Por Jean Silva* - Jornal da USP - 1 de novembro de 2024 - Tucuruvi,…
Mortandade de abelhas ameaça agroextrativismo no oeste do Pará
Flor do maracujá sendo visitada por uma espécie de abelhas solitária, conhecida popularmente como mamangava / Bob Barbosa
Declínio de polinizadores causa diminuição direta na produção de frutos e sementes, diz pesquisador
A mortandade das abelhas no Planalto Santareno tem efeitos que vão além do prejuízo causado aos produtores de mel, pela perda de suas colmeias, afetadas pelos agrotóxicos e pelo desmatamento crescente na região. O Planalto Santareno engloba grandes áreas dos municípios de Belterra, Mojuí dos Campos e Santarém, no Pará.
A produção de sementes e frutos depende em grande parte da polinização realizada pelas apis mellifera – conhecidas como abelhas africanizadas, europeias ou italianas – e também pelas abelhas nativas – sem ferrão -, comuns na Amazônia. Por estar ocorrendo uma diminuição acentuada das populações de abelhas, a vegetação também está sendo ameaçada. Com isso, alimentos tradicionais do agroextrativismo correm o risco de desaparecer. É o caso da castanha do pará, da pupunha, do cupuaçu e do açaí.
A bióloga Mayá Schwade, que estuda a área de polinização e interação planta-animal, calcula que mais de 80% das espécies de uso comercial, por exemplo, de uso alimentar, dependem de polinização por animais, e principalmente por abelhas.
“Se a gente imagina que a reprodução das espécies de plantas depende desses animais, só irá acontecer a regeneração de uma floresta se houver essa polinização. Um exemplo é a castanheira, que é polinizada por uma espécie de abelha solitária, que realiza a polinização quase que exclusivamente só ela.”
Sobre a castanheira, espécie de árvore antes abundante no Planalto Santareno, o engenheiro agrônomo e professor da UFPA, Plácido Magalhães, também observa que “só grupos de abelhas grandes conseguem abrir a flor da castanheira pra poder coletar o néctar. E essas abelhas não têm mais onde fazer os seus ninhos. Acontece o que a gente chama de ‘declínio de polinizadores’. Cada dia que passa, essas abelhas, que são especializadas, não tem mais onde fazer os seus ninhos e vão diminuindo. E consequentemente há uma diminuição direta na produção de frutos e sementes, porque não tem polinização.”
Na Amazônia como um todo, e na região do Planalto Santareno em especial, existem as criações de apis mellifera e de abelhas sem ferrão. Espalhadas em ninhos na vegetação, há também uma diversidade gigantesca de meliponíneos, ou seja, abelhas sem ferrão. Todas estas são fundamentais para a manutenção da floresta amazônica e, consequentemente, de toda a riqueza que ela gera. Se a polinização declina, a floresta diminui. Se a floresta diminui, as abelhas, principalmente as melíponas e as trigonas, ficam sem alimento. É um ciclo silencioso de extermínio.
“Só no estado do Pará há em torno de 110 espécies de abelhas sem ferrão, e elas estão associadas com as árvores principalmente, vivem dentro ou associadas às árvores – 85% dos ninhos que a gente encontra estão associados às árvores”, afirma Plácido Magalhães.
De acordo com o professor, existem trabalhos do geneticista e engenheiro agrônomo Warwick Kerr que demonstram que de 40 a 90% das plantas silvestres são polinizadas por abelhas sem ferrão. Essas abelhas tem uma relação muito próxima com as espécies do Pará, porque elas co-evoluíram ao longo desse tempo todo. Existem também grupos especializados em polinizar determinadas espécies de plantas, e vice-versa, uma precisa da outra.
A bióloga Mayá Schwade explica que as florestas tropicais têm várias espécies dependentes da polinização. “A polinização pelo vento quase não existe nesses locais. Muitas espécies dependem dessa interação. E como é que ocorre essa polinização? O animal vai atrás de um recurso, por exemplo o néctar, o pólen, ou alguma resina que ele utiliza na reprodução. Quando ele toca as partes de uma flor ele pode estar fazendo a polinização. Algumas plantas são muito dependentes deste processo porque elas precisam de mais de um indivíduo para que ocorra essa troca de gametas. Ela precisa de um agente que faça isso. As florestas tropicais tem indivíduos muito espalhados. Então ela precisa de um agente que leve esse pólen para que ocorra a polinização.”
Como observa João do Mel, um dos mais antigos produtores de mel de Belterra, “tem muitas frutas que não estão produzindo direito. Você sabe que quem faz a polinização na semente da madeira nobre, são as abelhas sem ferrão. Porque as abelhas sem ferrão vão mais na florada alta, Aqui eu já plantei uma faixa de quase três mil árvores mas não é suficiente por causa do veneno que vem no vento.”
Marcus Bezerra, da comunidade Portão de Belterra, é apicultor e cria apis mellifera. Segundo ele, a abelha se contamina nas plantações de soja: “quando a soja flora, a abelha vai aonde tem flor e ela não chega a identificar que aquela flor está com veneno. Então ela tira o néctar daquela flor e leva pra colmeia, e lá na colmeia é que ela vai morrer e também prejudicar todo o ninho.”
Mas nem sempre foi assim. Marcus recorda que “há dez anos, tinha roça, mas era roça de pequeno agricultor, que não usava tanto agrotóxico, não tinha plantação de soja numa grande quantidade, era pequena. Só que hoje em dia, do lado do apiário, norte, sul, leste, oeste, tudo é plantação de soja.”
O desaparecimento das abelhas, segundo Maya, acontece também em outros países. “Existe um colapso das colmeias em várias partes do mundo.Um dos principais fatores é justamente o uso de pesticidas, de herbicidas que afetam essas abelhas. Mas não só isso. As monoculturas, as grandes extensões de plantios, elas removem uma biodiversidade muito grande, uma grande quantidade de espécies de plantas e também de locais de nidificação. As abelhas tem vários locais que elas podem ter ninhos, dependendo da espécie, pode ser no chão, pode ser num oco, se a gente remove essa biodiversidade a gente vai também fazer com que decline a quantidade de núcleos e as abelhas precisam também estar trocando a variedade genética.”
Agroecologia multiplica abelhas
Do outro lado do Rio Tapajós fica a Reserva Extrativista Tapajós Arapins (Resex). Diferente de Belterra, a Resex fica protegida e distante das lavouras de soja. Lá não existe indícios de mortandade de abelhas, mas sim, a ampliação da meliponicultura, conforme o manejador de abelhas da Resex, Alexandre Godinho: “se tiver abelha vai ter a polinização, vai ter a árvore, vai ter a flor, vai ter o fruto e vai ter o homem que vai se beneficiar tanto do mel, vai se beneficiar do fruto”.
Ou seja, longe do agronegócio e dos agrotóxicos, a meliponicultura é aliada da floresta em pé e também das práticas agroecológias, pois a polinização realizada pelas abelhas sem ferrão também favorece a produtividade da agricultura familia.
Fonte – Bob Barbosa, edição Daniela Stefano, Brasil de Fato de 0
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