Já no caso do café especial orgânico, Adriano conseguiu financiar maquinário através da Coopram e faz o beneficiamento e produção em pó em uma mini-indústria no quintal da casa, onde já está sendo montada até mesmo uma lojinha para atender clientes.
“Eu sempre falo que não tive outra escolha, mas que na verdade foi a melhor escolha que eu fiz. Tô feliz da vida, tenho minha família e meu sonho realizado”, definiu.
A perda de um filho
A relação do produtor rural Dalmácio Barcellos com o cultivo livre de agrotóxicos é ainda mais antiga, mas que também começou por uma questão de saúde na família que, infelizmente não teve um final feliz. Em 1984, ele perdeu um filho de três anos de idade que foi intoxicado.
“Na época a gente ainda trabalhava como meeiro, com muitas dificuldades, então sempre levávamos as crianças pra roça. Não tinha orientação nenhuma pro uso de agrotóxico. Foi nessa época que meu menino se intoxicou, não teve jeito. Ainda tratamos por um ano e pouco em Vitória, mas tinha virado leucemia”, contou.
Desde então, não usou mais agrotóxicos e passou a trabalhar só no próprio pedaço de terra, fruto de herança, em Domingos Martins. As plantações são adubadas apenas com esterco e compostagem, e garante conseguir uma produção de qualidade.
Na propriedade é cultivado café, laranjas de todas as variedades – inclusive enviadas para São Paulo -, abacate, banana e leguminosas.
Assim como Adriano, Dalmácio também vende os produtos em feiras orgânicas e disse que está tendo cada vez mais aceitação. Ele garante que o lucro aumentou.
“Eu não posso reclamar, não sobra nada da minha produção, vendo tudo. Quando acontece de sobrar alguma coisa, eu faço doação para hospitais, orfanatos ou creches. E a gente sabe que é um produto saudável, tanto é que minha família só come o que a gente produz, não tenho coragem de comer fora”, explicou.
Cooperativa com visão no futuro
Adriano e Dalmácio fazem parte de um grupo de 15 cooperados da Coopram que trabalham sem agrotóxicos ou estão em processo de “desintoxicação” das propriedades. O presidente da cooperativa, Darli José Schaefer, explicou que desde o ano passado é dada uma assistência maior aos que decidem por essa opção.
Com esse trabalho, o objetivo é que pelo menos 20 produtores cooperados abandonem de vez os agrotóxicos.
“Estamos investindo nisso. Um grupo de uma cooperativa de consultoria e pesquisa de São Paulo veio dar cursos para nós, para capacitar os produtores, e o que a gente quer é isso, dar suporte para esse pessoal todo”, disse.
A cooperativa também fornece alimentação para escolas públicas e parte dela já tem produção de orgânicos também. “Queremos sempre expandir isso, a questão da saúde está em primeiro lugar, ainda mais se tratando de crianças”, defendeu.
Os efeitos em números
No Espírito Santo o uso de agrotóxicos ainda é alto, e o perigo se reflete nos números. Dados do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), do Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz), apontam que de 2006 a 2016 pelo menos 5.675 casos de intoxicação por agrotóxicos foram registradas, sendo ao menos 154 mortes confirmadas.
As informação só não são tão precisas porque não foram publicados os casos ocorridos em 2008, 2013 e 2014.
Quem também acompanha os números de intoxicações por agrotóxicos – e por outros meios – no Estado é o Centro de Atendimento Toxicológico do Espírito Santo (Toxcen).
O núcleo é ligado à Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) e presta serviços de informação e recomendação sobre agravos toxicológicos a médicos e à população 24 horas por dia, por meio de ligações telefônicas, desde 1992.
De acordo com os dados do Toxcen de 2016, o perfil das pessoas que mais sentem os efeitos são homens na faixa dos 30 a 39 anos. Mas o que chama a atenção também é que nesse mesmo ano foram registrados 104 casos de intoxicação de crianças e adolescentes de 0 a 14 anos, sendo treze com menos de um ano de idade.
Mesmo não sendo da faixa etária de pessoas que aplicam os defensivos nas lavouras, a intoxicação dessas crianças pode ser justificada de acordo com a forma que esses produtos são usados. A explicação é do médico do Toxcen, Nixon Sesse.
“Acontece de o produtor estar lá pulverizando a plantação e não prestar atenção na direção do vento, por exemplo, que pode estar jogando o agrotóxico até para dentro da casa dele ou na direção de outras pessoas que não estão protegidas. Pode ocorrer também uma contaminação de água ou ainda de, depois da pulverização, as crianças entrarem na área da lavoura para brincarem, em um período em que o produto ainda está muito ativo”, explicou.
O médico alertou que as pessoas que costumam procurar os serviços do Toxcen são aquelas que estão com sintomas agudos, ou seja, as sensações que costumam aparecer logo depois do contato com o produto. Os mais comuns são vômitos, vermelhidão na pele, dores fortes de cabeça, fraqueza.
O problema maior é quando os sintomas aparecem a longo prazo. “Às vezes esses primeiros sintomas são ignorados, às vezes nem aparecem mesmo, e daí a vários anos esse produtor aparece com um quadro crônico de intoxicação, que é mais grave”, explicou.
Médico do Toxcen, Nixon Sesse, conta que o serviço funciona 24 horas por dia — Foto: Oliveira Alves/TV Gazeta
Para o médico, o ideal para acabar com o problema seria uma produção livre de agrotóxicos no Brasil, mas como essa ainda não é uma realidade, a recomendação é de que, pelo menos, os produtores tomem mais cuidados na hora da aplicação dos defensivos.
“É importante que essa pessoa esteja protegida com roupa especial, e que também depois se faça a destinação correta dessa roupa para limpeza, sem que contamine uma segunda pessoa. Ainda falta muita conscientização do trabalhador e também falta de conhecimento sobre a quantidade de produto pra aplicar, quanto tempo depois pode-se entrar na lavoura, destinação de embalagens vazias. Falta fiscalização também”, acredita.
“O ideal mesmo seria não trabalhar com agrotóxicos, mas acaba sendo o mais fácil. Hoje existe a técnica dos orgânicos e também outras técnicas de controle de pragas sem uso desses produtos. É bom pro produtor que usa, pra família dele, pro solo, pra água, para os animais. Todo mundo sai ganhando” – Nixon Sesse, médico.
Para entrar em contato com o serviço do Toxcen, basta ligar gratuitamente para o 0800 283 9904.
A polêmica PL 6.299
Notícias envolvendo o uso de agrotóxicos levantaram discussões neste ano, com a aprovação do projeto de lei 6.299, aprovado em comissão especial da Câmara dos Deputados no final de junho, mas ainda precisa ser votado em plenário.
Se aprovado, a produção de agrotóxicos no Brasil pode sofrer mudanças nos critérios de aprovação, na análise de riscos e até no nome dado aos produtos.
Veja os principais pontos do projeto:
Designação
Como é atualmente: Agrotóxico.
Pelo projeto: Inicialmente era produto fitossanitário, em seguida o relator, deputado Luís Nishimori (PR-PR), alterou o termo para “pesticida”.
Controle do registro
Como é atualmente: O controle é feito por três órgãos (Ministério da Saúde, Ibama e Ministério da Agricultura). Todo o processo é manual e tramita em paralelo, nos três órgãos.
Pelo projeto: Unifica o processo, que fica sob comando do Ministério da Agricultura, mas os três órgãos darão pareceres sobre o produto. O processo passa a ser digital e integrado
Prazo para registro
Como é atualmente: Parecer sobre o produtor deve ser liberado em 120 dias. Mas atualmente leva oito anos.
Pelo projeto: O registro será de dois anos. Inicialmente, o relatório definia o prazo de 12 meses, para que o produto entre no mercado em dois ou três anos.
Registro temporário
Como é atualmente: Atualmente, não existe registro temporário de um agrotóxico
Pelo projeto: Para os produtos novos, usadas em pesquisas e em experimentos, haverá um registro temporário de 30 dias no Brasil. Para isso, o produto deve ser registrado em pelo menos três países-membros da OCDE e na Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e deve ser usado na mesma cultura.
Fonte – Juliana Borges, G1 ES de 19 de outubro de 2018
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