Por Pedro A. Duarte - Agência FAPESP - 12 de novembro de 2024 - Publicado…
Mato no prato
Quem diria que ervas daninhas entrariam no requintado universo gastronômico?! (Foto: Tomás Arthuzzi)
Sabe as plantas que estão nos canteiros das ruas, nas praças e até em nosso quintal? Muitas têm enorme potencial nutritivo — e são saborosas
Neste ano, a vida de cerca de 500 pequenos agricultores paranaenses que cultivam fumo (atividade que expõe o trabalhador a substâncias tóxicas) será um pouco melhor. Cada um deles cedeu 1 hectare de terra para cultivar uma trepadeira que parece ter caído do céu: não precisa de pesticidas, cresce em pouco espaço, é gostosa e, para completar, carrega uma bela cota de nutrientes.
Falando assim, dá a impressão de que se trata de uma nova variedade. Que nada! O nome da santa é ora-pro-nóbis. Embora os mineiros já a aproveitem na cozinha, o resto do Brasil só vinha usando a planta como cerca viva.
Definitivamente, trata-se de um baita desperdício. Afinal, 100 gramas de suas folhas ostentam 20% de proteína, fora as caprichadas doses de vitamina C e minerais. “Ela também tem alto teor de mucilagem, fibra que é excelente para o intestino”, destaca a nutricionista Andréa Esquivel, do Centro de Diagnósticos em Gastroenterologia, na capital paulista.
A ora-pro-nóbis é só uma das centenas de plantas alimentícias não convencionais — batizadas pelos pesquisadores de Pancs — que são encontradas em qualquer cantinho de terra. “A gente acha que é mato ou erva-daninha, mas os poucos estudos que existem mostram que elas são até mais ricas do que as verduras comuns”, diz o botânico Valdely Kinupp, professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas, em Manaus.
“Quanto mais silvestre é a espécie, menos agrotóxicos requer e melhor o aproveitamento de nutrientes do solo”, completa Kinupp, autor do único guia brasileiro sobre o assunto, que elenca mais de 350 plantas nacionais desconhecidas e ainda ensina como reconhecê-las e incluí-las no cardápio.
Algumas variedades até já sentiram o gostinho da fama um dia, caso da bertalha e da araruta. “Elas eram criadas nos quintais, mas foram caindo em desuso”, conta Nuno Madeira, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). O departamento de Madeira estuda 50 hortaliças chamadas de tradicionais, mas que não fazem parte do grupinho que frequenta o circuito popular de saladas — como a dupla alface e tomate. “A mudança do nosso padrão de vida fez com que privilegiássemos o que pode ser comprado sempre, embora não saibamos o real custo disso”, completa o agrônomo, que trabalha no único setor da Embrapa dedicado às Pancs.
E, se você acha que a família das plantas não convencionais é formada só por hortaliças e ervas, fique sabendo que no clã também entram grãos e tubérculos — eles podem virar purês, molhos e recheios. Enquanto os especialistas descrevem as virtudes dessa gama cada vez maior de alimentos, já há uma porção de gente que aposta as fichas neles para promover saúde e sustentabilidade.
Um dos principais argumentos para valorizar o mato (e todo o resto) que brota ao nosso redor é tirar proveito daquilo que a natureza oferta. Segundo a FAO, departamento de agricultura e alimentação da Organização das Nações Unidas, somente 30 espécies de plantas fornecem 95% da demanda humana por comida em um universo de incríveis 30 mil variedades. A monotonia no cardápio tem alto custo para a saúde, já que acabamos ingerindo sempre os mesmos nutrientes.
Para ter ideia, segundo a Embrapa, a monocultura — áreas gigantes dedicadas a um só vegetal — já levou à redução de 10% nos teores de proteína da soja cultivada em certas regiões do país. Sem contar que, para abastecer as prateleiras o ano inteiro com os vegetais campeões de audiência, é preciso fazer uso pesado de fertilizantes e defensivos químicos na lavoura. Entre eles está o glifosato, definido como “provavelmente cancerígeno” pela Organização Mundial da Saúde.
As Pancs surgem, então, como luz no fim da colheita. Além de concentrar micronutrientes, elas tendem a ser livres de agrotóxicos. Diversos estudos comprovam que nessas plantas há alto teor de cálcio, vitamina C, zinco, fósforo e compostos fenólicos, poderosos antioxidantes.
“Se você come de forma mais diversa, consegue suprir a necessidade de vitaminas e minerais”, observa Lúcia Guerra, nutricionista e pesquisadora da Universidade de São Paulo.
Um jardim comestível
Algumas Pancs, como o peixinho-da-horta (a planta leva esse nome por causa do sabor que lembra frutos do mar) e o hibisco, são vendidas como variedades ornamentais em floriculturas. Mas dificilmente um maço de caruru fresco é encontrado no supermercado.
Eis aí um desafio: fazer com que o consumo desses vegetais não convencionais deixe de ser restrito a grupos ligados às causas ecológicas. “É preciso divulgá-los mais”, opina Kinupp. “A produção só aumenta quando há demanda. E isso acontece quando falamos sobre o assunto, experimentamos no dia a dia e encomendamos variedades com pequenos produtores”, defende Madeira.
Planta é o que não falta. Para essa roda girar, os entusiastas dos vegetais não convencionais lutam para apresentá-los ao grande público. O projeto Panc na City, em São Paulo, por exemplo, promove buscas por matos comestíveis pela cidade. Os chefs de cozinha também atuam na difusão do movimento. “Temos como missão a preservação da biodiversidade brasileira, e as Pancs são importantes nesse cenário”, afirma o chef Ivan Ralston, que, no seu restaurante, o Tuju, na capital paulista, não só utiliza várias delas como as cultiva em uma estufa.
Se ainda não dá para comprar as plantinhas diferentosas na feira, uma das saídas é cultivá-las em casa. “Bertalha e vinagreira são espécies muito fáceis de serem mantidas. Assim como a azedinha, que chega a dar 50 folhas por semana”, indica Madeira.
As mudas podem ser obtidas a partir de galhos recolhidos na rua mesmo — mas sempre observe se o solo está próximo de locais poluídos e se certifique de que o exemplar é mesmo seguro para consumo. Informação é o melhor mapa para nos colocar na rota desses tesouros perdidos por aí.
Há matos…e matos
Antes de sair catando folhas pela rua ou pelo jardim de casa, o ideal é se informar bastante sobre elas, uma vez que há risco de confusão com variedades similares e intoxicação. A taioba brava, para citar um caso, parece com a taioba que substitui a couve, mas é tóxica. Fora que muitas delas ainda não têm seus efeitos totalmente elucidados pela ciência. A dica é preferir espécies mais conhecidas, como serralha, caruru e beldroega. Veja outras opções:
Peixinho: as folhas carnudas dessa parente da sálvia ficam uma delícia empanadas e assadas. Mas use uma grelha para não grudarem.
Foto – DaHorta
Feijão-guandu: o grão é originário da Índia, mas cresce há séculos no Brasil. Tem sabor marcante.
Foto – Cozinha de raízes
Capuchinha: as folhas são picantes e vão bem na salada. Também dá para comer as flores.
Foto – Chá Benefícios
O valor de talos, folhas, cascas…
Algumas plantas são convencionais, mas tem partes que descartamos e caberiam no prato, como o coração da bananeira, cheio de proteínas e minerais. Já a casca da batata tem mais compostos benéficos do que a polpa — só que também costuma ir para o lixo. O ideal é tentar aproveitar os alimentos integralmente. Mas vale dar uma pesquisada antes. “Às vezes, folhas e talos carregam substâncias que prejudicam o paladar ou fazem mal”, alerta Andréa Esquivel.
Fonte – Chloé Pinheiro, Revista Saúde de 26 de dezembro de 2016
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