Por Renata Franco, especialista em Direito Ambiental e Regulatório – EcoDebate – 09 de setembro de 2021 – Imagens NOAA
Recentemente foi divulgado novo relatório pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) informando que a mudança do clima já está acontecendo e de forma mais rápida e intensa do que se imaginava, como resultado da ação humana (antrópica).
O IPCC também lançou um Atlas Interativo em que se pode visualizar a projeção do clima futuro com relação às temperaturas e à precipitação, a partir dos cenários de aquecimento de aumento da temperatura média global em 1,5ºC, 2ºC e 4ºC.
O relatório indica que as ondas de calor e ciclones tropicais das categorias três a cinco (os mais intensos) estão se tornando mais frequentes, e adverte a ocorrência de eventos extremos associados, como a sobreposição de ondas de calor e de seca ou de chuvas intensas que podem resultar em desastres.
Para exemplificar, a temperatura do oceano tem aumentado constantemente desde 1970 e o aumento do nível do mar foi de cerca de 20 cm no período entre 1901 e 2018.
Por ano, o aumento médio foi de 1,3 mm entre 1901 e 2018, 1,9 mm entre 1971 e 2006, e 3,7 mm entre 2006 e 2018.
Muito se discute internacionalmente: Protocolo de Kyoto, Acordo de Paris e agora a preparação para a COP-26.
O fato é que os países não conseguem cumprir as metas acordadas.
Nesse sentido, observamos algumas posições internacionais contrárias, inclusive, como a da China, que tem priorizado a sua retomada econômica em detrimento da preservação ambiental, com a utilização do carvão mineral como sua principal fonte energética.
De fato, se as previsões se concretizarem, teremos o colapso de alguns ecossistemas com a consequente extinção de espécies e mudança em todo o equilíbrio planetário; o aumento do nível e aquecimento de oceanos; seca e calor extremo em algumas regiões como temos percebido recentemente, provocando o aumento da fome e disseminação de doenças, inclusive com maiores chances de novas epidemias.
No Brasil, considerando um aumento da temperatura maior do que o limite estabelecido pelo Acordo de Paris, poderemos ter a redução de área agricultável e de pastagens com impacto direto no preço que nós, consumidores, pagamos pelos alimentos.
Isso ocorrerá para a carne, milho, soja, algodão, arroz, feijão, açúcar e etanol.
A carne bovina, por exemplo, pode ficar até 25% mais cara.
Entre 2002 e 2012, eventos climáticos extremos causaram uma perda econômica média de 0,68% no PIB (R$ 278 bilhões no período).
Até 2050, se o aquecimento global superar 1,4 °C, o PIB pode diminuir até 2,3% a cada ano, totalizando R$ 3,6 trilhões até lá. Além da questão da perda do PIB, cidades como Rio de janeiro e Santos seriam um risco para vários empreendimentos industriais e de atividades químicas.
O Brasil se tornaria um lugar ainda mais propício para disseminação do Aedes aegypti – mosquito vetor de doenças como dengue, chikungunya e zika.
Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e São Paulo passariam a ter ambientes favoráveis para a proliferação de um dos mosquitos transmissores da leishmaniose.
Sob o ponto de vista jurídico, as consequências dessa alteração no clima e dos resultados desse relatório poderão trazer reflexos práticos imediatos nas demandas ambientais e climáticas.
Um princípio que hoje já é muito utilizado (e combatido) no direito ambiental é a aplicação da precaução e da prevenção pelos juízes.
Esse princípio certamente será fortalecido, principalmente em virtude das evidências científicas trazidas, em especial, os riscos iminentes de catástrofes e de desastres nos próximos anos.
Além disso, esses resultados podem tornar tangível a verificação do nexo de causalidade jurídica nas demandas, deixando mais claras as relações de causa (emissões) e efeitos (danos) nos eventos climáticos extremos, justificando demandas como perda de produtividade, descumprimento de contrato, etc., por questões relacionadas ao clima, por exemplo.
Ainda, reforça a discussão já existente de um direito fundamental e humano ao clima estável, defendido pelo jurista Ingo Wolfgang Sarlet e até mesmo a questão dos refugiados do clima diante de temas como aumento do nível dos oceanos e desastres ocasionados por eventos extremos.
Outras discussões que devemos ver com maior frequência é sobre a cobertura de seguros diante desses eventos.
Embora os dados do relatório do IPCC demonstrem que as consequências pelo aumento da temperatura serão muito maiores e mais sérios do que imaginamos, o tema não deve se resumir a discussão entre diplomatas, políticos e cientistas.
Na verdade, ele deve servir como um norte nos processos de tomada de decisão.
Assim, o envolvimento de toda a sociedade é imprescindível, além da adoção de uma política nacional ambientalmente adequada e que proporcione a redução necessária para o controle dos GEE, com mecanismos de incentivo econômico e fiscais, inclusive.
Além disso, práticas de ESG e compliance devem incorporar as questões de GEE e aquecimento global.
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