Por Pedro A. Duarte - Agência FAPESP - 12 de novembro de 2024 - Publicado…
Monsanto: 115 anos contra planeta e saúde humana
Breve guia sobre as ações de transnacional que, em nome de lucros crescentes, dissemina produtos tóxicos, subjuga agricultores e se envolve nos grandes crimes de guerra praticados pelos EUA
Sendo, atualmente, uma empresa mundial de biotecnologia agrícola especializada em sementes transgênicas e herbicidas, que tenta mudar a face da agricultura e a ditar a alteração dos nossos hábitos alimentares, a Monsanto começou como um fornecedor de produtos químicos.
Tentando, por todos os meios – manipulação de estudos, técnicas de marketing agressivas, entre outros -, limpar a sua imagem, auto intitula-se como “uma companhia de agricultura sustentável” [1] e com o objetivo “produzir melhores alimentos para os consumidores e uma melhor alimentação para os animais”.
A empresa oculta da sua história [2] “pequenos pormenores”, como as consequências profundamente dramáticas para o meio ambiente e a saúde pública da produção de PCB’s, a contaminação de vietnamitas e veteranos de guerra com o agente laranja ou a toxicidade do Roundup, o herbicida que se transformou numa mina de ouro.
PCB’s: Consequências dramáticas para o meio ambiente e a saúde pública
Cerca de 99% dos PCB’s [3] utilizados nos EUA foram produzidos pela Monsanto na sua fábrica de Sauget, em Illinois – que apresenta a taxa mais elevada de morte fetal e de nascimentos prematuros do estado [4] -, até terem sido totalmente proibidos pelo Congresso norte americano em 1976.
Estes compostos, produzidos desde 1930 e utilizados como refrigerantes e lubrificantes em equipamentos elétricos, são cancerígenos, e têm efeitos prejudiciais para o fígado, sistema endócrino, sistema imunológico, sistema reprodutor, sistema de desenvolvimento, pele, olhos e cérebro [5].
Em janeiro de 2002, o jornalista Michael Grunwald, do Washington Post, descrevia no seu artigo, intitulado “Monsanto Hid Decades of Pollution”, a forma como, durante cerca de quatro décadas, a Monsanto envenenou a população de Anniston, despejando regularmente lixo tóxico num riacho na zona Oeste desta pequena cidade americana.
Em 1966, os administradores da Monsanto perceberam que os peixes do riacho estavam morrendo. Três anos depois, encontraram peixes noutro riacho com 7.500 vezes os níveis legais de PCB’s. Em 1975, um estudo verificou que os PCB’s causavam tumores em ratos. Os responsáveis da Monsanto ordenaram a alteração dos resultados.
Vários memorandos internos, classificados como “confidenciais” comprovam que a Monsanto sabia quais as consequências das suas práticas, mas isso não a impediu de lucrar durante quatro décadas com a produção de PCB’s. “Nós não nos podemos dar ao luxo de perder um dólar de negócios”, frisava um dos documentos.
As indenizações pagas décadas depois representaram somente uma pequena fração dos lucros, demonstrando que, de fato, o crime compensou.
Quase 30 anos depois de os PCB’s serem proibidos nos EUA, continuam a aparecer no sangue de mulheres grávidas, conforme avança um estudo de 2011 da Universidade da Califórnia, em San Francisco. Outras pesquisas apontam um paralelo entre PCB’s e autismo.
DDT: O inseticida proibido nos EUA em 1972
Em 1944, a Monsanto tornou-se num dos primeiros fabricantes do pesticida DDT, utilizado para combater os mosquitos transmissores da malária e do tifo e que foi massivamente utilizado na agricultura.
Ainda que durante décadas a Monsanto tenha assegurado veementemente que o DDT era seguro, em 1972, o inseticida foi proibido em todos os EUA, após terem ficado provados os verdadeiros efeitos da toxicidade do produto.
No livro Silent Spring a bióloga norte Americana Rachel Carson demonstra como o DDT pode provocar câncer em seres humanos e interfere com a vida animal, causando, por exemplo, o aumento de mortalidade entre os pássaros. Carson chegou a comparar o efeito das pulverizações maciças de DDT ao de uma nova bomba atômica. Vários estudos assinalaram que o DDT matava vários insetos inofensivos essenciais para os ecossistemas e o pesticida chegou a ser responsabilizado pela quase extinção de, pelo menos, uma ave, o falcão-peregrino.
Em 23 de maio de 2001, 122 países assinaram a Convenção de Estocolmo sobre poluentes orgânicos persistentes (POPs), com o objetivo de eliminar uma lista inicial de 12 substâncias tóxicas, na qual se incluía o DDT.
Desenvolvimento das primeiras armas nucleares
Pouco depois de adquirir, em 1936, a Thomas e Hochwalt Laboratories, em Dayton , Ohio, a Monsanto transformou esta divisão no seu Departamento de Investigação Central, que, entre 1943 e 1945, teve uma participação significativa no Projeto Manhattan, cujo objetivo era desenvolver a primeira bomba atômica.
O Dr. Charles Thomas, que veio a assumir a presidência da Monsanto, era responsável pela purificação final do plutónio e esteve presente no primeiro teste de explosão da bomba atômica.
Utilização do Agente Laranja aos EUA durante a Guerra do Vietnã
Entre 1961 e 1971, a Monsanto forneceu Agente Laranjavi [6], resultante da combinação entre os herbicidas 2,4-D e 2, 4, 5-T, ao exército norte americano, que o utilizou para desfolhar as árvores da selva tropical do Vietnã durante a guerra. Os cerca de 80 milhões de litros deste desfolhante despejados no país pela Força Aérea dos EUA foram contaminados com dioxina, uma substância altamente tóxica e cancerígena criada como um subproduto do processo de fabrico do Agente Laranja [7].
Até hoje, a utilização do desfolhante durante a Guerra do Vietnã traduz-se em consequências devastadoras para a população vietnamita e para os veteranos de guerra norte americanos, que vieram a processar a Monsanto.
Os Veteranos do Vietnã da América identificaram pelo menos 50 doenças associadas à exposição ao Agente Laranja, bem como 20 tipos de defeitos de nascença [8].
Segundo a Rede de Agricultura Sustentável (RAS) [9], algumas estimativas dão conta da existência de mais de 500 mil crianças nascidas no Vietnã desde os anos 60 com deformidades relacionadas à dioxina contida no Agente Laranja.
A RAS refere ainda que uma ação judicial, originada pela denuncia de trabalhadores ferroviários expostos a dioxinas em consequência de um descarrilamento, evidenciou a manipulação de estudos para apoiar a posição da Monsanto. Um funcionário da Agência de Proteção Ambiental Americana (EPA) chegou à conclusão que os estudos foram manipulados por forma a levarem a crer que os efeitos da dioxina se limitava à cloroacne – uma enfermidade da pele. A Monsanto acabou por ser multada em 16 milhões de dólares, verificando-se ainda que muito dos produtos da empresa estavam contaminados por dioxina.
No artigo “A Obscura História da Monsanto” [10], publicado pela RAS, é também citado um memorando da Dra. Cate Jenkins, da EPA, de 1990, onde se pode ler que “a Monsanto remeteu informações falsas à EPA”. “A empresa adulterou amostras de herbicida que remeteram ao Departamento do Ministério da Agricultura dos EUA para registar o 2,4-D e vários clorofenóis; ocultou provas sobre a contaminação do Lysol, além de excluir centenas dos seus antigos trabalhadores doentes dos seus estudos comparados de saúde”, avança a RAS.
BST: Degradação da saúde dos animais e perigo para a saúde pública
Em 1993, a Monsanto conseguiu a aprovação, por parte da Food and Drug Administration (FDA), da comercialização da BST, uma substância com efeito hormonal utilizada para fazer aumentar, entre 10% a 20%, a lactação nas vacas.
Em 1994, o Government Accountability Office (GAO) chegou a promover uma investigação sobre três funcionários da FDA envolvidos na aprovação da BST, por existirem suspeitas de conflito de interesses. Michael Taylor, Margaret Miller e Suzanne Sechen estiveram envolvidos nos estudos iniciais da Monsanto sobre a BST, tendo mais tarde vindo a integrar a FDA e a avaliar esses mesmos estudos. Ainda que tenham ficado perfeitamente demonstradas as inúmeras ligações entre a Monsanto e a FDA, o GAO acabou por concluir que nenhum destes funcionários tinha violado qualquer regra sobre conflito de interesses, defendendo não existir base legal para qualquer processo [11].
Um estudo da comissão científica da União Europeia veio, entretanto, a concluir que a utilização da BST aumenta substancialmente a incidência de problemas de saúde nos animais, entre os quais problemas nas patas, processos infecciosos agudos das glândulas mamárias (mastite) e doenças do aparelho reprodutor. No caso das vacas com mastite, o leite produzido apresenta pus, sendo que são administrados antibióticos que trazem problemas para os animais e enormes perigos sobre os seres humanos [12].
Por outro lado, quando se administra BST na vaca é estimulada a produção de outro hormônio, o Fator de Crescimento 1 (IGF1). Em 1996, um estudo da Universidade de Illinois, Chicago, mostrou que as concentrações de IGF1 que se verificam no leite das vacas tratadas com a BST multiplicam por quatro o risco de câncer da próstata nos homens e por sete o risco de câncer da mama nas mulheres [13].
A partir de 1999, a BST começou a ser proibida em vários países: primeiro no Canadá, depois na Austrália, na Nova Zelândia, no Japão, em Israel e em toda a União Europeia.
Em 2000, a BST já se tinha tornado no produto farmacêutico mais vendido na história da indústria de laticínios [14].
Sacarina: Um produto cancerígeno?
No início da sua atividade, a Monsanto dedicou-se à produção do adoçante sacarina. Em pouco tempo, a empresa tornou-se a principal fornecedora de matérias primas da Coca-Cola.
Em 1977, a Food and Drug Administration (FDA) tentou retirar a sacarina do mercado após Arnold D.L. e outros autores terem assinalado que este produto induzia câncer da bexiga. Esta mesma conclusão foi corroborada, em 1980, num estudo do National Cancer Institute, que assinalou ainda que a sacarina produzia também vários outros tipos de tumores em ratos. Em 1981, a sacarina foi, inclusive, incluída na lista de substâncias carcinogênicas em humanos da NTP National Toxicology Program (NTP).
A sacarina continuou, contudo, a ser comercializada, mediante a pressão da indústria de alimentos dietéticos e dos próprios consumidores exibindo, contudo, e até ao final da década de 90, uma advertência com a indicação de que tinha apresentado sinais cancerígenos.
Posteriormente, alguns estudos revelaram que os resultados dos estudos apenas se aplicavam a ratos, na medida em que os tumores nestes animais se deviam a um mecanismo não relevante em humanos. Em 2000, esta substância foi retirada da lista de substâncias carcinogénicas.
Vários cientistas desaconselharam a retirada da sacarina desta lista. O documento oficial tem, até à data, a seguinte redação: “embora seja impossível concluir com certeza que não representa uma ameaça para a saúde humana, não se pode afirmar razoavelmente que a sacarina sódica é um carcinógeno humano em condições de uso geral como um adoçante artificial”.
OGM: Contaminação de culturas e perseguição aos agricultores
Os Organismos Geneticamente Modificados (OGM) são organismos cujo material genético foi manipulado de modo a favorecer alguma característica desejada. No caso das sementes produzidas pela Monsanto, as mesmas foram geneticamente modificadas por forma a repelirem pragas ou a resistirem exclusivamente aos herbicidas comercializados pela empresa.
O milho transgênico, por exemplo, liberta um forte inseticida que não só aniquila os insetos passíveis de destruir as colheitas como também aqueles que lhes são benéficos, e essenciais para os ecossistemas, como borboletas e abelhas.
Uma das preocupações no que se refere ao cultivo de plantas transgênicas prende-se com a polinização cruzada entre estas espécies e as espécies nativas ou as culturas que não foram manipuladas geneticamente. O pólen transportado por insetos ou pelo vento pode implicar a contaminação de campos situados até dezenas de quilômetros, dependendo da distância percorrida pelo mesmo e da própria planta em causa.
Esta contaminação pode ter consequências bastante preocupantes. Em meados dos anos 90, a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA) descobriu que o milho Starlink, da empresa Aventis, era alergêénico, interditando a sua comercialização para consumo humano. Contudo, entre 2000 e 2001, foram recolhidos mais de 300 produtos alimentares que continham traços do produto e 44 pessoas queixaram-se de reações alérgicas como consequência do consumo desses alimentos [15].
De forma a espalhar a sua tecnologia por todo o mercado de fornecimento de sementes, a Monsanto não só comercializa as suas próprias sementes patenteadas, como também, tal como refere o Food & Water Watchxvi [16], utiliza acordos de licenciamento com outras empresas e distribuidores permitindo, nomeadamente, que a concorrência utilize características genéticas desenvolvidas pela Monsanto nos seus produtos.
Em documentários como “Food, Inc.” e “The Future of Food” é abordada a perseguição da Monsanto contra os agricultores. A Monsanto não se coíbe de processar pequenos agricultores por quebrarem o acordo de licenciamento da tecnologia da empresa ao qual se vinculam quando, tão simplesmente, adquirem um saco de sementes da multinacional.
Este acordo estipula, por exemplo, que os agricultores não podem guardar e replantar as sementes e são responsáveis pelo acompanhamento de todos os procedimentos incluídos no Guia de Utilização da Tecnologia da Monsanto, bem como que a Monsanto pode investigar as plantações dos agricultores e aceder aos seus registos na USDA Farm Service Agency. A Monsanto criou, inclusive, uma linha gratuita para que qualquer cidadão possa denunciar os agricultores que utilizam a tecnologia da empresa sem licença [17].
Não só os agricultores que adquiriram produtos da Monsanto são alvo de processos como também aqueles que, inadvertidamente, acabam por encontrar características genéticas desenvolvidas pela empresa nas suas culturas devido à polinização cruzada.
As vantagens propaladas do cultivo de OGM, como aumentar a produtividade ou diminuir a necessidade da aplicação de pesticidas e herbicidas, têm vindo a ser desmentidas pela comunidade científica. Ao invés de “produzir melhores alimentos para os consumidores e uma melhor alimentação para os animais”, a Monsanto procura encher os seus cofres impondo uma alteração radical dos sistemas agrícolas a nível mundial e dos hábitos alimentares das populações.
Em 2009, os produtos da Monsanto cresciam em 40% da área cultivada nos EUA. Perto de 93% de toda a plantação de soja e 80% da plantação do milho nos EUA foram cultivadas com sementes contendo material genético patenteado pela Monsanto [18]. A empresa controla mais de 90 por cento da produção de OGM no mundo.
A expansão da utilização de OGM traduz-se na perda permanente de biodiversidade e numa ameaça à soberania e segurança alimentar, principalmente nos países mais pobres, onde as populações sobrevivem à custa da conservação de sementes.
Roundup: O veneno que se transformou numa mina de ouro
Criando sementes transgênicas que resistem unicamente a este herbicida, a Monsanto obriga os agricultores a adquirir o Roundup, tornando a sua comercialização uma verdadeira mina de ouro. Em 2011, as vendas do Roundup e de outros herbicidas representaram 27 por cento do total das vendas líquidas da Monsanto.
No documentário “O Mundo Segundo a Monsanto”, Marie-Monique Robin reproduz a peça publicitária na qual a Monsanto apresenta o Roundup, como um produto “biodegradável, (que) deixa o solo limpo e respeita o meio ambiente”. “O glifosfato é menos tóxico para os ratos do que o sal de mesa ingerido em grande quantidade” , acrescenta a Monsanto, esquecendo-se de referir que o Roundup é muito mais tóxico na sua fórmula global.
Na realidade, os estudos que justificaram a homologação do Roundup foram produzidos somente com base na análise do princípio ativo, não sendo tidas em conta as características da fórmula final.
O professor Robert Bellé, do Centro Nacional de Investigação Científica francês, citado por Robin, concluiu que o Roundup desencadeia a primeira etapa que pode conduzir a situações de câncer 30 a 40 anos mais tarde. “O Roundup é um assassino de embriões e em concentrações mais fracas é um perturbador endócrino para os fetos”, escreveu.
Gilles-Eric Seralini, professor de biologia molecular na Universidad de Caen (França), que desenvolveu várias investigações para a Comissão Europeia sobre os efeitos dos alimentos transgénicos na saúde, foi taxativo quanto aos efeitos do Roundup nas células humanas: “mata-as diretamente” [19].
Vários estudos [20] têm associado ainda a utilização do Roundup ao desenvolvimento de problemas do sistema reprodutor.
Notas:
[1] http://www.monsanto.com/whoweare/pages/default.aspx
[2] http://www.monsanto.com/whoweare/pages/monsanto-history.aspx
[3] PCB’s – ver definição da Wikipédia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Bifenilpoliclorado
[4] http://www.agrisustentavel.com/trans/crisanto.htm
[5] http://www.alternet.org/food/how-monsanto-went-selling-aspirin-controlling-our-food-supply
[6] http://pt.wikipedia.org/wiki/Agente_laranja
[7] http://www.alternet.org/food/how-monsanto-went-selling-aspirin-controlli
[8] Relatório de 2013 “Monsanto – a corporate profile”, da Food & Water Watch
[9] http://www.agrisustentavel.com/trans/crisanto.htm
[10] http://www.agrisustentavel.com/trans/crisanto.htm
[11] Relatório de 2013 “Monsanto – a corporate profile”, da Food & Water Watch
[12] http://www.agrisustentavel.com/trans/crisanto.htm
[13] http://www.preventcancer.com/press/releases/july8_98.htm
[14] Relatório de 2013 “Monsanto – a corporate profile”, da Food & Water Watch
[15] http://www.agrisustentavel.com/trans/fluxos.htm
[16] Relatório de 2013 “Monsanto – a corporate profile”, da Food & Water Watch
[17] Relatório de 2013 “Monsanto – a corporate profile”, da Food & Water Watch
[18] Relatório de 2013 “Monsanto – a corporate profile”, da Food & Water Watch
[19] http://www.i-sis.org.uk/Bt_Toxin_Kills_Human_Kidney_Cells.php
[20] http://www.combat-monsanto.co.uk/spip.php?article238
Fontes – Esquerda.net / IHU de 04 de maio de 2016
Este Post tem 0 Comentários