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Lavouras de destruição

Segundo o professor Althen Teixeira Filho, na entrevista que segue, concedida por e-mail para a IHU On-Line, autores da Alemanha, Argentina, Áustria, Brasil e Uruguai, em uníssono, no livro digital Lavouras de Destruição: a (im)posição do consenso, “corroboram o mal causado pelos alimentos transgênicos; que lavouras de árvores não são florestas; que o agronegócio tem financiamento público exponencialmente superior à agricultura familiar (gerando menos empregos, com produtividade menor, destrói o ambiente e exporta o que produz); que a necessidade de hidroelétricas é questionável, geram destruição de ecossistemas vitais e desrespeitam qualquer direito humano”. Althen, que é organizador da obra, é enfático em suas respostas. Para ele, “nenhum encontro para discutir o clima vai avançar em defesa dos cidadãos. Os presidentes representam interesses empresariais, não os das populações. Ainda, e por fim, o próximo presidente do Brasil já está escolhido; será qualquer um que dê continuidade a este projeto falido de “capitalismo humanizado””. Althen não acredita que o Brasil possua um modelo desenvolvimentista. E explica: “O governo é a antítese dele mesmo. Temos ministérios para atender interesses políticos, não para criar estratégias de desenvolvimento, sendo um o antípoda do outro”.

Althen Teixeira Filho é médico veterinário, formado pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), e mestre em Anatomia dos Animais Domésticos e Silvestres, pela Universidade de São Paulo (USP). Possui doutorado em Anatomia Humana, pela Escola Paulista de Medicina. É pós-doutor, pela Medizinische Universität Zu Lübeck, na Alemanha. Atualmente, é professor da UFPel. A obra Lavouras de Destruição: a (im)posição do consenso está disponível para download gratuito no aqui. Althen também é organizador da obra Eucalipitais- Qual o Rio Grande do Sul desejamos?.

IHU On-Line – Como surgiu a ideia de reunir num livro a realidade comum dos problemas ambientais em diferentes países? Qual o principal objetivo da obra, que tipo de alerta ela quer fazer?

Althen Teixeira Filho – Surgiu como uma continuidade do livro “euCAliPITAIS”(2008). O problema não são as lavouras de eucalipto, o monocultivo, o agronegócio, mas as políticas (públicas) que levam a este tipo de coisa. Como “negócio” estas lavouras são péssimas, pois geram lucro só no sentido das empresas (predadoras) e destruição do sustento do homem do campo, das pequenas empresas, do meio ambiente. A maioria dos “alertas” já são bem conhecidos, entretanto, destaco no livro a busca da apresentação ordenada de alguns dos problemas, e feita por pessoas qualificadas no seu campo de trabalho. A dispersão de autores pelo mundo mostra que os efeitos danosos de tais negociatas são os mesmos, não importando o local. Por fim, e importante, mostra que não somos “um grupo pequeno” como dizem, mas compomos – e coloco todos como cidadãos -, a maioria expressiva contra os propagandistas pagos pelas empresas.

IHU On-Line – Quais os países que participam da obra e quais os principais pontos em comum entre eles?

Althen Teixeira Filho – Reunimos pessoas da Alemanha, Argentina, Áustria, Brasil e Uruguai, e a maioria jamais tinha se visto ou conversado, expondo seu ideário sem dialogar entre si. Entretanto, em uníssono, corroboram o mal causado pelos alimentos transgênicos; que lavouras de árvores não são florestas; que o agronegócio tem financiamento público exponencialmente superior à agricultura familiar (gerando menos empregos, com produtividade menor, destrói o ambiente e exporta o que produz); que a necessidade de hidroelétricas é questionável, geram destruição de ecossistemas vitais e desrespeitam qualquer direito humano. Veja alguns títulos: “Por que a natureza ainda não inventou plantações (exóticas)”, de Lutz Fähser, Alemanha; “Agronegócio; crescer até o subdesenvolvimento. O escândalo argentino”, de Adolfo Boy, Argentina; “Transnacionais e transgênicos: o monopólio de sementes e insumos”, de Antônio Andrioli, Áustria; “Eucalipto versus bioma Pampa, compreendendo as diferenças entre lavouras arbóreas e o campo nativo”, de Tiago Santos e Rafael Trevisan, Brasil, entre outros não menos importantes. Temos, inclusive, uma música gravada pelo excelente cantor e compositor Pedro Munhoz (“Que verde é este?”).

“O problema não são as lavouras de eucalipto, o monocultivo, o agronegócio, mas as políticas (públicas) que levam a este tipo de coisa”

IHU On-Line – Quais os principais desafios que envolvem hoje o cultivo de alimentos no mundo?

Althen Teixeira Filho – Segundo o prof. Andrioli, produz-se alimento em quantidade suficiente para a população mundial, contudo, o problema é a distribuição e prioridades. Na Etiópia mais de seis milhões de pessoas padecem de fome, com inúmeras mortes diárias e a ONU diz não ter recursos financeiros para auxiliá-los. Mais recentemente, tivemos esta tragédia no Haiti, onde grupos formam pequenos exércitos na luta por água e alimentos. Enquanto isso, o agronegócio produz alimento para animais. Outro fator importante é a posse (privatização) das sementes por algumas empresas (como a Monsanto), tornando os agricultores (todos) reféns destes monstros insanos (ou “insantos”). A semente antes gerava sementes, era sadia, de todos, e trocadas fraternalmente entre agricultores; hoje é germe estéril e doente, levando suas alterações gênicas a “mesas de insegurança alimentar”. Transferem seu desregramento químico ao nosso metabolismo. Ressalto que isto já está comprovado cientificamente, com várias publicações. Esta indústria química “perde a guerra” contra o que chamam de “plantas invasoras” e a multinacional Dow AgroSciences já pediu à CNTBio a liberação de estudos de soja transgênica e, suspeita-se, que a nova variedade será resistente ao herbicida 2,4-D, o “agente laranja” usado como desfolhante na guerra do Vietnam. Assistam o filme “O mundo segundo a Monsanto” (no YouTube) e constatem os seus efeitos colaterais. O objetivo e o modo de alcançar lucro desse pessoal é cruel, insano e feroz. As populações que se danem.

IHU On-Line – Como são tratados na obra problemas como monocultivo, transgenia, aspectos políticos do financiamento de campanhas, cana de açúcar, barragens, questões técnicas das lavouras de eucalipto e acácia, por exemplo?

Althen Teixeira Filho – Tudo vem pela política. Defendo enfaticamente o financiamento público de campanhas para evitar o que se vê hoje. Os políticos são empregados de empresas com mandato eletivo de vereador, deputados (o Edson Brum e Záchia tentando destruir o nosso regramento ambiental), senadores (o Zambiasi, sempre que possível, na surdina, querendo beneficiar a Stora Enso na faixa de fronteira); governador (a ex-governandora Yeda e o vexame das papeleiras no RS) e até presidente (impossível esquecer o episódio “Lula e a perereca” – quando ele disse que ambientalistas se preocupam mais com pererecas do que com pessoas). Eles têm em comum o aporte financeiro das pasteiras (empresas de celulose) nas suas campanhas políticas (só a ex-governadora recebeu mais de 500 mil). No pleito de 2006 todos os candidatos a cargos eletivos no Brasil declararam ter recebido de pessoas físicas e jurídicas a soma de R$ 1.428.964.749,52 – um bilhão, quatrocentos e vinte o oito milhões de reais. Só o candidato Lula declarou R$ 91.490.670,71 – sem contar o que o partido recebeu, e Geraldo Alckmin informou R$ 81.923.624,75. E o que eles não declararam? Uma análise do último pleito de São Paulo indicou que os candidatos só declaram algo em torno de 40% do que recebem. Estes picaretas vão defender quais interesses? Certamente não os da população. O pior é que o problema não é só do Brasil. Bush era empregado das companhias petrolíferas e colocou (mentindo que procurava armas químicas) o exército mais poderoso da terra a serviço desses interesses. Obama é representante do sistema bancário. Como vimos, não existe dinheiro para matar a fome, mas em 2008 vários governos, o do Brasil inclusive, se reuniram para salvar capitalistas falidos e, importante – alguns calculam a soma repassada entre 15 e 17 trilhões de dólares, valor sacado de cofres públicos (o seu, o meu, o nosso dinheiro) cuja soma também foi utilizada para pagar pequenas fortunas a gerentes de empresas. É por isto que nenhum encontro para discutir o clima vai avançar em defesa dos cidadãos. Os presidentes representam interesses empresariais, não os das populações. Ainda, e por fim, o próximo presidente do Brasil já está escolhido; será qualquer um que dê continuidade a este projeto falido de “capitalismo humanizado”.

“Na Etiópia mais de seis milhões de pessoas padecem de fome, com inúmeras mortes diárias e a ONU diz não ter recursos financeiros para auxiliá-los”

IHU On-Line – Por que o subtítulo da obra é “a (im)posição do consenso”?

Althen Teixeira Filho – Achamos que “Lavouras de destruição” não seria suficiente. A “imposição” vai no sentido de ironizar e ridicularizar o fato de que os que contestam este tipo de “desenvolvimento” de governo e empresas são logo taxados de retrógrados, não desejam o avanço da metade sul (no nosso caso), que não nos preocupamos com as pessoas. Já ouvimos que “se fosse por estes ambientalistas, ainda estaríamos nos limpando com sabugos” – veja que manifestação débil e simplória (para dizer o mínimo). Quem não é favorável está associado a “ideologias” retrógradas (na falta de argumentos, sempre aplicam esta de “ideologia”). A “posição” vai no sentido de mostrar a trapaça, o ardil, a empulhação e a mentira como forma de propaganda.

IHU On-Line – Quais as principais análises jurídicas dos “novos tempos” que o problema ambiental ocasiona?

Althen Teixeira Filho – No capítulo “Ambiente e direito: o homem no limiar da vida” o professor Plauto Faraco de Azevedo, com maestria, raciocina no sentido de que produzimos para a troca e não para o (bom) consumo. Apresentam-nos o neoliberalismo como um imperativo histórico incontornável, o que é uma grande mentira. Isto tem levado a uma crise sistêmica, sendo importante repensar e “recriar” a ciência econômica e jurídica. Pessoalmente, vejo o campo jurídico impregnado por teses absurdas, motivo de tergiversação e omissão, que levam ao favorecimento das empresas. Sobressaem-se poucos procuradores e promotores que lutam com independência, mas que logo sofrem a (im)posição do “sistema”.

“O objetivo e o modo de alcançar lucro desse pessoal é cruel, insano e feroz. As populações que se danem”

IHU On-Line – O que o senhor destaca como o elemento mais significativo das cartas de agricultores familiares publicadas na obra?

Althen Teixeira Filho – As cartas são um elemento de manifestação dos próprios agricultores. Num momento percebi que todos falavam e se preocupavam com agricultura familiar, inclusive a grande representante do agronegócio, a senadora Kátia Abreu (segundo os jornais é grileira). Toda esta hipocrisia advinha da aplicação das novas leis que ordenavam Reserva Legal, Área de Proteção Permanente, entre outras. Resolvi, através de um projeto de extensão que tenho na UFPel, organizar e ouvir que o que os agricultores familiares queriam dizer é bem diferente do que dizem os formadores de opinião de rádios, TVs, jornais e políticos comprados. Todos devem ler, todavia, já antecipo que eles percebem o abandono no qual se encontram, a preocupação gravíssima com “o dia de amanhã” (sustento dos seus familiares), têm ciência das falsas promessas dos políticos e, muitos deles, produzem aquilo que pode gerar sustento familiar, não o que gostariam. Todos, sem exceção, destacam o equívoco destes ridículos monocultivos. Eles têm um “receituário caseiro” fenomenal para desenvolver uma agricultura familiar segura, com princípios biológicos e éticos (inexistentes nas multinacionais), mas falta-lhes apoio. Conheci um agricultor familiar, no município de Capão do Leão, o senhor Cláudio, que produz alimento de qualidade e sem agrotóxicos. Ele é muito inteligente e, de forma independente, busca na literatura seus próprios caminhos, pois já requisitou ajuda e responderam que hoje em dia esta coisa de produção biológica já é ultrapassada. Veja que ridículo.

IHU On-Line – Que reflexões a obra suscita sobre nosso modelo desenvolvimentista, principalmente rural?

Althen Teixeira Filho – De forma geral, as manifestações elaboram críticas ao que já citamos (monocultivos – cana-de-açúcar, soja transgênica, eucaliptos e, até, à CNTBio). Sou da opinião de que não temos um “modelo desenvolvimentista”. O governo é a antítese dele mesmo. Temos ministérios para atender interesses políticos, não para criar estratégias de desenvolvimento, sendo um o antípoda do outro. Exemplifico: o Ministério da Agricultura e o do Desenvolvimento Agrário. Neste último, conheço pessoas bem intencionadas, com boa vontade, trabalhando com afinco pela agricultura familiar. Bem ao contrário do primeiro, controlado pela “área ruralista” (ainda atuam como senhores feudais), mas que são do mesmo governo. O ministro das Minas e Energia é um subordinado do filho do José Sarney, cujas obras, segundo o noticiário, represam mais verbas públicas para eles do que água. Atuam como monstros, destruindo populações ribeirinhas, sem falar da natureza. É bom que fique claro: esta patacoada de que “ambientalista” está preocupado só com aves, peixes e pererecas já não é mais admissível. O que nos preocupa (embora não me considere ambientalista) é a perda da qualidade de vida e a própria vida das pessoas. Cada governo tem a CNTBio que organiza e merece, e, esta, só serve para sair saracoteando toda e qualquer licença que lhe solicitam.

IHU On-Line – O que embasa a proposta de disponibilizar o livro em formato digital gratuitamente na internet?

Althen Teixeira Filho – Combater tanta mentira e falsidade, e, para isso, a informação tem que chegar a todos. Os autores dedicaram seu tempo sem receber nada em troca (diferente dos jornalistas que viajaram com passagens pagas pelas papeleiras e hoje querem parecer imparciais). O nosso propósito é oferecer subsídios que construam raciocínios livres e independentes (não precisa concordar com as teses do livro), formando cidadãos responsáveis e críticos. Para tanto, buscamos suporte financeiro em vários sindicatos, cujo valor arrecadado é empregado única e exclusivamente para pagamentos de correção, diagramação, formatação, impressão e do qual prestamos contas de cada centavo. Também, o livro “euCAliPITAIS” alcançou quase 500 páginas e “Lavouras” quase 800, o que seria uma quantidade razoável de papel. Em 20 dias, e só no “site” do CEA, vimos que foram baixadas mais de 250 cópias do “euCAliPITAIS” e já sabemos que a procura por “Lavouras” é muito grande. Temos consciência da nossa “pegada ecológica” e, por isto mesmo, buscamos poupar ao máximo a natureza.

Fonte – IHU On-line / Ecodebate de 29 de janeiro de 2010

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