Por Pedro A. Duarte - Agência FAPESP - 12 de novembro de 2024 - Publicado…
Lei de licenciamento reduz consulta a público
Manifestação em Altamira (PA) pede cumprimento de condicionantes ambientais da usina de Belo Monte. Foto: Letícia Leite/ISA.
Projeto do governo extingue obrigatoriedade de participação pela internet e acena a ruralistas com licença para plantio, mas mantém geografia como critério de rigor na análise de empreendimento
Está pronto o rascunho do texto da Lei Geral de Licenciamento Ambiental, que o governo Temer pretende enviar ao Congresso no final de setembro. O projeto, costurado entre Presidência, Casa Civil e Ministério do Meio do Meio Ambiente, mantém os pontos essenciais da proposta defendida pela área ambiental – entre eles, considerar a localização do empreendimento como principal critério para avaliar o rigor do licenciamento. Mas reduz prazos para os órgãos ambientais se manifestarem sobre a licença e elimina a obrigatoriedade de consultas públicas pela internet.
A proposta da nova lei vem sendo objeto de debates no governo desde maio, quando Sarney Filho (PV-MA) assumiu interinamente o Ministério do Meio Ambiente. Uma primeira versão, produzida pelo ministério, vazou para a imprensa em junho – e tem enfrentado resistências de ruralistas e da indústria. O novo texto, ao qual o OC teve acesso, saiu do Palácio do Planalto no dia 28 de agosto e tem circulado pela Esplanada. É a primeira proposta oficial.
Ela faz alguns acenos aos setores resistentes. Por exemplo, considera como um único empreendimento atividades realizadas periodicamente numa mesma área de influência direta, o que dispensa fazendeiros de ter de tirar uma licença por ano para produzir. Também reduz de quatro para duas as exigências que os órgãos ambientais podem fazer aos empreendedores para gerenciar efeitos de um empreendimento.
Outro ponto que atende aos setores produtivos é a redução do prazo que os órgãos ambientais têm para emitir ou negar uma licença: eles caíram de 15 meses para 12 meses no caso da licença prévia de obras que exijam EIA (estudo de impacto ambiental) e de oito para seis meses no caso da licença de instalação.
Essas mudanças, porém, não devem acalmar a oposição ao projeto. Isso porque a proposta do governo não cria de antemão isenções de licenciamento para ninguém, como desejam a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) e a CNI (Confederação Nacional da Indústria). Também foram mantidos os critérios para definir o grau de impacto de um empreendimento, que consideram porte, localização e potencial de causar dano ambiental. A CNA acha que tais critérios são abrangentes demais, e a CNI teme que um número muito grande de empreendimentos acabe sendo classificado como sujeito a licenciamento mais rigoroso, em três fases – licença prévia (LP), licença de instalação (LI) e licença de operação (LO).
O tom das críticas foi dado no fim de agosto, em um ofício do secretário de Meio Ambiente da Bahia e presidente da Abema (Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente), Eugênio Spengler, ao ministro Sarney Filho. A Abema é vista pela CNA como uma aliada na discussão do licenciamento.
Na comunicação a Sarney, Spengler diz que a proposta “não atende às preocupações e anseios dos Estados”. Os pontos são basicamente os mesmos de críticas anteriores expressas publicamente pela CNA e, reservadamente, pela CNI: o grau de relevância ambiental da área como critério para determinar o rito de licenciamento – que “leva a um grau de subjetividade (…) que inviabilizará a concessão de qualquer licença ambiental”, segundo o secretário – e a matriz de classificação dos empreendimentos baseada no porte e no potencial de degradação. Segundo Spengler, isso levaria à necessidade de estudos complexos “para quase 100% das atividades e empreendimentos”.
Dá uma passadinha lá
Do outro lado, a proposta tem pontos espinhosos também para a sociedade civil. Um dos principais é desobrigar os órgãos licenciadores de fazerem consultas públicas pela internet. Na prática, isso limita os debates sobre uma obra a audiências públicas presenciais (a lei só obriga a fazer uma), que têm limites práticos de representatividade a depender da localização e do porte do empreendimento.
É o caso, por exemplo, de usinas hidrelétricas na Amazônia: as audiências feitas nas cidades da região são frequentemente remotas demais para índios, ribeirinhos e outras populações afetadas; ao mesmo tempo, também são inacessíveis a habitantes de outras regiões do país que tenham algo a dizer sobre aquela obra.
Em pelo menos um ponto o projeto também compra briga com o Ministério Público: na questão da participação dos chamados “órgãos envolvidos”, como a Funai (Fundação Nacional do Índio) e o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). A proposta do governo amplia para 90 dias o tempo que esses órgãos têm para se manifestar sobre um licenciamento – a versão anterior do projeto falava em 60 dias. Mas diz que a ausência da manifestação desses órgãos não obsta a licença.
Em termos práticos, isso poderia significar, por exemplo, que se a Funai por algum motivo deixasse de se manifestar no prazo sobre um projeto que afete povos indígenas, como a megausina de São Luiz do Tapajós (arquivada pelo Ibama por problemas no estudo de impacto ambiental), o licenciamento seguiria adiante mesmo assim. Esse entendimento deriva de uma portaria de 2015 do Ibama que já teve parecer contrário do Ministério Público Federal. Entidades de defesa dos povos indígenas também se opõem.
“Na nossa visão, o único regime aceito pela Constituição Federal seria vincular a decisão final do Ibama à manifestação da Funai, do Iphan e da Fundação Palmares”, disse Maurício Guetta, advogado do Instituto Socioambiental. “O Ibama não pode simplesmente dizer que não vai ter impacto numa terra indígena se isso é competência da Funai.” Segundo Guetta, o que é preciso fazer é fortalecer esses órgãos, que vêm sendo desidratados nos últimos anos ao mesmo tempo em que o número de processos para eles analisarem aumentou. “A Funai tem 15 funcionários para 3.000 processos. A Fundação Palmares tem dois funcionários para mil processos”, afirmou Guetta.
Outro advogado, o ex-secretário do Meio Ambiente de São Paulo Fabio Feldmann, diz que é preciso enfrentar outro tipo de desidratação: a dos órgãos ambientais dos Estados, que dão a maior parte das licenças no país. “Precisamos enfrentar essa questão, porque você aprova uma lei dessas e cria uma expectativa enorme sobre os órgãos estaduais”, afirmou Feldmann ao OC. “Me preocupa achar que tudo se resolve com prazos.”
O ex-secretário elogia um dos pontos centrais do texto, a instituição da chamada avaliação ambiental estratégica (AAE), que ganha muito mais peso na proposta oficial do que no rascunho tornado público em junho. Ela consiste em inverter a lógica do licenciamento como ele é feito no país: hoje toma-se a decisão de construir o empreendimento e o licenciamento vira uma etapa burocrática do processo. É algo “a vencer”, não uma parte do planejamento. A AAE, se for implementada, permitirá planejar políticas públicas primeiro com base em potencialidades ou fragilidades ambientais antes de chegar ao desenho do empreendimento – por exemplo, vale mais a pena construir uma grande hidrelétrica em terra indígena ou gerar a mesma energia com renováveis?
“Acho que deveria haver AAE para o setor empresarial também, não só para políticas públicas”, disse Feldmann.
Fonte – Claudio Angelo, Observatório do Clima de 08 de setembro de 2016
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