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Morte de menina inglesa pode virar marco na luta contra poluição do ar

Névoa de poluição cobre Londres, capital da Inglaterra. Foto: Flickr (CC)/DAVID HOLT

Ella Kissih-Debrah, uma menina de Londres que amava natação, futebol e ginástica, tinha apenas nove anos de idade quando morreu, em 2013.

Na Inglaterra, a mãe da jovem luta pela abertura de um inquérito para provar que a poluição do ar foi a causa do falecimento. O relato é da ONU Meio Ambiente.

Ella Kissih-Debrah, uma menina de Londres que amava natação, futebol e ginástica, tinha apenas nove anos de idade quando morreu. Pelos primeiros seis anos de sua vida, a jovem inglesa era um exemplo de saúde, mas tudo mudou quando a garota contraiu uma grave infecção no peito em outubro de 2010. Nos anos que se seguiram, Ella foi internada 27 vezes, com asma severa e também por conta de convulsões que a faziam parar de respirar. Em 15 de fevereiro de 2013, uma dessas crises tirou sua vida.

Uma investigação no ano subsequente ao falecimento concluiu que a menina morrera de falha respiratória aguda e asma severa. Mas o legista do Tribunal de Southwark não considerou o fato de que Ella morava a apenas algumas dezenas de metros da Circular Sul de Londres. Esse anel viário é passagem para centenas de carros, ônibus e caminhões que liberam poluentes todos os dias.

Agora, a mãe de Ella, Rosamund Kissi-Debrah, está batalhando pela abertura de um novo inquérito, que deverá indicar a poluição do ar como causa da certidão de óbito da menina. Se a investigação for bem-sucedida, será a primeira vez na Inglaterra em que a poluição do ar terá sido explicitamente associada à morte de um indivíduo em particular. A decisão poderá ter implicações de longo alcance.

Rosamund não está sozinha em sua luta por justiça. Ela traz debaixo do braço novas pesquisas do especialista em asma e professor universitário Stephen Holgate, além de receber o apoio de Jocelyn Cockburn, uma proeminente advogada da área de liberdades civis.

Um novo inquérito

Ao longo da curta vida de sua filha, Rosamund, como a maior parte dos moradores de cidades grandes, não tinha consciência dos perigos que o anel viário trazia. Durante os anos de tratamento de Ella, nenhum dos médicos que as atenderam levantaram a hipótese de que a poluição poderia ser um fator causal.

“Depois da morte de Ella, lembro de sentir que eu a tinha decepcionado”, conta Rosamund à equipe da ONU Meio Ambiente. “Eu estava determinada em descobrir como uma garota de nove anos com asma tinha morrido. Após o inquérito da Ella, eu ainda não estava nem perto de entender o que causara seus ataques de asma e por que eles não puderam ser controlados ou evitados.”

A inglesa criou a Fundação Família Ella Roberta, para descobrir mais sobre a asma infantil. Posteriormente, Rosamund se uniu a Cockburn e Holgate. O pesquisador analisou dados de estações de monitoramento da poluição, localizadas perto da casa dos Kissi-Debrahs. O especialista descobriu que o nível de poluentes frequentemente excedia os limites estipulados pela União Europeia. O mais surpreendente: os picos locais de poluição coincidiam com muitos ataques de asma da menina.

O analista concluiu que a poluição do ar estava, sem dúvidas, associada à doença de Ella e, em última instância, à sua morte.

Em junho de 2018, Cockburn apresentou as provas para a Procuradoria-Geral e solicitou um novo inquérito. Em 31 de agosto, a advogada e Rosamund encaminharam à Justiça um abaixo-assinado com 100 mil assinaturas.

“O que estou tentando fazer é o que todo pai faria na minha situação, que é simplesmente chegar à verdade sobre a minha linda filha”, afirma a mãe de Ella. “Eu gostaria que o que contribuiu para sua morte fosse oficialmente reconhecido em sua certidão de óbito. Ella sofreu enormemente no último ano de sua vida e é apenas certo que isso seja registrado.”

Segundo o porta-voz da Procuradoria-Geral, a solicitação de Rosamund está sob análise. O representante do Judiciário explica que o pedido deve ter chances razoáveis de ser bem-sucedido na Suprema Corte, onde o apelo por um novo inquérito também será avaliado.

Para Cockburn, a defesa de uma nova investigação tem uma fundamentação “esmagadora”.

“Não faz sentido que tanta informação esteja agora disponível sobre o impacto na saúde da poluição do ar e o vínculo com milhares de mortes no Reino Unido e, no entanto, ainda tenha havido nenhuma associação direta a uma morte individual”, afirma a advogada.

O assassino invisível

A poluição atmosférica é chamada de “o assassino invisível” pelo fato de que, na maioria dos casos, as pessoas não percebem ou não veem o que estão respirando.

“A névoa dos anos 1950 era devido à queima de carvão em lareiras e na indústria”, explica Holgate.

“Na sociedade de hoje em dia, o quadro é diferente. A poluição está invisível e é uma assassina silenciosa. Queimas de carvão não estão mais nos causando problemas. Agora, toxinas e partículas minúsculas estão sendo despejadas em nosso ar pelos carros, caminhões e ônibus, e nós estamos respirando isso dia após dia.”

Em todo o mundo, nove em dez pessoas estão expostas a níveis de poluentes no ar que ultrapassam os níveis de segurança da Organização Mundial da Saúde (OMS). A contaminação causa mais de 4 milhões de mortes por ano. Em 2016, segundo a ONU, a inalação da menor forma de material particulado reduziu a expectativa média de vida no mundo em aproximadamente um ano.

De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), respirar a poluição particulada do ar pode causar danos ao tecido cerebral e prejudicar o desenvolvimento cognitivo das crianças. Outros estudos também apontaram que a contaminação da atmosfera poderia levar a níveis de inteligência inferiores, com o prejuízo estimado em um ano de educação perdido.

Pesquisas mostram ainda um risco mais alto para demência — quem vive mais próximo às grandes artérias do tráfego urbano teria até 12% mais chances de ser diagnosticado com o problema.

Mas as estatísticas são facilmente ignoradas. Apenas quando vemos um rosto humano ligado ao problema, é possível verdadeiramente começar a entender que a poluição do ar mata. Por isso, o caso de Ella é emblemático.

“Se eu soubesse dos níveis perigosos de poluição do ar e do impacto da má qualidade do ar na saúde da Ella, eu teria mudado nossa vida cotidiana para reduzir o impacto”, diz Rosamund.

Futuro de mudanças

A ONU Meio Ambiente e a OMS lideram, em parceria com a Coalizão do Clima e do Ar Limpo, a rede BreatheLife, um programa de iniciativas em prol da redução da poluição atmosférica. Atualmente, o projeto é implementado em 42 cidades espalhadas pelo mundo, beneficiando 94 milhões de pessoas. Londres é um dos municípios que assumiram compromissos com a estratégia da ONU.

O prefeito da capital inglesa, Sadiq Khan, enviou uma carta à Procuradoria-Geral para apoiar o pedido de abertura do novo inquérito.

“Como vocês sabem, estou comprometido em melhorar a qualidade do ar em Londres, alcançando os limites legais o mais rápido possível para então cumprir diretrizes ainda mais rígidas da Organização Mundial da Saúde até 2030. Casos como o da Ella são uma parte importante do motivo pelo qual dei tanta importância a essa questão”, escreveu o dirigente.

Em junho desse ano, Khan anunciou que as zonas com níveis “ultra-baixos” de emissões, já implementadas em Londres, serão ampliadas para incluir as estradas das Circulares Sul e Norte. Segundo seu escritório, a área coberta será 18 vezes maior que o perímetro criado na Londres Central. A medida, junto com padrões de controle mais restritivos, deve afetar 100 mil carros, 35 mil vans e 3 mil caminhões.

De acordo com a Prefeitura, o projeto garantirá que, até 2021, mais de 100 mil londrinos deixem de viver em áreas onde a poluição do ar excede os limites. O número representa uma redução de 80% na quantidade de moradores expostos a níveis preocupantes de poluentes.

Para Rosamund e todos que a apoiam, a luta por reconhecimento levará a verdade para o papel e poderá impulsionar políticas para combater a poluição atmosférica.

“Existe uma necessidade real de se entender qual o papel que a poluição do ar teve na morte da Ella, sobretudo para aprender lições e garantir que outras crianças não tenham o mesmo destino”, completa Cockburn.

Fonte – ONU Brasil de 02 de outubro de 2018

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