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Norma federal que autoriza uso de amianto crisotila é inconstitucional

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Em parecer enviado ao STF, Janot também defende a validade de lei municipal de São Paulo que proibiu o uso da substância considerada cancerígena

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, defendeu, em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), a inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei Federal 9.055/1995, que autoriza a extração, industrialização, utilização e comercialização de amianto da variedade crisotila (asbesto branco). Para o PGR, a norma afronta o direito fundamental de proteção à saúde e ao meio ambiente equilibrado, previsto na Constituição e considerado dever do Estado. Além disso, contraria as orientações firmadas na Convenção 162 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

A norma internacional, que foi incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto 126/1991, determina que os países proíbam o uso do amianto, substituindo-o por outros produtos, e que adotem medidas legislativas de prevenção e controle dos riscos para a saúde dos trabalhadores sujeitos à exposição dessa substância nociva. A OIT estima que 100 mil pessoas morrem anualmente em decorrência de exposição ao amianto. A substância é responsável por aproximadamente um terço das mortes por câncer profissional.

A Agência Internacional para Pesquisa sobre o Câncer, da Organização Mundial da Saúde, classifica todos os tipos de amianto como cancerígeno, incluindo o crisotila, que pode causar, entre outras doenças, asbestose, câncer de pulmão e mesotelioma. Diante dos riscos, em 2006, a OIT recomendou a supressão do uso futuro de todas as formas de amianto e de materiais que contenham a substância. No mesmo sentido, em 2012, durante audiência pública realizada pelo STF sobre o tema, o Ministério da Saúde defendeu que as pesquisas científicas existentes atualmente afastam qualquer possibilidade do uso seguro do crisotila.

“A proteção conferida pela Lei 9.055/1995 é insuficiente e inconstitucional, pois permite a utilização do amianto crisotila, que, consoante demonstrado nos autos e na audiência pública, promove, além de danos à saúde, a morte de pessoas expostas ao mineral”, sustenta Janot no parecer. Segundo ele, a norma afronta o princípio constitucional da prevenção, previsto no artigo 225 da Constituição, que impõe ao Poder Público o dever de prevenir riscos ambientais.

Também contraria o princípio da precaução, consolidado na Declaração da Conferência Rio 92. Segundo esse princípio, a falta de certeza científica absoluta não deve ser utilizada como razão para postergar a adoção de medidas eficazes para impedir a degradação do meio ambiente. Tal princípio inverte o ônus da prova, cabendo ao autor de medida potencialmente causadora de dano demonstrar tecnicamente que sua atividade não resultará em impacto negativo ao ambiente, e não o contrário.

Lei municipal – O posicionamento foi sustentado no parecer encaminhado ao STF pela improcedência da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 109, que questiona a Lei 13.113/2001 e o Decreto 41.788/2002, ambos do município de São Paulo. Tais normas proíbem o uso de materiais constituídos de amianto na construção civil. Para o PGR, a lei e o decreto são constitucionais, pois atendem as determinações da Convenção 162 da OIT, além preceitos constitucionais que conferem à União, aos estados e aos municípios, a competência comum de cuidar da saúde e da proteção do meio ambiente (artigo 23).

“Em se tratando de amianto, os elementos colhidos pela ciência e pela experiência são suficientes para intensificar as medidas protetivas do estado. Leis estaduais e municipais que ampliem a proteção deficiente da lei federal devem ser acolhidas, para melhor concretização dos preceitos constitucionais”, defende o PGR. Além disso, segundo ele, compete aos municípios legislar sobre assuntos de interesse local em suplemento à legislação federal (artigo 30 da Constituição).

“Considerando a inconstitucionalidade da legislação federal que permite o amianto de variedade crisotila, a determinação de norma supralegal de proibição do uso de qualquer tipo de amianto e a ausência de norma federal suficientemente protetiva à saúde e ao ambiente, há espaço para atuação legislativa dos demais entes federados”, conclui. No STF, há pelo menos nove ações questionando a constitucionalidade da Lei Federal 9.055/1995 – que autoriza o uso do amianto crisotila – e de leis locais que proibiram o uso da substância, todas ainda pendentes de julgamento.

Histórico Apesar dos reconhecidos prejuízos decorrentes da utilização do amianto, o STF já decidiu pela inconstitucionalidade de leis do Mato Grosso do Sul e de São Paulo, que proibiam o uso da substância, por entender que elas excederam a margem de competência constitucional concorrente que é assegurada a estados e municípios para legislar sobre proteção do meio ambiente.

Entretanto, na ADI 3.937, o Tribunal revisou seu posicionamento, indeferindo liminar e reconhecendo a constitucionalidade formal de norma, por entender que a proibição do uso de amianto encontra respaldo na Convenção 162 da OIT. Também entendeu que a existência de lei federal autorizando o uso de crisotila não afasta a possibilidade de legislação estadual mais rigorosa. Dada a complexidade da matéria, em 2012, o STF realizou audiência pública para analisar o ponto de vista científico e os impactos econômicos do uso de crisotila ou de fibras alternativas nessa mesma ADI, cujo mérito ainda está pendente de julgamento.

Em 2007, em parecer na ADPF 109, a própria PGR havia sido favorável à concessão de liminar para suspender os efeitos da lei paulistana, por considerar que o município usurpou a competência da União ao estabelecer normas gerais sobre a proteção e a defesa da saúde, em sentido contrário ao defendido agora por Janot. No novo parecer, o PGR justifica a mudança de posicionamento com base na evolução dos conceitos de proteção ambiental.

Como exemplo, ele cita o caso das brigas de galo e da “farra do boi”, práticas que tinham raízes profundas na história do país, mas acabaram proibidas pelo STF por não serem mais consideradas aceitáveis diante do regime da Constituição de 1988. “Determinadas práticas econômicas e culturais, conquanto antigas e toleradas através de gerações, podem e devem vir a ser proscritas, em virtude de concepções modernas de proteção digna e apropriada da fauna, da flora e da própria humanidade, em última análise”, conclui o PGR.

Fontes – Procuradoria-Geral da República / EcoDebate de 10 de outubro de 2016

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