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Novembro de 2020, o mês que vai definir o nosso futuro

MARCELO MOURA – G1

Eleição presidencial dos Estados Unidos no dia 3, conferência da ONU sobre o clima no dia 6. Os dez meses anteriores serão de suspense – e os anos seguintes, de consequências

O ano de 2020 terá doze meses (seguindo uma tradição começada pelo imperador romano Julio Cesar, em 45 a.C), mas poderia ser dividido em apenas três blocos desiguais: antes de novembro, novembro e depois de novembro.

Qual o problema com novembro? São dois. No dia 3, ocorre a eleição presidencial nos Estados Unidos. Para os dias 9 a 19, está marcada a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-26), que acontece em Glasgow, na Escócia. Os dez meses anteriores serão de suspense – e os anos seguintes, de consequências.

Em 2020, naturezapolítica e economia devem andar juntas. “Os maiores riscos da economia global hoje – do clima à tecnologia e geopolítica – estão profundamente interconectados”, afirma Ian Bremmer, fundador da consultoria Eurasia, no relatório que produziram com a seguradora francesa AXA. “Todos são problemas urgentes e todos estão acontecendo ao mesmo tempo. Líderes inteligentes precisam considerá-los juntos, e não como uma série de riscos independentes”.

Comecemos pelo problema do dia 3. Desde 1868, algum candidato americano diz estar diante da eleição presidencial mais importante da história – Barack Obama costuma fazer piada com esse clichê, ao repetir a afirmação em suas duas vitórias e na derrota de Hillary Clinton. Talvez agora seja verdade (de novo). Donald Trump pode tanto perder o mandato atual (se o pedido de impeachment aprovado na Câmara dos Deputados passar no Senado, mas isso não deve acontecer), pode se reeleger em novembro (é provável, pois a taxa de desemprego está no menor patamar desde 1970) ou perder a eleição. Se perder, perderá para quem – e com que consequências?

Elizabeth Warren e Bernie Sanders, dois dos mais populares pré-candidatos do Partido Democrata, defendem o fatiamento de gigantes como FacebookGoogleApple Amazon. “Para fazer nosso governo e a economia funcionar, precisamos impedir grandes empresas de tecnologia de usar seu poder político a favor de leis benéficas a elas, ou usar seu poder econômico para tirar da frente ou comprar cada potencial competidor”, diz Elizabeth, senadora de Massachusetts – sim, a casa do MIT. “Isso significa quebrar as big techs”. Partidários do fatiamento lembram da cisão da Standard Oil, em 1911, que deu origem a concorrentes como Esso, Chevron e Amoco. Contrários à ideia lembram do fatiamento da AT&T, em 1984, que deu em nada — pouco a pouco, as empresas se reaglutinaram em torno da gigante das telecomunicações, com ganhos de escala e integração. “Impor a cisão não é o remédio adequado no caso das big techs”, diz Rafael Pinho de Morais, professor da Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ que acaba de lançar três volumes intitulados Propriedade Intelectual e Defesa da Concorrência. “É preciso punir condutas anticompetitivas e vetar aquisições, e isso é possível com o arcabouço legal já existente”. Vencer a eleição não significa emplacar o projeto — o Congresso americano tem mais poder de decisão do que, por exemplo, o brasileiro. Mesmo assim, a mera discussão deverá abalar o mundo da tecnologia.

A eleição americana lança indefinição até sobre o Brexit – uma novela que se arrasta desde o plebiscito de 2016 e, finalmente, se encaminha para o fim, após a vitória categórica do primeiro ministro Boris Johnson, na eleição do Parlamento Britânico em dezembro. Em 2020, a separação sai. Mas em que termos? Com que consequências para a integridade da União Europeia – e, por extensão, para o acordo comercial com o Mercosul, que deve ser detalhado ao longo do ano?

A guerra entre Estados Unidos e China teve um armistício, com o acordo comercial encaminhado no fim de 2019. Mas duas frentes de batalha vão se intensificar em 2020: em torno da implantação da rede 5G pelo mundo (o governo americano acusa os fornecedores chineses de usar a tecnologia para espionar países) e em torno dos meios de pagamentos internacionais (o governo chinês discute a criação de uma criptomoeda que pode enfraquecer o dólar em sua condição de moeda universal). A China cresceu fantásticos 161% na última década e ganhou ascendência sobre países – como o Brasil, de quem passou a ser o principal parceiro comercial, nas importações e nas exportações. Mas os Estados Unidos se mantêm como a maior economia do planeta, e principal interlocutor do Ocidente.

O presidente dos Estados Unidos a ser eleito no dia 3 será protagonista da Cúpula do Clima marcada para a semana seguinte. Seja pela presença ou pela ausência – em 2017, Trump anunciou a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris. A COP-26 tentará resolver as muitas questões deixadas em aberto pela conferência de 2019, em Madri. A principal é a regulamentação do mercado internacional de carbono, acordado em 2015. A definição deve criar vantagens competitivas para países, estimular práticas sustentáveis em empresas tradicionais e fortalecer green techs – como startups que tentam capturar carbono do ar poluído e transformar em produtos. Se o mercado de carbono não foi regulamentado em 2019, por que seria em 2020? Além do óbvio – a COP-25 não chegou a um acordo, mas avançou – existe o peso simbólico do ano “vinte-vinte”.

A década de 2010 só vai acabar em 2021, alguém racionalmente haverá de lembrar, durante a queima de fogos do Réveillon. Mas 2020 é um número redondo. É mera abstração, mas abstrações enraizadas no imaginário coletivo têm o poder de despertar emoções e epifanias – como constatou o grupo de cientistas suecos que, após analisar 283.000 casos de ataque cardíaco, concluiu que a chance de enfartar no dia 31 de dezembro é 37% maior.

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Em 2019, uma jovem estudante conseguiu enraizar no imaginário coletivo o combate ao aquecimento global: a sueca Greta Thunbergpessoa do ano segundo a revista Time. “Estamos no início de uma extinção em massa, e tudo que vocês conseguem falar é sobre dinheiro e contos de fadas sobre crescimento econômico eterno. Como ousam?”, disse Greta em setembro, na Assembleia Geral da ONU. Em novembro de 2020, o mundo conhecerá o tamanho das novas ousadias.

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