Por Ellen Nemitz · ECO - 18 de dezembro de 2024 - Câmara ressuscitou “jabutis” da…
Minas busca vanguarda de um mundo movido a energia solar
Módulos fotovoltaicos em residência no bairro Mangabeiras, na Capital. A cidade tem 326 m² de placas solares a cada mil habitantes, enquanto o Brasil tem 27,4 m² – Foto: Guilherrme Bergamini
Com leis aprovadas na ALMG, Estado larga na frente e conta com indústria de ponta e avanço na geração residencial.
Provavelmente, daqui a uns cem anos, uma criança na escola vai se perguntar por que a humanidade, num passado relativamente recente, escavou buracos, poluiu os oceanos, causando tantos danos ambientais, apenas para obter o petróleo, matéria-prima dos combustíveis fósseis. Ela terá dificuldade para entender por que os homens, somente no século XX, perceberam que o sol poderia se tornar uma fonte energética abundante, limpa e renovável. A essa altura, o garoto de 2100 também se dará conta de que 70% da energia utilizada no planeta será de origem solar.
Esse cenário futurista foi projetado em 2007, pelo Conselho Mundial da Energia, vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU). Para que a previsão se confirme, alguns movimentos já têm sido feitos em diferentes países. O Brasil, principalmente o Estado de Minas Gerais, vem promovendo mudanças institucionais para facilitar a adoção da energia solar fotovoltaica.
A Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) aprovou projetos que, transformados em leis, consolidaram o arcabouço legal necessário para o desenvolvimento do setor. A última das normas aprovadas foi a Lei 21.713, de 2015, oriunda do Projeto de Lei (PL) 1.350/15, do deputado Gil Pereira (PP), presidente da Comissão de Minas e Energia. A legislação amplia o prazo para concessão de crédito de ICMS relativo à aquisição de energia solar no Estado.
Na opinião do presidente da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSolar), Rodrigo Lopes Sauaia, a perspectiva de crescimento do uso da energia solar, em todas as suas modalidades, é muito expressiva. Ele avalia que as projeções futuras têm se mostrado excessivamente conservadoras, uma vez que há a perspectiva de um crescimento explosivo na adoção dessa fonte energética.
Tecnologia de aproveitamento
O dirigente aponta os três fatores que, na avaliação de especialistas do setor, são determinantes para o desenvolvimento da energia solar. O primeiro é o potencial teórico, revelando que a radiação do sol que chega à Terra é milhares de vezes maior que a demanda de toda a população do planeta. Outro fator preponderante é de ordem técnica, que indica a existência de tecnologia para aproveitar a energia solar de forma muito expressiva.
E, por fim, existe o fator econômico. “Com o aumento da escala de produção dos insumos e a melhoria da eficiência dos produtos, a fonte fotovoltaica tem se tornado de 5% a 8% mais barata a cada ano”, observa Rodrigo Sauaia. Ele acrescenta que, nos últimos 10 anos, o preço dessa tecnologia caiu 70% no mundo. “Até 2.030, essa fonte deverá se tornar uma das mais baratas; isso sem falarmos no benefício ambiental”, diz.
Membrana solar promete revolucionar setor
A Sunew produz o OPV, que pode ser usado em prédios e tetos de automóveis, entre outros – Foto: Guilherme Dardanhan
Detentora do título de capital da energia solar do Brasil, Belo Horizonte reforça sua posição com o início de funcionamento de uma empresa de vanguarda no setor fotovoltaico. A Sunew já lidera em nível mundial a produção de membranas solares de última geração, o OPV (organic photovoltaics). “Com a fabricação desse produto, estamos colocando Minas e o Brasil no mapa mundial”, comemora o presidente da empresa, Thiago Maranhão. Operando desde o fim de 2015, a Sunew é um dos frutos do CSEM Brasil, centro de pesquisa aplicada resultado da parceria entre os Governos do Estado e Federal, a gestora de capitais brasileira FIR Capital e o Centro Suíço de Eletrônica e Microtecnologia (CSEM S/A).
A Sunew fabrica e vende o OPV, composto de matérias primas orgânicas e plásticas (polímeros), que promete revolucionar a área. Trata-se de um filme impresso em rolos e que tem como características essenciais a leveza, a transparência e a flexibilidade. Comparado à tecnologia tradicional das placas de silício, que são duras e pesadas, o OPV apresenta inúmeras vantagens, pois pode ser aplicado em diferentes locais e situações: fachadas de prédios, tetos de automóveis, reservatórios de água, mochilas e até celulares, por exemplo.
“A diversidade de aplicações do OPV aponta para aonde a imaginação alcançar”, ilustra o diretor de Microssistemas Cerâmicos da CSEM, Rodrigo Vilaça. Ele explica que o metro quadrado de silício pesa cerca de 20 kg, enquanto que o de OPV fica entre 700 e 800 gramas. “Com isso, você habilita muitas aplicações que o silício não abrange. Por exemplo, se for colocada uma placa no teto de um carro, a energia gerada não compensará o peso a mais na estrutura. Com o OPV, isso é viável”, enfatizou.
Comparado à placa fotovoltaica, o filme orgânico apresenta uma resposta melhor com a radiação difusa, pois não tem grande dependência da inclinação do módulo. Na prática, isso significa que o filme pode ser colocado na posição vertical, por exemplo, sem que haja uma perda significativa de captação energética.
Payback
Thiago Maranhão e Rodrigo Vilaça explicam a diversidade de aplicações do OPV – Foto: Guilherme Dardanhan
Até o processo produtivo do OPV é mais eficiente que o do módulo fotovoltaico, por demandar um consumo energético menor e possibilitar o aumento da escala de produção. “Dois anos é o payback energético da placa de silício, enquanto o do OPV é de apenas dois meses”, aponta Vilaça. Ele explica que esse termo representa o tempo que um produto gasta gerando energia até “pagar” aquela que ele consumiu na sua própria produção. Além disso, prossegue o executivo, os polímeros orgânicos utilizados são menos poluentes e menos agressivos que os materiais das placas.
Como desvantagem, o OPV apresenta um preço mais alto do que a placa fotovoltaica. “É uma tecnologia nova, mas seu custo vai diminuir radicalmente quando aumentar o volume de produção”, ressaltou Vilaça, complementando que está negociando com fornecedores a redução de preços dos insumos. Ele avalia que o próprio avanço da tecnologia favorece a redução do custo. “Hoje, o metro quadrado de OPV fica em torno de R$ 1 mil; mas temos perspectivas para 2017 ou 2018, de reduzir esse preço para um terço do atual”, prevê.
Processo produtivo dos microssistemas cerâmicos – Foto: Guilherme Dardanhan
Rodrigo Vilaça revelou ainda que, inicialmente, a Sunew vai vender toda a produção, ainda num volume pequeno, para a Fiat e a Votorantim, parceiros estratégicos que a apoiaram no desenvolvimento da tecnologia. Ele estima que, até o fim do ano, deve-se atingir a marca de 350 mil m² produzidos, obtendo um faturamento de R$ 10 milhões.
Vale do Silício
O presidente da Sunew, Thiago Maranhão, explica que também foi “incubada” pelo CSEM outra empresa que vai fabricar microssistemas cerâmicos. Eles podem ser utilizados em circuitos eletrônicos complexos, nas áreas aeroespacial, automotiva, de mineração, comunicações, defesa, combustíveis e outros. “Quando falamos de semicondutor de última geração, temos aqui uma das primeiras e maiores fábricas do mundo. Minas pode ser o próximo Vale do Silício. Isso não é sonho nem loucura”, aposta.
Thiago Maranhão explicou a estratégia por trás da escolha, pelo CSEM, de incubar as duas empresas, a de OPV e a de microssistemas cerâmicos. “O que une as duas plataformas é a estratégia que as gerou: buscamos algo que não existe no Brasil, com chance de competir globalmente, e, claro, tendo os recursos necessários para implementar com sucesso”, disse. Outro aspecto considerado foi a possibilidade de parcerias com os melhores centros de pesquisas, empresas e profissionais do mundo. “Hoje, trabalham aqui profissionais de dez nacionalidades”, disse. E, por último, afirma Maranhão, a preocupação foi a de produzir algo relevante para setores estratégicos no Brasil, como agricultura, defesa, água e energia.
Belo Horizonte, capital da energia solar
O Mineirão é o primeiro estádio sede de jogos da Copa do Mundo a possuir usina fotovoltaica em funcionamento – Foto: Demetrio Aguiar/Divulgação
Depois do “boom” na instalação de aquecedores solares, que utilizam placas para esquentar água, Belo Horizonte desponta agora na implementação dos sistemas fotovoltaicos. Em 2015, a cidade foi eleita por um júri internacional como a Capital Brasileira da Hora do Planeta, justamente por se destacar nacionalmente no reaproveitamento da energia solar. Segundo o Comitê sobre Mudanças Climáticas e Ecoeficiência de Belo Horizonte, a cidade tem 326 m² de placas solares instaladas por mil habitantes; Minas tem 98,6 e, o Brasil, 27,4.
Adepto desses dois sistemas de aproveitamento de energia solar – o térmico e o fotovoltaico -, o engenheiro Walter Fróes instalou há dois anos em sua residência 36 placas fotovoltaicas de 250 watts cada uma, que geram 9 kW no pico. Ele afirma que pagou R$ 9 mil para cada kW instalado, gastando um total de R$ 81 mil. Fróes se diz satisfeito com a economia na conta de luz, já que, atualmente, paga em torno de R$ 80 por cerca de 100 kW/h consumidos por mês, sendo que, antes da instalação das placas e integração ao sistema da Cemig, gastava entre R$ 800 e R$ 1 mil. “Como instalei há cerca de dois anos, esperava um retorno do investimento em 12 anos. Mas o custo da energia subiu e hoje eu pagaria cerca de R$ 2 mil; então, meu payback caiu para seis ou sete anos”, detalha.
Para instalar um sistema desse tipo, a pessoa deve procurar a Cemig, que avaliará a capacidade da rede e a necessidade de obras, entre outros aspectos. É feito, então, o cálculo do seu consumo médio anual para dimensionar o tamanho da microusina, de modo a zerar a conta de luz. Depois instala-se o relógio dual, que mede a geração de energia durante o dia e o consumo diário. Ao final do mês, como a energia produzida é suficiente para todo o consumo, o cliente paga apenas a tarifa de conexão, pela utilização da rede da Cemig, e ainda, a taxa de iluminação pública.
Mercado de energia
Proprietário da CMU Comercializadora de Energia, Walter Fróes avalia a contribuição da fonte solar e de outras renováveis para o incremento dos negócios no mercado de energia. Na sua opinião, um grande apoio ao setor foi dado com a Resolução Normativa (RN) 687, da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que aprimora a RN 482, de 2012. “Agora, vamos conseguir levar os benefícios para a baixa tensão”, comemora.
O empresário cita entre os benefícios dessas resoluções a compensação dos créditos com geração energética para abater o consumo do mesmo titular em outro imóvel, desde que na área da mesma concessionária. Ele destacou que, com a possibilidade aberta de criação de consórcios, uma rede supermercadista de Belo Horizonte pode, por exemplo, construir ou arrendar um parque gerador, de até 5 Mw de potência, em Jaíba (Norte de Minas), onde bate sol o ano inteiro, e utilizar na Capital a energia gerada. “A geração distribuída é o futuro para tudo”, arrisca.
Energia solar no Mineirão e Atlas Solarimétrico revelam pioneirismo
Muito antes da criação da Sunew, em Belo Horizonte, e das obras da usina da Solatio, em Pirapora (Norte de Minas), Minas Gerais já dava mostras de seu pioneirismo no campo da energia solar. Em 17 de maio de 2014, era inaugurado oficialmente na Capital o sistema com módulos fotovoltaicos sobre a cobertura de concreto do Estádio Magalhães Pinto. Com isso, o novo Mineirão se tornou o primeiro estádio a sediar uma partida de Copa do Mundo com uma usina fotovoltaica em funcionamento.
Durante a competição, aquela arena entraria para a história, e não apenas por ser o palco da derrota do Brasil para a Alemanha por 7 a 1, em 8 de julho. Quase um mês antes, em 14 de junho, o Mineirão sediou a partida entre Colômbia e Grécia, já com a usina solar operando. A Usina Fotovoltaica (UFV) Mineirão teve a obra executada pela Cemig e conta com 5.910 placas fotovoltaicas na potência de 240 Wp (watts pico) cada uma, as quais geram a potência instalada de 1,32 MWp (megawatts pico). É a maior usina em cobertura do Brasil e uma das maiores instaladas em arenas esportivas do mundo, produzindo anualmente 1.800 MWh.
Segundo Bruno Marciano Lopes, engenheiro de tecnologia e normalização da Cemig, a energia gerada ali é suficiente para abastecer cerca de 900 residências. Toda a produção é injetada na rede de distribuição da concessionária, em modelo similar à maioria das usinas do País. É possível acompanhar pela internet, em tempo real, a produção energética da usina e outros dados como irradiância solar, velocidade dos ventos, temperatura, entre outros.
Outros projetos – A Cemig participa de outros dois projetos de pesquisa envolvendo a construção de usinas solares, uma em Belo Horizonte, de 500 kW, e outra em Jaíba, de 3.000 kW. Eles se somam a dezenas de outros projetos de pesquisa que a Cemig realizou nessa área. Também a Efficientia, empresa do grupo Cemig, tem mais de 1 mil KW em sistemas fotovoltaicos em operação ou em construção. Já a Renova Energia, empresa com participação societária da Cemig, construirá cerca de 160 mil KW, por meio de seis empreendimentos vencedores de leilões promovidos pelo Ministério de Minas e Energia.
Atlas Solarimétrico
Um instrumento fundamental para mapear a insolação nas diversas regiões de Minas Gerais, o Atlas Solarimétrico, foi lançado pela Cemig em 2012. Com essa base de informação georeferenciada, governo, instituições de pesquisa e empresas passaram a contar com dados técnicos relevantes para projetos de energia solar.
Na avaliação do engenheiro Bruno Lopes, a viabilidade técnico-econômica e o melhor desempenho dessas tecnologias dependem de conhecimentos sobre radiação solar e outros dados. “O conhecimento obtido reduz o desperdício de esforços, pois são explicitados os locais mais promissores para investimentos”, concluiu.
Fonte – Carlos Máximo, Assembleia de Minas de 02 de maio de 2016
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